O
crime de injúria racial é espécie do gênero racismo. Portanto, é
imprescritível, conforme o artigo 5º, XLII, da Constituição. Esse foi o
entendimento firmado nesta quinta-feira (28/10) pelo Plenário do Supremo
Tribunal Federal, por oito votos a um. Ficou vencido o ministro Nunes Marques.
Uma
idosa, atualmente com 80 anos, foi condenada por injúria racial a um ano de
reclusão e dez dias-multa pela 1ª Vara Criminal de Brasília por ter chamado uma
frentista de um posto de combustíveis de "negrinha nojenta, ignorante e
atrevida". A defesa pediu a extinção da punibilidade pelo transcurso de
metade do prazo prescricional, pois a ré tem mais de 70 anos. O Superior
Tribunal de Justiça negou, considerando o delito imprescritível. A defesa então
impetrou Habeas Corpus no STF.
Em
novembro de 2020, o relator do caso, ministro Edson Fachin, votou pela
equiparação da injúria racial (artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal) ao
crime de racismo (previsto pela Lei 7.716/1989). Portanto, entendeu que não há
como reconhecer a extinção da punibilidade a acusados por injúria racial.
Afinal, o artigo 5º, XLII, da Constituição, estabelece que "a prática do
racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de
reclusão, nos termos da lei".
O
ministro Nunes Marques abriu a divergência, sob argumento de que as condutas
dos crimes são diferentes e que a imprescritibilidade da injúria racial só pode
ser implementada pelo Poder Legislativo. "No crime de injúria, o bem
jurídico protegido é a honra subjetiva, e a conduta ofensiva se dirige à dela.
Já no crime de racismo, o bem jurídico tutelado é a dignidade da pessoa humana,
que deve ser protegida independente de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional", disse Nunes Marques, em dezembro de 2020. O
julgamento foi interrompido na época por pedido de vista do ministro Alexandre
de Moraes.
Em
voto-vista apresentado nesta quinta, Alexandre seguiu o relator. O ministro
apontou que é objetivo fundamental da República Federativa do Brasil
"promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação" (artigo 3º, IV, da
Constituição). Além disso, o país deve pautar suas relações internacionais pelo
"repúdio ao terrorismo e ao racismo" (artigo 4º, VIII, da
Constituição). E o artigo 5º, XLII, da Carta Magna, determina que o racismo é
crime inafiançável e imprescritível.
De
acordo com Alexandre, a Constituição considera inafiançável e imprescritível a
prática do racismo, não apenas de um tipo penal nomeado "racismo". E
isso vale tanto para o crime da Lei 7.716/1989 quanto para a injúria racial.
"Referir-se
a alguém como expressões preconceituosas, como 'negrinha nojenta, ignorante e
atrevida', foi uma manifestação ilícita e preconceituosa em razão da condição
de negra da vítima. Então houve um ato de racismo", declarou o ministro.
Essa
interpretação permite uma efetivação plena do combate ao racismo no Brasil,
avaliou Alexandre. "Somente assim poderemos atenuar esse sentimento de
inferiorização que as pessoas racistas querem impor às suas vítimas".
O
entendimento foi seguido pelos ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Dias
Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Luiz Fux.
Barroso
destacou os efeitos sociais do racismo, reproduzido não só em ofensas, mas
também em atos cotidianos, sem que muitos tenham consciência disso.
"Estamos todos precisando passar por um processo de reeducação nessa
matéria", disse.
Cármen
Lúcia opinou que, mesmo no caso de injúria racial, a vítima não é apenas a
pessoa ofendida, mas toda a humanidade.
Lewandowski
declarou que o racismo não se limita às condutas previstas pela Lei 7.716/1989.
E o presidente do STF, Luiz Fux, ressaltou que a jurisprudência sobre o tema
vem se desenvolvendo no sentido de conferir proteção ampla às vítimas de
racismo.
O
ministro Gilmar Mendes não participou do julgamento.
Decisão elogiada
Silvio
de Almeida, presidente do Instituto Luiz Gama, elogiou a decisão do Supremo.
Conforme Almeida, "apesar de o Direito Penal ser um instrumento bastante
limitado para o enfrentamento do racismo, a decisão do STF foi acertada e com
isso será possível que as ofensas de cunho racista tenham o tratamento adequado
por parte do sistema de Justiça do Brasil".
"A
decisão do STF reafirma a posição do STJ que firmou o entendimento de que a
injúria racial é uma modalidade do crime de racismo e portanto não pode estar
sujeito aos prazos decadenciais que incidem sobre os crimes contra honra,
subordinando-se ao inciso XLII do artigo 5º da Constituição Federal que
estabelece que 'a prática do racismo constitui crime inafiançável e
imprescritível'. A decisão é acertada, sobretudo porque em muitos casos havia a
desclassificação do delito de racismo para injúria racial e, neste caso,
invariavelmente era reconhecida o decurso de prazo decadencial, o que resultava,
na prática, na impunidade do ofensor, uma vez que não não poderia haver
condenação neste caso".
Sérgio Rodas é
correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.
Revista Consultor Jurídico
https://www.conjur.com.br/2021-out-28/stf-equipara-injuria-racial-racismo-considerando-imprescritivel
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