Hodiernamente muito utilizado, mas pouco compreendido, o
termo "Estado Democrático de Direito", encerra diversas
peculiaridades, o que dificulta ainda mais sua conceituação, sobretudo quando
estamos diante de uma pandemia denominada Covid-19.
A Carta Constituinte trata desse termo logo em seu
primeiro artigo, adjetivando a República Federativa do Brasil, bem como
consagra os princípios fundamentais como a soberania, cidadania, dignidade da
pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo
político.
O Estado Democrático de Direito, portanto, exige,
sobretudo em tempos de Covid-19, que seja regido pelo Direito e por normas
democráticas, haja vista que o povo escolhe os seus representantes, os quais
agem como mandatários daquele, porém esse poder delegado não é absoluto.
Nesse sentido leciona José Afonso da Silva, “a tarefa
fundamental do Estado Democrático de Direito consiste em superar as
desigualdades sociais e regionais e instaurar um regime democrático que realize
a justiça social”.[1]
Portanto, o Estado Democrático de Direito deve garantir a
dignidade e cidadania. Ou seja, a dignidade da pessoa humana e a cidadania
foram colocadas na esfera de fundamentos da República justamente para validar a
existência do Estado Democrático de Direito. A idéia central de dignidade da
pessoa humana, como uma proposição formada por vários conteúdos, dentre os
quais estão os chamados direitos individuais e os políticos, além dos direitos
sociais, culturais e econômicos.
Ora, nesse mesmo contexto precisamos entender com certa
reserva as decisões que são adotadas pelos Governantes, pois geralmente essas
mesmas pessoas, eleitas pelo povo, passam a legislar sem a devida competência
para o referido cargo, agindo de maneira proeminente, deixando de lado o Princípio
Constitucional que é o pilar-base da nossa conceituação jurídica.
Na situação pandêmica causada pela Covid-19, anote-se,
muitas vezes, sem a devida lógica jurídica, percebemos a obstrução desastrosa
da “liberdade de ir e vir”, ocasionando uma insegurança à população, pois não
respeita a competência.
II – CIDADANIA,
DIREITOS CIVIS E SOCIAIS
O termo cidadania foi forjado ao longo das lutas do povo
marcadas na história, trazendo em sua concepção um conjunto de valores
construídos a partir do surgimento da cultura de cada nação.
Certamente esse conceito está em processo de constante
evolução, tendo como base uma participação ativa da sociedade em seus diversos
formatos. Desta forma, cidadania é a ocorrência da conscientização de que o
Estado Democrático de Direito só existirá caso tenha como arrimo a Dignidade da
Pessoa Humana e os Direitos Humanos amplamente garantidos.
Os direitos civis referem-se às liberdades individuais,
como o direito de ir e vir, de dispor do próprio corpo, o direito à vida, à liberdade
de expressão, à propriedade, à igualdade perante a lei, a não ser julgado fora
de um processo regular, a não ter o lar violado.
Esse grupo de direitos tem por objetivo garantir que o
relacionamento entre as pessoas seja baseado na liberdade de escolha dos rumos
de sua própria vida — por exemplo, definir a profissão, o local de moradia, a
religião, a escola dos filhos, as viagens - e de ser respeitado. É preciso
ressaltar que liberdade de cada um não pode comprometer a liberdade do outro.
Ter os direitos civis garantidos, portanto, deveria
significar que todos fossem tratados em igualdade de condições perante as leis,
o Estado e em qualquer situação social, independentemente de raça, condição
econômica, religião, filiação, origem cultural, sexo, ou de opiniões e escolhas
relativas à vida privada.
Dessa forma, o exercício e a garantia dos direitos civis
não existem sem a tolerância e o convívio com os diferentes modos de ser,
sentir e agir. Se reivindicamos o direito às nossas liberdades individuais, assumimos
ao mesmo tempo o compromisso e a responsabilidade de zelar para que essas
liberdades existam para todos. Preocupar-se com a garantia dos direitos
significa tanto exercitá-los em nossa vida quanto construir no cotidiano
condições que permitam a sua ampla realização.
A condição fundamental para a garantia dos direitos civis
é de natureza social. Logo, se em uma sociedade determinados grupos ficam
excluídos desses direitos, essa desigualdade atinge não apenas as pessoas que
sofrem as violações, mas a todos, inclusive aqueles que têm seus direitos
garantidos. O nosso cotidiano está repleto de exemplos: cidadãos negros são
quase sempre considerados mais "suspeitos" do que os brancos no caso
de roubos.
Para que os direitos sociais sejam estendidos a todas as
pessoas, é preciso, em primeiro lugar, que todos já tenham o direito à vida
assegurado. Todas as coisas que possuímos, perdem valor quando a nossa vida
está ameaçada. Nenhum bem humano é superior à vida, que é o bem maior de
qualquer pessoa. Ao valorizar a minha vida e a do outro, estou valorizando a
humanidade. Mas, além de garantir a vida, há ainda que se viver com dignidade,
o que requer a satisfação das necessidades fundamentais.
Quando estamos diante de uma situação pandêmica como a
Covid-19, certamente passamos pelo enfrentamento de situações que colocam em
risco a própria situação do direito ao trabalho, pois precisamos, em alguns
casos, reinventar a maneira como o ser social irá desenvolver o seu labor e,
não longe disso temos as denominadas condições de trabalho adaptadas, como é o
caso do trabalho em casa, mais conhecida como “home office”.
III -
UNIVERSALIZAÇÃO E POSITIVAÇÃO PELAS DECLARAÇÕES DE DIREITOS
Com a promulgação da DUDH — Declaração Universal dos
Direitos Humanos (1948) em razão do período pós segunda guerra, situação que
deu margem ao surgimento de correntes que tratam da promoção do DIDH (Direito
Internacional dos Direitos Humanos), sendo essas correntes a universalista e a
relativista.
Para Humberto Lima de Lucena Filho, a idéia da corrente
universalista se debruça na incumbência de desafiar problemas locais ou em
escala regional sob a perspectiva da norma, que leva em conta a especificidade
de certos direitos como para elevá-los ao patamar de inerentes, indivisíveis e
interdependentes, irrenunciáveis, imprescritíveis e etc.
Não obstante, Norberto Bobbio aponta que a afirmação de
direitos do homem se seu em três fases, sendo que a última delas é a
universalidade, assinalando em que momento e qual o meio em que se iniciou o
processo de universalização.
Somente depois da Declaração Universal é que podemos ter a
certeza histórica de que a humanidade — toda a humanidade — partilha alguns
valores comuns; e podemos, finalmente, crer na universalidade dos valores, no
único sentido em que tal crença é historicamente legítima, ou seja, no sentido
em que universal significa não algo dado objetivamente, mas algo subjetivamente
acolhido pelo universo dos homens.
Quando a comunidade internacional reconhece a importância
da DUDH para o estabelecimento de um
mínimo de proteção a todo ser humano, através de cada Estado que a ratificou,
este não foi senão o primeiro passo do processo de sua universalização.
Assim, a universalização de direitos é o aspecto mais
complexo no que tange à outras questões que são discutidas sobre o tema.
A questão central pulsante diz respeito, dentre outras de
menor complexidade, à possibilidade de se estabelecer um padrão mínimo de
direitos aplicáveis a uma universalidade de sociedades marcadas por sensíveis
diferenças de ordem histórico-cultural, sob a alegação de que é necessária a
manutenção de um nível básico de respeito.
É a partir do idealismo da universalização trazido no bojo
da DUDH que surge a teoria do
relativismo cultural, abrindo um leque para discutir a necessidade da
relativização dos direitos humanos em contrapartida das facetas culturais que
problematizam a possibilidade de universalização dos direitos humanos.
O florescimento da teoria do relativismo cultural se dá em
meio á críticas pelas quais foi exposta a teoria universalista, tendo em vista
o questionamento suscitado pela doutrina internacional no sentido de serem ou
não os direitos trazidos pela DUDH realmente universais, em razão de os países
que votaram e participaram de sua redação serem em maioria, ocidentais.
Desta forma, o raciocínio dos relativistas baseia-se na
ideia de que os mandamentos da DUDH não são impostos, não sendo, portanto,
obrigatórios, em função do número pequeno de Estados que participaram da
elaboração do texto do citado documento.
Isto porque, a importância de entendimentos diversos como
que para agregar valor à corrente universalista, ou mesmo para mostrar pontos
em que esta teoria necessita de melhoria, a teoria relativista permite de forma
direta, a relativização de direitos básicos — que embora já sedimentados no
ocidente — sofrem as consequências da ingerência de uma teoria pouco possível
na prática, levando a graves violações de direitos que causam incontáveis
traumas àqueles que estão desprotegidos pela ordem internacional.
REFERÊNCIAS:
1) AGRA. Walber de Moura. Manual de Direito
Constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
2) ALVIM, J. E. Carreira Alvim; CABRAL, Luciana G.
Carreira Alvim Cabral. Nova execução de Título Extrajudicial. Comentários à Lei
11.382/06. 3ªed. Curitiba:Juruá, 2007.
3) ALVIM NETTO, José Manuel de Arruda. Tratado de direito
processual civil. 2ª ed., Vol 1, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990.
4) BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18ª
Ed. Brasil: Malheiros, 2006.
5) CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional.
6ª Ed. Coimbra: Almedina, 1995.
6) DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do
Estado. 20a ed. São Paulo: Saraiva, 1998.
7) BRASIL,Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília, 1988.
8) CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo
Caminho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
9) MARSHALL, Thomas Humphrey. Cidadania, classe social e
status. Rio de Janeiro. Zahar Editores,
1967.
10) GUERRA, Sidney. Direitos humanos: curso elementar. São
Paulo: Saraiva, 2013, p.286
11) BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico - Lições de
Filosofia do Direito, São Paulo, 1996, Ícone Editora.
[1] SILVA, José Afonso da. Curso Direito Constitucional
Positivo. São Paulo: Malheiros, 1994, p.110.
José Eduardo
Silverino Caetano é diretor do Departamento Jurídico do Ipem (Inmetro em SP),
advogado, sócio fundador da Caetano Advogados Associados. Mestre em Filosofia
do Direito — Unimes/Universidade Metropolitana de Santos, mestrando em Direito
Constitucional Processual Tributário (PUC-SP), pós- graduado em Direito
Internacional (University of Pennsylvania), pós-graduado em Direito
Internacional Europeu (Universidade de Coimbra), pós-graduado em Direito
Tributário (Ibet), especialista em Direito Urbanístico e o Meio Ambiente Urbano
(Instituto de Filosofia e Teologia Paulo 6º – Mogi das Cruzes-SP) e
especialista em Direito Tributário Internacional para o Mercosul (Universidade
Austral/Buenos).
Revista Consultor
Jurídico
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