Precedentes
do STF mostram critérios restritivos para embargos infringentes e outros
recursos.
Em
setembro, os olhos do país estarão voltados, com expectativa, para o desfecho,
ainda potencial, do julgamento do núcleo 1 da trama golpista, em especial de um
de seus integrantes: o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Potencial
é o adjetivo mais adequado, porque, na dinâmica do rito processual, muita água
ainda poderá correr.
Mesmo
que o processo seja concluído na 1ª turma, nas sessões já agendadas, e sem
supor qualquer pedido de vista, o julgamento não se encerra necessariamente com
a proclamação do resultado. A depender da configuração do placar, abrem-se
caminhos recursais que podem alongar a tramitação.
A
matemática das decisões, até o momento, aponta para uma condenação provável do
núcleo.
Mas
não se pode descartar uma divergência dentro da turma, sobretudo do ministro
Luiz Fux, que já sinalizou posições distintas em ocasiões anteriores.
Nesse
cenário, a defesa de Bolsonaro poderia lançar mão dos embargos infringentes,
recurso que, em hipóteses específicas, transfere o debate da Turma para o
Plenário? E, além dele, recorrer também a embargos de declaração ou até a um
habeas corpus?
A
depender do resultado do julgamento de Bolsonaro na 1ª turma do STF, defesa do
ex-presidente poderá lançar mão de alguns recursos.
Embargos infringentes
Os
embargos infringentes estão previstos tanto no CPP, quanto no RISTF - regimento
interno do STF, funcionando como mecanismo que permite rediscutir julgamentos
não unânimes, desde que desfavoráveis ao réu.
No
plano processual penal, o art. 609, parágrafo único, do CPP prevê que, quando a
decisão de segunda instância não for unânime e for desfavorável ao réu, cabem
embargos infringentes e de nulidade. O prazo, nesse caso, é de 10 dias, e a
impugnação se limita à matéria objeto da divergência.
No
plano regimental, o art. 333 do RISTF estabelece que cabem embargos
infringentes contra decisões não unânimes do plenário ou da turma que:
· julguem procedente a ação penal;
·
julguem improcedente a revisão criminal;
·
julguem a ação rescisória;
·
julguem a representação de inconstitucionalidade;
·
em recurso criminal ordinário, sejam
desfavoráveis ao acusado.
O
parágrafo único do dispositivo acrescenta que, no plenário, exige-se mínimo de quatro votos divergentes
para a admissibilidade do recurso, salvo em casos de julgamento criminal em
sessão secreta.
O
rito procedimental é detalhado nos
artigos seguintes: o prazo para interposição é de 15 dias (art. 334); o relator
abre vista para contrarrazões (art. 335); e, caso não admita o recurso, cabe
agravo em cinco dias.
Se
o caso estiver sendo julgado em uma das turmas, os embargos infringentes
transferem o julgamento para o plenário, onde os 11 ministros reavaliam a
matéria objeto da divergência. Não se trata de reabrir todo o processo, mas
apenas a parte em que houve votos absolutórios em favor do réu.
Embora
o regimento interno do STF preveja, de maneira ampla, o cabimento de embargos
infringentes em decisões não unânimes, a Corte foi, ao longo dos anos, impondo
restrições adicionais para conter o uso do recurso.
Possibilidade dos embargos
infringentes: Mensalão
O
momento de maior visibilidade dos embargos infringentes no STF ocorreu no
julgamento da AP 470, no caso do Mensalão.
Em
setembro de 2013, o plenário decidiu, por 6 votos a 5, admitir o recurso,
decisão que alterou o rumo do processo e ampliou a possibilidade de revisão
para parte dos réus.
O
voto de desempate coube ao ministro Celso de Mello, que reafirmou a
subsistência do art. 333 do regimento interno do STF mesmo após a edição da lei
8.038/90.
Essa
lei veio depois do regimento e regulamentou o trâmite dos processos no Supremo
e no STJ, mas não mencionou os embargos infringentes. Parte dos ministros
entendia, então, que a lei mais recente teria derrogado tacitamente o
dispositivo regimental, tornando o recurso incabível.
Para
Celso de Mello, os embargos infringentes permaneciam válidos nas ações penais
originárias, já que o dispositivo regimental não havia sido expressamente
revogado.
O
placar final ilustrou bem a divisão da Corte: contra o recurso votaram Joaquim
Barbosa, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Marco Aurélio; a favor,
Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Celso
de Mello.
Àquela
altura, dos 25 condenados, três já haviam recebido penas alternativas, dez não
tinham mais recursos cabíveis e, para doze réus, abriu-se a possibilidade de
revisão parcial das condenações por meio dos infringentes.
O
resultado reforçou o caráter garantista do recurso, mas também acendeu críticas
sobre o risco de eternizar processos penais de grande repercussão.
Foi
a partir desse precedente que amadureceu, no Supremo, a percepção de que seria
necessário fixar balizas mais rígidas ao uso dos infringentes.
Conteúdo dos embargos
infringentes
Em
2015, o plenário enfrentou novamente a questão, na AP 409, envolvendo a
condenação do político Zé Gerardo Arruda.
Na
ocasião, a Corte reforçou que a divergência que justifica os infringentes
precisa ser de conteúdo absolutório em sentido próprio.
Não
é possível, portanto, somar votos de natureza distinta, como prescrição ou
nulidade processual, para compor o número mínimo exigido.
Apenas
votos que declarem de forma clara a improcedência da pretensão acusatória podem
sustentar o recurso.
Embargos infringentes nas
turmas: Caso Maluf
O
movimento de restrição se consolidou em 2018,
no julgamento da AP 863, envolvendo o ex-deputado Paulo Maluf.
O
plenário definiu que, nas ações penais de competência originária julgadas pelas
turmas, os embargos infringentes só seriam admitidos quando houvesse, no
mínimo, dois votos vencidos pela absolvição em sentido próprio.
A
Corte explicou que o regimento, ao exigir quatro votos divergentes no plenário
(art. 333, parágrafo único), visava assegurar a existência de uma divergência
relevante, capaz de colocar em dúvida a correção da decisão majoritária.
Transposta
essa lógica para as turmas, formadas por cinco ministros, o critério
proporcional passou a ser a exigência de dois votos absolutórios.
Além
disso, o Supremo delimitou o conceito de absolvição em sentido próprio.
Não
basta um voto reconhecendo nulidade processual, prescrição ou apenas discutindo
a dosimetria da pena. Para justificar embargos infringentes, o voto divergente
precisa afirmar, de modo inequívoco, a improcedência da pretensão acusatória.
No
caso concreto, como havia apenas um voto divergente, e este não absolvia em
sentido próprio, o recurso foi considerado manifestamente inadmissível.
A
Corte concluiu que a interposição tinha caráter meramente protelatório, motivo
pelo qual não impediu o imediato cumprimento da decisão condenatória.
O julgamento, entretanto,
revelou uma divisão expressiva.
De
um lado, os ministros Fachin, Barroso, Rosa Weber e Fux sustentaram a
necessidade dos dois votos absolutórios, em defesa de uma leitura estrita e do princípio da taxatividade recursal.
Essa visão, que prevaleceu, reforçou a ideia de que só a divergência relevante
pode justificar o reexame pelo plenário.
De
outro, ministros como Toffoli, Moraes, Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco
Aurélio defenderam que bastaria um voto dissidente, ou, ao menos, que não
caberia ao tribunal impor restrições além das previstas no regimento interno.
Para os ministros, reduzir o alcance dos embargos significaria esvaziar
garantias processuais e limitar o direito de defesa em instâncias originárias.
Ministro
Celso de Mello, embora tenha apresentado considerações em favor de uma proteção
reforçada ao acusado, alinhada inclusive a normas internacionais, acabou
aderindo à tese proposta por Barroso, segundo a qual são necessários dois
votos.
Ministra
Cármen Lúcia também acompanhou essa linha, enfatizando a importância da
colegialidade e da segurança jurídica, ao reafirmar o entendimento consolidado
desde a AP 470 (mensalão).
Assim,
o Supremo fixou a tese que passou a balizar seus julgamentos: nas turmas, os
embargos infringentes só são admitidos em caso de dois votos vencidos em favor
do réu, ambos de conteúdo absolutório em sentido próprio.
Caso Collor
O
Supremo voltou a discutir os limites dos embargos infringentes no processo do
ex-presidente Fernando Collor de Mello, condenado a 8 anos e 10 meses de prisão
por corrupção e lavagem de dinheiro no âmbito da Lava Jato.
Após
o esgotamento dos recursos, ministro Alexandre de Moraes determinou a execução
imediata da pena, classificando como protelatórios os últimos embargos
manejados pela defesa. A decisão foi submetida a referendo do plenário, que,
por 6 a 4, manteve a prisão do ex-senador.
No
julgamento, ministro André Mendonça abriu divergência ao votar pelo cabimento
dos embargos infringentes. Para S. Exa., tanto o art. 333 do regimento interno
do STF quanto o art. 609 do CPP autorizariam o recurso em qualquer decisão não
unânime desfavorável ao réu, inclusive quando a divergência se limitasse à
dosimetria da pena.
Segundo
Mendonça, o fato de quatro ministros terem defendido a redução da pena de
Collor para quatro anos de reclusão, apenas por corrupção passiva, já
justificaria a reabertura do julgamento por meio dos infringentes.
Também
destacou que o direito ao duplo grau de jurisdição e à ampla defesa, previstos
em tratados internacionais como o Pacto de San José da Costa Rica, devem
orientar a interpretação do STF em favor do acusado.
A posição, no entanto, foi
minoritária.
A
maioria da Corte reafirmou o entendimento consolidado desde o caso Maluf, de
que os embargos infringentes só cabem quando a divergência é pela absolvição em
sentido próprio, não bastando votos distintos sobre pena ou nulidades
processuais.
Caso Débora Rodrigues
A
1ª turma do STF também enfrentou a questão dos embargos infringentes na AP
2.508, da ré Débora Rodrigues, condenada após ter pintado de batom a estátua da
Justiça durante os atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023.
Ela
recebeu pena de 14 anos de reclusão e detenção, além de multa e indenização por
danos coletivos de R$ 30 milhões, em decisão majoritária do colegiado.
A
defesa interpôs embargos infringentes, sustentando que deveriam prevalecer os
votos dos ministros Luiz Fux, que absolvia a ré de parte dos crimes, e
Cristiano Zanin, que divergiu apenas na dosimetria da pena.
O
relator, ministro Alexandre de Moraes, rejeitou o recurso, reafirmando os
precedentes da Corte.
Segundo
S. Exa., o cabimento dos infringentes exige dois votos absolutórios em sentido
próprio, conforme fixado no caso Maluf. Divergências parciais, seja na
dosimetria, seja em questões processuais, não suprem esse requisito.
Moraes
destacou que houve apenas um voto absolutório parcial (Fux), e o outro
divergente (Zanin) limitou-se à fixação da pena, o que não configura absolvição
em sentido próprio. Assim, não se verificou a "divergência relevante"
que justifica a reabertura do julgamento pelo plenário.
O
ministro também classificou o recurso como manifestamente incabível, frisando
que a tentativa de ampliá-lo pela aplicação do art. 609 do CPP não se sustenta,
já que a norma regimental do STF prevalece sobre a processual geral. Dessa
forma, os embargos infringentes não foram admitidos.
E Bolsonaro?
À
luz da jurisprudência consolidada pelo STF, a defesa do ex-presidente Jair
Bolsonaro só teria chances de ver admitidos embargos infringentes se, no julgamento
da 1ª turma, surgirem ao menos dois
votos pela absolvição em sentido próprio.
Um
único voto dissidente, ainda que favorável à absolvição parcial, não seria
suficiente, como se viu no caso Débora Rodrigues.
Tampouco
bastaria divergência restrita à dosimetria da pena ou a questões processuais,
como tentou sustentar a defesa de Fernando Collor.
Assim,
o cenário mais provável é que o
recurso só prospere se ministros da turma não apenas discordarem da maioria,
mas absolverem Bolsonaro em algum dos crimes centrais pelos quais é acusado.
Nesse
caso, os embargos infringentes poderiam levar o processo ao plenário, ampliando
o colegiado de cinco para onze ministros.
Fora
dessa hipótese, a tendência, conforme os precedentes mais recentes, é que a
Corte considere o recurso incabível e protelatório.
Alternativas
Mesmo
que não consiga levar o caso ao plenário por meio dos embargos infringentes, a
defesa de Bolsonaro ainda dispõe de outros instrumentos processuais.
O
primeiro deles são os embargos de
declaração, cabíveis em até cinco dias após a publicação do
acórdão. Servem para sanar omissões, contradições ou obscuridades, mas não
reabrem o mérito da condenação.
Na
prática, contudo, podem atrasar o trânsito em julgado, embora o STF venha reconhecendo como protelatórios
os embargos sucessivos, hipótese em que rejeita o recurso de plano e
autoriza a execução imediata da pena - como no recente caso de Carla Zambelli.
Outra
via possível é o habeas corpus, que pode ser impetrado ao Plenário para
questionar eventual ilegalidade ou
constrangimento.
O
espaço de acolhimento, entretanto, é restrito: o Supremo não admite o HC como
substituto de recurso próprio, aceitando-o apenas em casos de flagrante ilegalidade ou abuso de poder.
Em
momento posterior, após o trânsito em julgado, a defesa pode ajuizar revisão criminal, ação autônoma
prevista no CPP para situações de erro judiciário, surgimento de provas novas
ou injustiça manifesta da condenação. Esse recurso já foi manejado em processos
de grande repercussão, como no Mensalão e na Lava Jato.
Por
fim, há ainda a possibilidade de recurso
a instâncias internacionais, como o Sistema Interamericano de Direitos
Humanos, alegando violação ao devido processo legal ou a garantias fundamentais.
Embora essa via não suspenda a decisão no Brasil, pode gerar responsabilização
internacional do Estado brasileiro.
Assim,
mesmo diante das restrições impostas pela jurisprudência aos embargos
infringentes, a defesa de Bolsonaro ainda dispõe de uma gama limitada de
alternativas, cujo êxito dependerá de hipóteses muito específicas.
https://www.migalhas.com.br/quentes/438500/se-condenado-na-1-turma-bolsonaro-pode-recorrer-ao-plenario-entenda
· julguem procedente a ação penal;

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