Leydy
Pech, de 55 anos, sustenta sua família através da apicultura
"Não
é apenas uma luta contra a Monsanto, mas contra todo o modelo de
desenvolvimento do agronegócio que se impõe no México e que está nos
prejudicando."
É
assim que Leydy Araceli Pech Martín, apicultora maia de 55 anos, resume a
batalha jurídica contra os agrotóxicos que trava há quase 10 anos e que a levou
a enfrentar uma das maiores fabricantes de defensivos agrícolas do mundo: a
Monsanto.
Também
conhecida como "guardiã das abelhas" ou "senhora do mel",
Pech mora em um vilarejo de Hopelchén, na península de Yucatán, no Médico.
O
território é fortemente afetado pelo desmatamento e por resíduos tóxicos de
defensivos usados na agricultura industrial, que prejudicam particularmente os
ecossistemas dos quais as abelhas dependem.
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Pech
sustenta sua família através da apicultura. Junto com outras mulheres da área,
ela se dedica à criação e preservação da melipona beecheii, uma espécie
selvagem sem ferrão domesticada pelos povos maias do México por centenas de
anos.
Sua
maior conquista foi liderar uma coalizão para impedir o plantio de soja
geneticamente modificada pela empresa Monsanto no sul do México.
A
Suprema Corte do país decidiu que o governo violou os direitos dos maias e
suspendeu seu plantio. Graças a seus esforços, a permissão do governo para o
plantio foi revogada.
Plantas
geneticamente modificadas costumam ser projetadas para ser resistentes a
herbicidas e normalmente há um uso maior de agrotóxicos nesse tipo de plantação.
Pech
tem origem maia e vive no México
Na
segunda-feira (30/11) Pech recebeu o Goldman, um dos mais importantes prêmios
ambientais do mundo, por sua "luta histórica".
"Sua
batalha é modelo para outros movimentos de luta indígena pela proteção de seus
direitos e de suas terras", disse a Fundação Goldman, que concede o prêmio
a seis pessoas anualmente.
Pech
espera que a conquista sirva para tornar visíveis os problemas que seu povo
enfrenta e continuar com uma batalha que não acabou e da qual, diz ela, nunca
desistiu.
"Desde
que comecei essa luta, empresas e governos queriam mostrar que eu não era ninguém
e que não ia servir para nada. Porém, isso não me paralisou; pelo contrário, me
fez buscar mais aliados. Encontrei força na unidade dos povos maias",
afirma Pech em entrevista por telefone à BBC News Mundo, o serviço em espanhol
da BBC.
A
seguir, leia trechos da entrevista.
BBC
- A empresa Monsanto (adquirida em 2016 pela farmacêutica Bayer) controla 90%
do mercado internacional de sementes e é líder mundial na produção de
herbicidas. Você tem um terreno de apenas dois hectares para cultivar mel, onde
mora sua família. Como foi enfrentar uma grande multinacional de uma posição
tão "pequena"?
Leydy
Pech - Não foi fácil. O mais difícil foi, em primeiro lugar, entender a
complexidade e os danos que seria causados pela permissão concedida à Monsanto
pelo governo para o plantio de soja transgênica nos territórios das comunidades
maias de Hopelchén. Não sabíamos o impacto que essa autorização teria.
A
primeira coisa que queríamos era entender o que significa transgênico. Nem
sabíamos o que era soja geneticamente modificada ou os danos associados a essa
cultura. Uma vez que conseguimos entender os efeitos que este plantio de soja
transgênica teria em nossos meios de subsistência, especialmente na apicultura,
decidimos nos organizar, unir o povo maia de Hopelchén. Então, entramos com
dois recursos na Justiça (um como comunidades indígenas e outro como
organizações de apicultores).
Foi
algo histórico porque nunca tivemos um processo como este na Península de
Yucatán. Essa luta que iniciamos também nos ajudou a entender a interação das
comunidades maias com o meio ambiente e a natureza. Percebemos que vivemos sob
ameaça, que vivemos sob risco. Isso nos levou a organizar nossa defesa.
De
2011 a 2012 — quando descobrimos sobre a permissão do governo para a Monsanto—
iniciamos nosso processo legal e chegamos ao Supremo Tribunal Federal em 2015.
Mas foram muitas as complexidades.
Quatro
mulheres andinas de meia idade sorriem
Pech
luta contra a destruição da natureza ao lado de outras mulheres
BBC
- Por quê? O que aconteceu desde então?
Pech
- O processo nos deu a oportunidade de tornar visíveis os problemas que estamos
enfrentando com o plantio da soja transgênica. Desde então, existe um acordo
que obriga o governo mexicano a consultar os povos indígenas sobre essas
plantações. Foi uma conquista muito importante, sem dúvida.
O
governo afirma que a consulta deve ser prévia, livre e informada, culturalmente
adequada e de boa fé. Mas nenhum desses princípios é respeitado. Por exemplo, é
usada uma linguagem muito técnica que dificulta nossa compreensão. Vimos que
estava surgindo uma violação de nossos direitos, por isso rejeitamos essa
consulta.
De
2016 a 2018 iniciamos um novo processo, mas nunca ultrapassamos a primeira fase
dos acordos anteriores porque eles queriam nos impor um protocolo que nunca
aceitamos, nem com o governo que saía nem com o que entrava [Andés Manuel López
Obrador, presidente desde dezembro de 2018].
Hoje,
o processo continua parado porque o governo ainda não quer respeitar os
protocolos dos povos indígenas. E isso não acontece apenas em Hopelchén ou em
Yucatán; existem outras lutas dos povos indígenas que estão ocorrendo em nível
nacional e que não são respeitadas. Projetos contrários aos nossos modos de
vida estão sendo impostos.
O
desmatamento é um grande problema no México
Voltando
à Monsanto, há uma batalha que alguns dizem que vencemos: a revogação da
permissão da empresa para cultivar soja geneticamente modificada em sete
estados do país em 2017. De fato, isso aconteceu. E mais tarde houve outra
revogação de todas as autorizações que a Monsanto tem em nível nacional.
No
entanto, enquanto estávamos nesse processo, a empresa continuou a introduzir
sementes transgênicas em nosso território. E hoje, em nosso município, a soja
transgênica ainda é plantada e comercializada em um ambiente de impunidade e
violação de direitos.
Acredito
que seja necessário que as autoridades competentes implementem esta revogação
da licença da Monsanto. Não adianta nada que as licenças estejam sendo revogadas
se eles continuarem a pulverizar (agrotóxicos), se continuarem a desmatar, se
continuarem a poluir o ar e a água e matar minhas abelhas. Tudo o que está
sendo feito permanece mera formalidade.
O
México é o sexto maior produtor de mel do mundo, e 40% da produção nacional de
mel vem da Península de Yucatán
BBC
- E por que isso acontece?
Pech
- Pelos interesses econômicos do governo e das autoridades mexicanas, que não
zelam pelos povos indígenas. Não estamos representados nesse modelo capitalista
que viola nossos direitos. Para nós, a selva, a água, as florestas, a
biodiversidade são importantes. Nós cuidamos e conservamos isso, mas que o
governo só vê como recursos que não estão sendo usados. Uma das coisas que
continuamos a defender é que preciso nos proteger contra os danos ambientais
associados ao aumento da agricultura industrial.
Fala-se
em produzir alimentos de uma forma que não é a dos povos indígenas, mas das
empresas. Fomos retirados de nossos territórios para a realização de projetos
que nos afetam diretamente, que nos fazem perder o nosso sustento e nos
marginalizam ainda mais. Qual modelo de desenvolvimento está sendo promovido?
Quem se beneficia? É a discussão que os povos indígenas têm hoje.
Leydy
Pech diz que os indígenas estão ameaçados no México
BBC
- Os povos maias da Península de Yucatán vivem tradicionalmente da apicultura.
Como o agronegócio os afeta?
Pech
- As abelhas são nosso patrimônio, mas estão em risco porque a cada dia se
desmata mais e começam monoculturas que as matam. A conservação é importante
para mim porque dependo do meu território para viver.
As
abelhas são meu sustento e também são essenciais para a vida. Também acho
importante falar sobre os danos que estão causando o uso indevido de pesticidas
como o glifosato [o herbicida mais usado no mundo]. São produtos muito
perigosos que poluem o ar, a água e os alimentos. Isso é algo que não afeta
apenas os povos indígenas. Afeta a todos nós e deve ser uma luta de todos
porque é pelo bem comum.
BBC
- Defender esse bem comum muitas vezes significa arriscar a vida, especialmente
para ativistas indígenas. Só em 2019, no México, havia 18 registros de
ambientalistas assassinados, mais da metade de povos indígenas (de acordo com
um relatório recente da Global Witness). Como você encara esse risco?
Pech
- Sim, eu sei que existe um risco, principalmente pelos interesses que se
desestimulam nessa luta. A questão da defesa ambiental é delicada e sou ainda
mais vulnerável por ser mulher. É difícil entrar em espaços onde existem papéis
estabelecidos por homens não indígenas que muitas vezes me subestimam.
Mas
acredito que as mulheres podem abrir esses espaços para outras mulheres. Também
vejo isso como uma responsabilidade. Estamos na linha de frente e corremos um
risco maior. Eles me borrifam diariamente e matam minhas abelhas. Mas tem que
se tornar uma responsabilidade social, uma responsabilidade de todos. Tudo o
que estamos defendendo serve ao resto do planeta. Nós precisamos de ajuda.
Biodiversidade é vida. As abelhas são vida.
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-55153528
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