sexta-feira, 10 de julho de 2020

A CRISE DA IDIOCRACIA. Por Raphael Silva Fagundes

É lógico que chamar alguém de idiota, imbecil, estúpido etc, é de uma brutalidade absurda. Parece soberba e superioridade. Mas quando se promove um código binário no qual a ciência e a intelectualidade são vistas como incompetentes, não há como deixar de associar os detratores do conhecimento criterioso com a burrice apresentada pela soberba da ignorância.

A guerra contra a intelectualidade sempre foi uma bandeira dos conservadores, desde quando a palavra intelectual surgiu como um adjetivo no caso Dreyfus em 1898. A partir desse momento, indivíduos dedicados às letras, artes e ciências passaram a lutar pelas causas civis.

Os conservadores norte-americanos, defensores do racismo, da submissão feminina etc, sempre viram os intelectuais como um problema. As principais marcas desse reacionarismo estão expressas nos governos do macartismo e dos anos 1980 com a administração Reagan, na qual Hollywood adorava retratar o homem branco imbecil (Rambo e Rocky) que resolvia os problemas da sociedade. (1).

No Brasil, não é necessário mencionar a caça aos intelectuais no período da ditadura civil-militar, pois é de conhecimento de todos. Seria muito mais interessante observar o investimento do governo Bolsonaro, que idolatra o regime civil-militar, nesse projeto idiocrático. Não por acaso, a pasta da Educação foi a que mais sofreu mudanças ao longo de seu um ano e meio de governo. Vamos para o quarto ministro. Apenas uma das 20 metas traçadas para a Educação foi atingida.

A pandemia de Covid-19 revelou o que todos já sabiam: o desgosto do presidente pela ciência. Bolsonaro desqualifica a opinião de médicos e de cientistas, anda por aí sem máscara e ainda insiste na cloroquina, medicamento considerado ineficaz pela maior parte da comunidade médica.

O interesse dos conservadores de destruir a educação, de atacar os intelectuais e a ciência não passa de um projeto de poder para ampliar sua base eleitoral que se forma por meio de fake news e da eloquência truculenta do presidente.

Sem o acesso à produção intelectual e o discurso científico é formado o analfabeto político. “O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política”, nos disse Bertolt Brecht.

O analfabeto político é uma presa fácil para as fake news, que os alfabetiza através da farsa. São ideias simples, muito mais simples que o pensamento científico ou intelectual. As pessoas se sentem mais confortáveis acreditando que tudo é simples. Para elas o pensamento científico é mais manipulável que uma fake news, pois não entendem o primeiro. Já o segundo conseguem sentir, manusear, o que possibilita a crença e a propagação.

O objetivo de substituir o conhecimento científico pelo proferido pelas fake news é um projeto conservador de longa data, não foi a internet que propiciou esse projeto. Ele é um clássico na atuação conservadora ao longo do século XX.

Até meados do século XX, os conservadores tinham a ciência ao seu lado, visto as teorias eugenistas. Hitler e os conservadores norte-americanos se basearam nos discursos pseudocientíficos forjados no século, que legitimavam a superioridade do homem branco.

Esse pensamento científico caiu por terra e os conservadores perderam as bases para legitimar a hierarquia social que defendem até hoje. No pós-guerra, diversos movimentos vieram à tona para mostrar que a mulher é tão independente quanto o homem e que o negro nada se difere do homem branco, intelectualmente falando.

Os conservadores tiveram que se virar, principalmente com o discurso bélico e anti-intelectual massivamente destacado nos filmes hollywoodianos. Além disso, as fake news, como comunista come criancinhas, a ameaça comunista, conspirações soviéticas, marxismo cultural, politicamente correto etc, foram forjadas para alimentar o discurso conservador.

Não há nada de novo no que o governo Bolsonaro está fazendo. Pelo contrário, é uma cópia fajuta de modelos conservadores norte-americanos de outrora. O culto à ignorância é a sina desse sistema.

Ignorantes são aqueles que não procuram a sabedoria “porque acreditam que a possuem”. O “verdadeiro filósofo, amante da sabedoria, procura aproximar-se dela perseguindo-a durante toda sua vida”, diz o professor Nuccio Ordine. A sabedoria conservadora é forjada pela fake news e os que acreditam que a possuem, acreditam porque são convencidos por uma eloquência truculenta, que insere elementos religiosos e que representam uma seguridade em uma pós-modernidade marcada pela incerteza.

Gramsci dizia que todo ser humano é um intelectual em potencial, embora nem todos ajam como tal. Contudo, é também da natureza humana ser estúpido. O personagem do romance existencialista de Martin Page (Como me tornei estúpido), Antoine, acredita que a estupidez não está na coisa em si. Achar que alguém é estúpido dessa maneira seria um mero juízo de valor, um preconceito. A estupidez está na maneira de fazer as coisas ou de considerá-las.

Com as investigações contra o “gabinete do ódio” e no esquema das fake news, qual será o suporte ideológico para alfabetizar politicamente por meio da ignorância? Como as pessoas ludibriadas pela estupidez vão fazer coisas idiotas e considerar idiotamente coisas sem essa maneira estúpida que as fake news proporcionam? Como fazer com que elas se interessem por política de uma forma distorcida e falaciosa?

(1)KELLNER, D. A cultura da mídia. Bauru, Educa, 2001, p. 88.

https://revistaforum.com.br/colunistas/raphaelsilvafagundes/a-crise-da-idiocracia/

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