É
lógico que chamar alguém de idiota, imbecil, estúpido etc, é de uma brutalidade
absurda. Parece soberba e superioridade. Mas quando se promove um código
binário no qual a ciência e a intelectualidade são vistas como incompetentes,
não há como deixar de associar os detratores do conhecimento criterioso com a
burrice apresentada pela soberba da ignorância.
A
guerra contra a intelectualidade sempre foi uma bandeira dos conservadores,
desde quando a palavra intelectual surgiu como um adjetivo no caso Dreyfus em
1898. A partir desse momento, indivíduos dedicados às letras, artes e ciências
passaram a lutar pelas causas civis.
Os
conservadores norte-americanos, defensores do racismo, da submissão feminina
etc, sempre viram os intelectuais como um problema. As principais marcas desse
reacionarismo estão expressas nos governos do macartismo e dos anos 1980 com a
administração Reagan, na qual Hollywood adorava retratar o homem branco imbecil
(Rambo e Rocky) que resolvia os problemas da sociedade. (1).
No
Brasil, não é necessário mencionar a caça aos intelectuais no período da
ditadura civil-militar, pois é de conhecimento de todos. Seria muito mais
interessante observar o investimento do governo Bolsonaro, que idolatra o
regime civil-militar, nesse projeto idiocrático. Não por acaso, a pasta da
Educação foi a que mais sofreu mudanças ao longo de seu um ano e meio de
governo. Vamos para o quarto ministro. Apenas uma das 20 metas traçadas para a
Educação foi atingida.
A
pandemia de Covid-19 revelou o que todos já sabiam: o desgosto do presidente
pela ciência. Bolsonaro desqualifica a opinião de médicos e de cientistas, anda
por aí sem máscara e ainda insiste na cloroquina, medicamento considerado
ineficaz pela maior parte da comunidade médica.
O
interesse dos conservadores de destruir a educação, de atacar os intelectuais e
a ciência não passa de um projeto de poder para ampliar sua base eleitoral que
se forma por meio de fake news e da eloquência truculenta do presidente.
Sem
o acesso à produção intelectual e o discurso científico é formado o analfabeto
político. “O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito
dizendo que odeia a política”, nos disse Bertolt Brecht.
O
analfabeto político é uma presa fácil para as fake news, que os alfabetiza
através da farsa. São ideias simples, muito mais simples que o pensamento
científico ou intelectual. As pessoas se sentem mais confortáveis acreditando
que tudo é simples. Para elas o pensamento científico é mais manipulável que
uma fake news, pois não entendem o primeiro. Já o segundo conseguem sentir,
manusear, o que possibilita a crença e a propagação.
O
objetivo de substituir o conhecimento científico pelo proferido pelas fake news
é um projeto conservador de longa data, não foi a internet que propiciou esse
projeto. Ele é um clássico na atuação conservadora ao longo do século XX.
Até
meados do século XX, os conservadores tinham a ciência ao seu lado, visto as
teorias eugenistas. Hitler e os conservadores norte-americanos se basearam nos
discursos pseudocientíficos forjados no século, que legitimavam a superioridade
do homem branco.
Esse
pensamento científico caiu por terra e os conservadores perderam as bases para
legitimar a hierarquia social que defendem até hoje. No pós-guerra, diversos
movimentos vieram à tona para mostrar que a mulher é tão independente quanto o
homem e que o negro nada se difere do homem branco, intelectualmente falando.
Os
conservadores tiveram que se virar, principalmente com o discurso bélico e
anti-intelectual massivamente destacado nos filmes hollywoodianos. Além disso,
as fake news, como comunista come criancinhas, a ameaça comunista, conspirações
soviéticas, marxismo cultural, politicamente correto etc, foram forjadas para
alimentar o discurso conservador.
Não
há nada de novo no que o governo Bolsonaro está fazendo. Pelo contrário, é uma
cópia fajuta de modelos conservadores norte-americanos de outrora. O culto à
ignorância é a sina desse sistema.
Ignorantes
são aqueles que não procuram a sabedoria “porque acreditam que a possuem”. O
“verdadeiro filósofo, amante da sabedoria, procura aproximar-se dela
perseguindo-a durante toda sua vida”, diz o professor Nuccio Ordine. A
sabedoria conservadora é forjada pela fake news e os que acreditam que a
possuem, acreditam porque são convencidos por uma eloquência truculenta, que
insere elementos religiosos e que representam uma seguridade em uma pós-modernidade
marcada pela incerteza.
Gramsci
dizia que todo ser humano é um intelectual em potencial, embora nem todos ajam
como tal. Contudo, é também da natureza humana ser estúpido. O personagem do
romance existencialista de Martin Page (Como me tornei estúpido), Antoine,
acredita que a estupidez não está na coisa em si. Achar que alguém é estúpido
dessa maneira seria um mero juízo de valor, um preconceito. A estupidez está na
maneira de fazer as coisas ou de considerá-las.
Com
as investigações contra o “gabinete do ódio” e no esquema das fake news, qual
será o suporte ideológico para alfabetizar politicamente por meio da
ignorância? Como as pessoas ludibriadas pela estupidez vão fazer coisas idiotas
e considerar idiotamente coisas sem essa maneira estúpida que as fake news
proporcionam? Como fazer com que elas se interessem por política de uma forma
distorcida e falaciosa?
(1)KELLNER,
D. A cultura da mídia. Bauru, Educa, 2001, p. 88.
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