No
mês em que se comemora o Dia do Índio (19/4), o Judiciário reforça o
compromisso com a garantia de direitos fundamentais dessa população que no
Brasil é composta por 256 povos, totalizando aproximadamente 900 mil pessoas.
Os
dois atos normativos mais recentes aprovados pelo Conselho Nacional de Justiça
se somam a outras ações voltadas para a proteção daqueles que se encontram em
situação de vulnerabilidade de acordo com a Declaração para os Direitos dos
Povos Indígenas da ONU, que estabelece que os Estados-membros devem adotar
medidas eficazes para garantir a proteção dos direitos desses povos.
As
resoluções levadas a julgamento por meio dos atos normativos nasceram de grupo
de trabalho do Observatório de Direitos Humanos do Poder Judiciário criado para
viabilizar o acesso à Justiça dessa população e propor iniciativas baseadas em
boas práticas na condução de processos judiciais envolvendo direitos indígenas.
Esse esforço está em linha com uma das prioridades do presidente do CNJ,
ministro Luiz Fux, à frente do CNJ.
Para
ele, a Justiça deve estar atenta para assegurar e promover os direitos dos
povos indígenas. “A realidade dos povos indígenas ainda carrega a marca da marginalização,
da exclusão, do silêncio. Um Poder Judiciário moderno, aberto à população e que
se orgulhe de fazer Justiça deve assegurar o diálogo intercultural que respeita
o modo de ser e de viver desses povos”.
Uma
das resoluções cria o Fórum Nacional do Poder Judiciário para Monitoramento e
Efetividade das Demandas Relacionadas aos Povos Indígenas e Tribais (Fonit),
para acompanhar o andamento das demandas judiciais que envolvem essa população,
sejam individuais ou de comunidades, em cada tribunal. O outro normativo traz
orientações para o tratamento adequado dos indígenas na Justiça.
Assegurar
a autoidentificação indígena em qualquer fase do processo está entre as medidas
determinadas pelo CNJ, assim como as suas consequências jurídicas, em linguagem
simples e acessível, e o registro das informações de autoidentificação nos
sistemas informatizados da Justiça.
Também
está previsto assegurar ao indígena pleno conhecimento dos atos processuais
ainda que por meio de um intérprete, de preferência entre os membros de sua
comunidade, para que o indígena compreenda o que está ocorrendo e possa,
inclusive, recorrer. Também está garantida na resolução a intimação da FUNAI e
do Ministério Público Federal a depender da demanda, para que se manifestem na
causa.
Plenos direitos
Coordenador
do GT, o conselheiro do CNJ Márcio Freitas reforçou a importância das medidas.
“O reconhecimento pelo Sistema de Justiça da singularidade dos povos
originários representa um importante passo para o resgate do débito histórico
para com esses povos”, disse.
Além
de dar suporte em estudos sobre a temática indígena e desenvolver roteiro de
atuação judicial baseado em boas práticas na condução de processos judiciais
envolvendo direitos indígenas, o GT também tem a incumbência de organizar
publicação destinada ao aperfeiçoamento dos cursos de formação de magistrados
na temática indígena.
Para
a desembargadora do Tribunal Regional Federal da 3ª Região Inês Virgínia Prado
Soares, que também compõe o GT, a importância da aprovação da resolução está na
nitidez e no detalhamento que promove em relação aos direitos civis indígenas.
“A
resolução não muda o Código de Processo Civil, nem poderia mudar, mas
estabelece alguns procedimentos que permitem um julgamento sob a perspectiva
intercultural e sob a perspectiva dos povos indígenas. Respeitando a consulta
aos povos, aos membros da comunidade, e os protocolos já existentes”, disse.
O
acesso pleno à Justiça pelos indígenas, suas comunidades e organizações, está
prevista nos artigos 231 e 232 da Constituição Federal. No entanto, ainda hoje,
muitos indígenas sequer contam com documentos civis, que garantam acesso a
direitos básicos, como atendimento de saúde.
Na
avaliação da antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, membro do Observatório do
CNJ, a resolução aprovada é um guia precioso para a implementação do acesso à
Justiça. “As normas levam em conta as especificidades dos povos indígenas e os
avanços da Constituição Federal e das convenções internacionais vigentes no
nosso país”.
Cidadania e luta
Estado
com uma elevada presença indígena (46% de seu território é de áreas demarcadas
indígenas), Roraima conta com uma Justiça que trabalha para reduzir a distância
entre o Poder Judiciário e os povos originários.
Há
mais de 20 anos, o Tribunal de Justiça de Roraima dialoga com os povos
Yanomamis, Macuxis, Wapichana, Taurepang, Ingaricó, Patamona, Ye`kuana, Waimiri
Atroari, Sapará, Wai-Wai e ribeirinhas por meio do projeto Justiça Itinerante,
que inspirou as novas diretrizes do CNJ para o Judiciário.
Todo
mês, uma pequena equipe formada por cinco servidores segue de barco, ônibus, ou
avião para dentro da floresta amazônica com o objetivo de garantir direitos
civis a homens, mulheres, meninas, meninos, idosas e idosos. À frente do
trabalho por doze anos, o juiz Erick Cavalcanti Linhares de Lima explica que o
projeto alcança pessoas que não conseguem chegar aos fóruns, permitindo que
essa população tenha acesso aos direitos sociais.
O
magistrado enxerga a necessidade de a Justiça abrir os olhos para esses povos e
reconhecer suas especificidades. “Precisamos superar a ideia errônea do índio
privilegiado ou folgado. Essa é uma visão antiquada que perpetua sofrimento e
preconceito contra essa população. Os indígenas precisam ser tratados de
maneira diferenciada, pois têm uma cultura completamente diferente dos não
indígenas e temos o dever de garantir-lhes proteção e acesso à Justiça”.
Para
o líder indígena Dilson Ingariko, mestrando em Sociologia e Direito pela
Universidade Federal Fluminense e secretário adjunto da Secretaria de Estado do
Índio de Roraima, o Dia do Índio é um dia de luta, dia em que é preciso lembrar
que o Estado deve cumprir com o dever de fiscalizar as terras, dar segurança
aos povos, e desenvolver as comunidades.
“Nossos
direitos ainda estão no papel. Há muitas formas de se ferir os direitos dos
indígenas, seu conhecimento, sua ciência, sua cultura, sua língua.
Infelizmente, hoje, não podemos dizer que os povos indígenas estejam bem
representados e nem seus direitos protegidos”, afirmou.
Ações do CNJ
Para
viabilizar a implementação das medidas previstas pela resolução, o CNJ pretende
elaborar um manual e mobilizar tribunais e escolas da magistratura para que
sejam feitos cursos de qualificação e atualização, principalmente nas comarcas
e seções judiciárias com maior população indígena.
O
CNJ desenvolve ações voltadas aos indígenas desde 2010, quando criou o Projeto
Cidadania, Direito de Todos, que apoiava a realização de dezenas de mutirões
para levar a Justiça até as aldeias. Em 2012, foi editada uma Resolução
Conjunta com o Conselho Nacional do Ministério Público para permitir os
registros civis dos indígenas nas certidões.
Em
2019, aprovou a Resolução 287, estabelecendo procedimentos especiais para
pessoas indígenas acusadas, rés, condenadas ou privadas de liberdade no âmbito
criminal do Poder Judiciário.
Com informações da
assessoria de imprensa do CNJ.
0000197-13.2022
0009076-43.2021
https://www.conjur.com.br/2022-abr-19/justica-estar-atenta-assegurar-direitos-povos-indigenas
0009076-43.2021
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