A
Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou ilegal a busca
pessoal ou veicular, sem mandado judicial, motivada apenas pela impressão
subjetiva da polícia sobre a aparência ou atitude suspeita do indivíduo. No
julgamento, o colegiado concedeu habeas corpus para trancar a ação penal contra
um réu acusado de tráfico de drogas. Os policiais que o abordaram, e que
disseram ter encontrado drogas na revista pessoal, afirmaram que ele estava em
"atitude suspeita", sem apresentar nenhuma outra justificativa para o
procedimento.
Por
unanimidade, os ministros consideraram que, para a realização de busca pessoal
– conhecida popularmente como "baculejo", "enquadro" ou
"geral" –, é necessário que a fundada suspeita a que se refere o
artigo 244 do Código de Processo Penal seja descrita de modo objetivo e
justificada por indícios de que o indivíduo esteja na posse de drogas, armas ou
outros objetos ilícitos, evidenciando-se a urgência para a diligência.
De
acordo com o ministro Rogerio Schietti Cruz, relator do caso, a suspeita assim
justificada deve se relacionar, necessariamente, à probabilidade de posse de
objetos ilícitos, pois a busca pessoal tem uma finalidade legal de produção de
provas. De outro modo, seria dado aos agentes de segurança um "salvo-conduto
para abordagens e revistas exploratórias baseadas em suspeição genérica",
sem relação específica com a posse de itens ilícitos.
Encontro de drogas não
convalida a ilegalidade da busca
Diante
da total ausência de descrição sobre o que teria motivado a suspeita no momento
da abordagem, o ministro afirmou que não é possível acolher a justificativa
para a conduta policial – o que tem reflexo direto na validade das provas. Para
ele, o fato de terem sido encontradas drogas durante a revista não convalida a
ilegalidade prévia, pois a "fundada suspeita" que justificaria a
busca deve ser aferida "com base no que se tinha antes da
diligência".
A
violação das regras legais para a busca pessoal, concluiu o relator,
"resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida",
dando margem ainda à possível responsabilização penal dos policiais envolvidos.
Daí
a importância, segundo o magistrado, do uso de câmeras pelos agentes de
segurança, defendido pela Sexta Turma no julgamento do HC 598.051 e também pelo
Supremo Tribunal Federal (STF), que, em fevereiro, determinou essa providência
ao Estado do Rio de Janeiro. Na avaliação de Schietti, as câmeras coíbem abusos
por parte da polícia e preservam os bons agentes de acusações levianas.
Abordagens policiais revelam
racismo estrutural
Uma
das razões para se exigir que a busca pessoal seja justificada em elementos
sólidos – disse o ministro – é "evitar a repetição de práticas que
reproduzem preconceitos estruturais arraigados na sociedade, como é o caso do perfilamento
racial, reflexo direto do racismo estrutural".
"Em
um país marcado por alta desigualdade social e racial, o policiamento ostensivo
tende a se concentrar em grupos marginalizados e considerados potenciais
criminosos ou usuais suspeitos, assim definidos por fatores subjetivos como
idade, cor da pele, gênero, classe social, local da residência, vestimentas
etc." – declarou em seu voto.
Passado
mais de um século desde o fim da escravatura, apontou o magistrado, é
inevitável constatar que a circulação dos negros no espaço público continua a
ser controlada sob o viés da suspeição racial, por meio de abordagens policiais
a pretexto de averiguação. "Infelizmente, ter pele preta ou parda, no
Brasil, é estar permanentemente sob suspeita", acrescentou.
99% das buscas pessoais são
infrutíferas
O
ministro mencionou estatísticas oficiais das Secretarias de Segurança Pública
de todo o país, segundo as quais só são encontrados objetos ilícitos em 1%
dessas abordagens policiais – ou seja, a cada 100 pessoas revistadas pela
polícia no Brasil, apenas uma é autuada por alguma ilegalidade.
Além
de ineficientes, comentou Schietti, tais práticas da polícia contribuem para a
piora de sua imagem perante a sociedade, que passa a enxergá-la como uma
instituição autoritária e discriminatória.
O
relator enfatizou, por fim, a necessidade de que todos os integrantes do
sistema de Justiça criminal – incluindo delegados, membros do Ministério
Público e magistrados – reflitam sobre seu papel na manutenção da seletividade
racial, ao validarem, muitas vezes, medidas ilegais e abusivas cometidas pelos
agentes de segurança.
https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/20042022-Revista-pessoal-baseada-em-%E2%80%9Catitude-suspeita%E2%80%9D-e-ilegal--decide-Sexta-Turma.aspx
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