Ho
Chi Minh, herói revolucionário vietnamita, faleceu em um 02 de setembro como
este em 1969, quando a resistência vietnamita já tinha virado o jogo contra a
invasão imperialista norte-americana, mas a guerra ainda não havia terminado.
Pouco se sabe sobre um detalhe curioso na juventude do militante comunista que
se tornaria presidente do Vietnã do Norte: suas andanças pelo mundo como
cozinheiro de navio, o que levou inclusive a conhecer o Rio de Janeiro dos anos
1910, com toda sua realidade desigual e, ao mesmo tempo, cheia de esperança e
luta – e como isso ajudou a moldar um dos principais revolucionários do século
20.
Quando
Ho nasceu em 1890 sob o nome de batismo Nguyen Sinh Cung, o Vietnã simplesmente
não existia no mapa-mundi. A região era conhecida como “Indochina”: o curioso e
genérico termo ocidental para designar tudo que estava “entre a Índia e a
China”, isto é, os atuais Laos, Camboja e Vietnã, à época diretamente
colonizados pelos franceses desde 1887. Após séculos de imperialismo nos quais
portos foram tomados e, lentamente, por meio de missões religiosas católicas,
os colonizadores foram avançando para o interior até que a dominação total pôde
ser estabelecida — em tempos nos quais os europeus partilhavam a África e a
Ásia de forma obstinada, cruel e racista.
Rio eu gosto de você
Entre
sua estadia na França em 1917, quando se une ao movimento socialista local, e
sua emigração de sua terra natal em 1911, por motivos de perseguição política
do aparato colonial, Ho viveu inúmeras aventuras pelo mundo, uma delas, digna
de nota: foi no nosso país, como narra Ariel Seleme, recorrendo a fontes da
Universidade de Hanói, que o jovem Nguyen encontrou uma realidade fervilhante,
ao ser abandonado no porto do Rio de Janeiro para morrer em terra depois de
contrair uma doença misteriosa no navio.
Em
1912, a escravidão já havia terminado, mas o Brasil testemunha a exclusão quase
total da população negra, a ausência de direitos trabalhistas, a decadência
silenciosa da República Velha e uma vida intensa. Com seus portos movimentados,
o Brasil recebe não apenas a cólera e outras epidemias, mas viajantes e
expatriados do mundo inteiro, trazendo novas ideias, cores e sons do país que
teima, apesar de sua oligarquia, em se desenvolver.
Ho
passa a trabalhar em um restaurante na Lapa enquanto mora em Santa Tereza e vai
ao porto com frequência para tentar encontrar um navio no qual possa embarcar,
encontrando o líder sindical pernambucano José Leandro da Silva, um cozinheiro
negro que atua no porto e confronta autoridades racistas, que ainda aplicavam
castigos da época da escravidão contra trabalhadores negros – havia dois anos
que a Revolta da Chibata tinha estourado no mesmo porto do Rio de Janeiro, com
marinheiros negros se rebelando contra oficiais brancos que os açoitavam.
A
luta de José Leandro foi narrada mais tarde por Ho no artigo “Solidariedade
Internacional” que ele escreve em 1921 – 9 anos após ter passado pelo Rio. No
artigo, ele conta como José Leandro liderou uma greve no porto com 2
reivindicações: jornada de trabalho de 8 horas e salários iguais entre negros e
brancos. Após jogar um policial no mar por não ter deixado ele entrar numa
embarcação para agitar os trabalhadores, José Leandro foi cercado por 10
policiais e levou 11 tiros, segundo o artigo de Ho. Na ambulância, mesmo
baleado, ele cantou a Internacional comunista. Mais tarde as autoridades
policiais tentaram incriminar José Leandro por um inocente morto no tiroteio,
mas um movimento de solidariedade articulado por trabalhadores e advogados
pressionou a corte para absolver o sindicalista. Por fim, José Leandro
conquistou a liberdade.
Impressionado
pelas belezas naturais do Rio, sua vida boêmia, Ho ficou assustado com cenário
de degradação social e efervescência trabalhista, onde uma espécie de
capitalismo periférico se cruzava com um passado escravagista bastante recente
e o socialismo adentrava aos portos junto com as novidades, inspirando um
pujante movimento sindical. Embora inspiradora, a passagem de Ho é curta, ele
se recupera e consegue um navio que o conduz a Boston nos Estados Unidos em
setembro ou outubro de 1912. A passagem pelo Rio, inclusive, inspirou o
documentário ficcional o Rio de Ho Chi Minh. Só depois, Ho finalmente se
estabelece em Paris, onde se uniu ao Partido Comunista Francês. Após a Primeira
Guerra Mundial, ele segue para a União Soviética e de lá inicia sua trajetória
para retornar ao Vietnã e travar a luta anti-imperialista pela independência do
país.
Nasce Ho
A
transformação de Nguyễn Sinh Cung em Ho
Chi Minh – “aquele que ilumina” – não ocorreu de repente, nem foi um processo
meramente pessoal: ela foi parte da própria transformação do jovem Ho e a luta
revolucionária que também libertou o Vietnã moderno. Ho criou o Vietnã, mas o
Vietnã criou Ho antes. E se havia algum lado bom de ter nascido em meio ao
flagelo colonial, era ter acesso ao mundo pelas rotas de navegação.
Figura
icônica, Ho lutou e venceu os imperialismos de França, Japão e Estados Unidos,
deixando as sementes que permitiriam seu povo garantir a autonomia face aos
chineses no fim dos anos 1970, quando resistiu e derrotou o regime bárbaro do
Camboja, o Khmer Vermelho.
Enquanto
os direitos civis da população negra nos Estados Unidos tinham acabado de ser
conquistados à base de muita luta, a classe trabalhadora norte-americana se
levantava contra o fato de seus filhos serem mandados para matar e morrer do
outro lado do mundo – em uma guerra neocolonial que, como toda guerra colonial,
serve apenas e tão somente aos poderosos do país imperialista.
Ironicamente,
durante a Segunda Grande Guerra Mundial, Ho enfrentou os japoneses que ocuparam
a Indochina, tomando-a da França, sendo, em tese, aliado de ambos. Os
guerrilheiros comunistas faziam parte dos Aliados, mas qual surpresa não foi
descobrir que após a derrota do inimigo japonês, os vencedores da guerra
pretendiam restaurar a ordem colonial em outros termos.
O
legado de luta de Ho nos ensina que a revolução é, necessariamente,
internacionalista, e que o internacionalismo não nega nem a necessidade de
autonomia nacional nem pode ser insensível aos perigos do imperialismo. É
preciso sempre se lembrar que o Vietnã libertado, após ter recebido mais bombas
que as forças do Eixo na Segunda Guerra Mundial, era a verdadeira imagem da
“terra arrasada” e hoje o país é uma economia pujante e modelo global de
combate à pandemia de Covid-19. Embora certamente falte muito trabalho para construir
um socialismo efetivo, a experiência dos vietcongs, nas condições absolutamente
adversas que tiveram de encarar, não pode jamais ser menosprezada e deve ser
sempre lembrada que a vitória socialista não é uma questão utópica. Mas uma
realidade concreta e possível.
Nenhum comentário:
Postar um comentário