segunda-feira, 18 de agosto de 2025

CONTRATOS COM CLÁUSULAS DE ACORDO PROCESSUAL: AVANÇO CRIATIVO PARA EFICÁCIA JURISDICIONAL. João Carlos de França

 

Civil
A chegada do atual Código de Processo Civil (CPC) trouxe inúmeras novidades e atualizações ao procedimento e instrumentalização das demandas jurídicas. Uma delas foi uma certa mitigação no entendimento de que o Processo Civil possuía caráter estritamente público.
 
Ministro explicou que o direito de romper contrato unilateralmente não dispensa direito de ampla defesa da empresa contratada
 
Claro, os comentários a seguir não se propõem a firmar que o Processo Civil deixou de ter caráter público, isso sequer é discutido pela doutrina. Tampouco se afirma que a vontade das partes só teve algum tipo de valor com a promulgação do atual Código de Processo Civil.
 
Note-se que desde o Código de Processo Civil de 1973 (CPC/73) as partes tinham certo poder de convencionar acerca de detalhes importantes do procedimento, como, por exemplo, a escolha do foro em que a demanda tramitaria. Esse entendimento se tornou até mesmo enunciado de Súmula do Supremo Tribunal Federal [1].
 
Contudo, é inegável: o atual CPC ampliou consideravelmente o poder de escolha das partes de um processo acerca do seu próprio procedimento. Isso está inserto no que se convencionou chamar de Cláusula Geral de Negociação Processual, prevista no artigo 190 do CPC:
 
“Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo”.
 
Veja-se que, se por um lado, o CPC/73 permitia alguns típicos negócios processuais, como escolha do foro e suspensão do processo, o atual CPC define meramente balizas relativamente pequenas para que as partes alterem o procedimento para um patamar que lhes interessa mais.
 
Impossível dizer que essa é uma cláusula que entrega às partes a liberdade absoluta sobre o procedimento. Como se disse anteriormente, o processo não deixou de ser estudado sob um prisma do Direito Público; contudo é notório que as partes agora têm uma ampla capacidade de negociação sobre seus ônus e deveres, desde que disponíveis.
 
Espécies de negócios processuais: eficiência na prestação jurisdicional ao alcance das partes
 
Fato é que a partir da existência do artigo 190 do CPC o processo deixou de ser mero instrumento, mero procedimento, para se tornar mais “vivo”, mais maleável [2]. Essa foi uma solução inteligente dada pelo legislador a um fato notório, especialmente diante da vivência jurídica: o processo em muitos pontos deixou de ser um “meio” para se tornar o fim em si mesmo.
 
Diante disso, há uma série de negócios processuais que as partes podem firmar para que a própria prestação jurisdicional se dê de forma muito mais eficaz, muito mais clara e, várias vezes, de maneira que melhor se adeque ao interesse das partes.
 
Acordo para redução dos prazos processuais
 
Notório que acordo que verse sobre a dilação dos prazos processuais peremptórios é impensável, diante da sua própria natureza prevista no artigo 1.003, §5º do CPC. Contudo, os acordos processuais são, sobretudo, sobre direitos disponíveis, ou seja, sobre os quais o jurisdicionado pode dispor. Há um entremeio bastante proveitoso aqui.
 
Tome-se como exemplo uma apelação, que possui prazo peremptório de 15 dias para sua interposição. Caso o jurisdicionado interponha o recurso em 16 dias, o recurso será considerado intempestivo. Mas dentro do prazo de 15 dias, seria possível a esse mesmo jurisdicionado renunciar a uma parte de seu prazo?
 
Evidente que sim. A apelação pode ser interposta em qualquer prazo entre o primeiro e o décimo quinto dia desde a publicação da sentença. Com efeito, o recurso pode ser interposto até mesmo antes do primeiro dia, conforme artigo 218, §4º do CPC.
 
Dessa forma, entende-se que são direitos processuais parcialmente disponíveis os prazos processuais: eles não são dilatáveis, mas são reduzíveis.
 
Assim, entende-se por completamente válido um acordo processual, por exemplo, que possa fixar em cinco dias úteis os prazos processuais para interposição de qualquer recurso, ou para respondê-los. Ou mesmo que fixe um prazo de contestação de cinco dias.
 
Designação de peritos
 
Em áreas mais técnicas, que exijam prévio e amplo conhecimento de quesitos mais particulares ou peculiares do objeto de um contrato, seria plenamente possível que as partes convencionassem sobre um ônus processual: a escolha do perito [3].
 
Os peritos judiciais são essenciais para deslinde de determinados casos e quanto mais conhecimento técnico ele tiver em certas áreas, mais simples é a solução e a elaboração dos laudos. Por isso é tão relevante que as partes possam, ao seu próprio arbítrio, escolher o perito que mais se adeque ao deslinde da causa, ao invés de aguardar uma decisão judicial.
 
Imagine-se, por exemplo, um contrato em que há cessão, licenciamento ou qualquer outra discussão que envolva patentes ou partes de uma patente. É possível que um técnico médio tenha dificuldade em esmiuçar e entender o objeto, atrapalhando o seu julgamento adequado.
 
Contudo, um perito escolhido de antemão pelas partes é plenamente possível e já foi reconhecido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro [4].
 
Portanto, entende-se que é absolutamente possível que as partes, de comum acordo, escolham um perito de sua preferência, a fim de trazer mais eficácia à prestação jurisdicional.
 
Intimação das partes pelos advogados
 
Dentre todas as formalidades do procedimento, uma das mais importantes é a citação. A citação é o ato judicial pelo qual uma das partes (a ré) é convidada a participar do feito, elaborando e apresentando sua defesa nos autos.
 
Apesar da claríssima importância da citação, ela poderia ser considerada disponível? Uma pergunta mais certeira ainda, seria “o jurisdicionado poderia abrir mão digo 239, §1º.
 
“Art. 239. Para a validade do processo é indispensável a citação do réu ou do executado, ressalvadas as hipóteses de indeferimento da petição inicial ou de improcedência liminar do pedido.
§1º. O comparecimento espontâneo do réu ou do executado supre a falta ou a nulidade da citação, fluindo a partir desta data o prazo para apresentação de contestação ou de embargos à execução.”
 
Uma vez que o réu tem o direito de comparecer espontaneamente aos autos, pode-se dizer que o direito de citação é, ao menos, relativamente disponível.
 
Diante desse racional, é possível dizer que um negócio processual em que as partes acordam serem intimadas diretamente pelos próprios advogados seria válida e, sem sombra de dúvida, contribuiria imensamente com a possibilidade de eficácia jurisdicional. E destaque-se o fato de que a ideia não é absurda, eis que já foi aceita mais de uma vez perante Tribunais pátrios [5].
 
Claro, seria possível flexibilizar os requisitos para citação válida, como limitação de carta com aviso de recebimento, ou mesmo e-mail com confirmação de leitura, mas enviado pela própria parte e não pelo judiciário.
 
O fato é que esse acordo facilita, tremendamente, a vivência processual, deixando a cargo das partes serviços mais burocráticos e que normalmente demoram demasiadamente para acontecer.
 
Facilitadores de Execução
 
É, infelizmente, extremamente comum que um processo tramite de maneira razoável e com consolidação de um direito a uma das partes, mas ao final, a sentença não possa ser executada. O jargão jurídico convencionou chamar o fenômeno de “ganhou, mas não levou”.
 
Além da grande morosidade processual, é normal que se depare com situações de ocultação de patrimônio ou outros meios para evitar o pagamento. É justamente por isso que o STJ tem flexibilizado a impenhorabilidade de salários, para permitir que uma parte seja, de fato, retida, desde que não prejudique o seu mínimo existencial [6].
 
Contudo, especialmente no cenário societário e empresarial, há convenções processuais que podem facilitar as execuções e incrementar a eficácia do Poder Judiciário. Seria o exemplo de um negócio processual que prevê a possibilidade de penhora sobre o faturamento da empresa como primeira ordem de penhora.
 
O atual CPC já avançou bastante em relação ao seu antecessor em trazer, dentro das possibilidades expressas de penhora, a que recaia sobre percentual do faturamento da empresa. Contudo, o artigo 835 apresenta um rol ordenado de preferência de penhora.
 
Possibilidades são limitadas meramente por poucas balizas processuais
Segundo entendimento do STJ, a penhora sobre o faturamento da empresa “poderá ser deferida após a demonstração da inexistência dos bens classificados em posição superior, ou, alternativamente, se houver constatação, pelo juiz, de que tais bens são de difícil alienação”. Em outras palavras, para que se saia da primeira ordem de preferência de penhora até aquela que prevê o faturamento da empresa (décima posição), há um longo caminho.
 
Contudo, é possível abreviar esse caminho através da negociação processual. Perceba-se que o faturamento de uma empresa é um direito disponível, bem como a entrega de determinados bens à penhora – desde que, claro, haja aceite da parte exequente.
 
Assim, é plenamente possível que haja um acordo processual para inverter a ordem de preferência do artigo 835 do CPC, a fim de privilegiar a eficácia do processo e da execução.
 
Como se viu, as possibilidades são limitadas meramente por algumas poucas balizas processuais, apenas o suficiente para garantir a segurança jurídica, e pela criatividade das partes.
 
Contudo, o intuito deste artigo é mostrar unicamente a grande possibilidade que os acordos processuais têm de dar mais eficácia às demandas cíveis, alterando o procedimento para que se torne ainda mais rápido e resolutivo. Uma vez que os acordos podem ser pré-processuais, nada impede que as práticas aqui descritas possam ser incorporadas das mais variadas formas ao dia-a-dia das empresas e dos particulares, nos mais variados âmbitos de sua vida civil.
 
[1] Súmula 335 do STF: É válida a cláusula de eleição do foro para os processos oriundos do contrato.
 
[2] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil – Volume único. 8ª Edição. Salvador: Ed. JusPodvim, 2016.
 
[3] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 11ª Edição. Salvador: Ed. JusPodvim, 2016.
 
[4] TJ-RJ – AI: 00885919820218190000, Relator: Des(a). SÔNIA DE FÁTIMA DIAS, Data de Julgamento: 13/04/2022, 23ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 19/04/2022.
 
[5] TJ-MT 10036641020218110000 MT, Relator: RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Data de Julgamento: 05/05/2021, 4ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 11/05/2021; e TJ-GO – AI: 51445461520228090051 GOIÂNIA, Relator: Des(a). DESEMBARGADORA AMÉLIA MARTINS DE ARAÚJO, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: (S/R).
 
[6] AgInt no REsp n. 2.065.780/SP, relator ministro Moura Ribeiro, 3ª Turma, julgado em 13/5/2024, DJe de 15/5/2024.
 
João Carlos de França
é advogado do Bento Muniz Advocacia, bacharel em Direito pelo Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb), especialista em tribunais superiores e contencioso estratégico, com especialização lato sensu em Direito Processual Civil e curso de especialização em propriedade industrial pela World Intellectual Property Organization.
 
https://www.conjur.com.br/2025-ago-17/contratos-com-clausulas-de-acordo-processual-avanco-criativo-para-eficacia-jurisdicional/

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