No
dia 24 de abril último, o Presidente Jair Bolsonaro fez uma declaração pública
acompanhado de grande parte de seus ministros e ministras de Estado. Ele
procurou contextualizar e dar a sua versão sobre as denúncias feitas pelo até
então Ministro da Justiça. Sérgio Moro promoveu uma coletiva de imprensa na
manhã do mesmo dia, 24 de abril, em que acusou o Presidente, dentre outras
coisas, de objetivar interferir politicamente no comando da polícia federal de
forma que pudesse ter acesso privilegiado a inquéritos.
Jair
Bolsonaro reuniu então a imprensa e fez um discurso em que abordou as diversas
denúncias e insinuações feitas por Moro, além de discorrer sobre outros temas
que não tem ligação direta com a crise no Ministério da Justiça e Segurança
Pública. As questões que responderiam diretamente às declarações de Moro, foram
lidas em 3 páginas ao final do evento. Tais páginas foram precedidas de um
discurso improvisado.
Na
ocasião, o presidente realizou um “pequeno balanço” do governo, optando por
retomar diversos discursos e narrativas-chaves importantes para diversos
núcleos de apoiadores de seu governo, como por exemplo a questão da ideologia
de gênero, aborto e uma autoafirmada postura austera com recursos pessoais da
presidência.
Dentre
esses assuntos tangenciais, é possível observar um destaque dado a apenas um
ministro, além de Sérgio Moro. Também me chamou a atenção o fato de ter sido a
área desse ministro a única sobre a qual o presidente discorreu além do que não
estivesse vínculo com uma justificativa de atos tomados por ele. O ministro da
Educação, que não estava presente, foi citado como exemplo de quem mais
“apanha” no cumprimento da sua missão. Além da citação, houve o discorrimento
de um subdiscurso sobre a área da educação.
O discurso dentro do discurso
O
conteúdo do discurso é coerente com seus discursos anteriores, inclusive de
campanha e com o programa de governo, como se pode observar em um estudo
descritivo que publiquei recentemente. Porém, o lugar que esse subdiscurso teve
num evento em que nada poderia ser ligado à educação, é que chamou a minha
atenção, reforçando a ideia de que lutar a guerra cultural na educação é
central para Bolsonaro, constituindo-se um eixo estruturante de seu governo,
tão ou mais importante para ele do que outro assunto qualquer.
Abaixo segue a transcrição do
subdiscurso do Presidente a que nos referimos:
Aqui tem ministro que apanha todo dia, como
Abraham Weintraub, por exemplo, outros apanham também, mas esse é um exemplo,
luta contra uma doutrinação de décadas, onde vem mostrando que a educação do
Brasil nunca teve tão mal, não só as provas do pisa bem demonstram que estamos
em várias matérias último na América do Sul, em último no mundo, isso tem que
ser mudado, ele tenta e vem demonstrando com muito trabalho, que não vale,
senhores pais, senhoras mães, que seu filho tenha um pedaço de papel escrito
diploma, ele tem que exercer aquele ofício, o diploma hoje em dia passou a ser
apenas uma figura decorativa para alunos, ele tem que ser um bom profissional e
não um bom militante. (grifos nossos)
Os
grifos que fizemos apontam os pilares do discurso educacional de Bolsonaro,
expressão de um projeto que tem como principal objetivo destruir o que existe,
para, quem sabe, depois reconstruir seu projeto educacional sobre os escombros
do passado. Chamamos a atenção para o forte caráter crítico e negacionista,
estratégia eficaz para manter unidade entre as diversas colunas que lutam essa
guerra comandados pelo capitão. Falar sobre como a educação dever ser em uma
mesa com militares, olavistas e evangélicos, que se mantém na linha de frente,
e com neoliberais, que ficam na retaguarda, seria muito mais complexo e a
unidade seria praticamente impossível.
Pilares discursivos da guerra
cultural
O
primeiro pilar é a luta contra a doutrinação de décadas, que seria a
responsável-mor pelos pífios resultados acadêmicos da educação e,
principalmente, o elemento motivador para a realização da guerra cultural, a
qual se propõe libertadora de corações e mentes aprisionados pela doutrinação.
O
segundo pilar é a situação da educação brasileira, sobretudo a pública mantida
por estados e municípios, quase a totalidade das matrículas na rede básica. Ao
mesmo tempo que a situação da educação básica é sofrível e autoexplicativa, a
educação superior, embora de qualidade, está contemplada na guerra cultural
pelo pilar da luta contra a doutrinação.
Se
o primeiro pilar tem maior constituição teórica e depende de um grande esforço
discursivo e produção de provas, para ser levantado, o segundo pilar brota aos
olhos de qualquer um que já frequentou como aluno ou como trabalhador uma
escola pública. Esse problema, por óbvio, está nos sujeitos que capturaram a
educação brasileira e produziram a doutrinação, ou seja, a esquerda. O
imaginário popular e o senso comum, de que as escolas públicas antigamente eram
melhores, jogam a favor dessas correlações simplistas e conspiratórias.
O
terceiro pilar, expresso pela frase “(…) o diploma hoje em dia passou a ser
apenas uma figura decorativa (…)”, dá conta de sustentar a crítica ao projeto
educacional empreendido pelos governos Lula e Dilma, com ampliação de vagas na
educação técnica, tecnológica e profissional e na educação superior
principalmente, mas também à massificação da escola básica realizada por
Fernando Henrique Cardoso entre 1995 e 2002. Essa ligação é importante pois,
para Bolsonaro e seus aliados, não há diferença entre os governos FHC, Lula e
Dilma, aliás, tudo que veio após a ditadura militar, é considerado um mesmo
processo político-ideológico comandado pelas esquerdas que eles chamam de
“gramscista”, e uma alusão às teorias políticas de Antonio Gramsci sobre o
Estado e sobre a revolução.
Ainda
há um grifo que não considero um pilar, porém é um elemento muito importante da
conjuntura. Trata-se do elogio rasgado ao ministro da Educação, o qual tem sua
cabeça colocada a prêmio, no sentido figurado (sic!), pela oposição, sobretudo
aquela vinculada à educação. Ao citar e reconhecer a gestão de Weintraub, mesmo
ele não estando presente, Bolsonaro indica que esse ministro pode ser aquele
que vai apagar a luz no fim do governo, seja o fim quando for.
Considerações finais
Em
meio à pandemia ele poderia ter falado da saúde, ou da economia, temas de
elevadíssimo interesse público imediato. Porém ele optou por falar da Educação!
Essa escolha, somada aos pilares e ao elemento que apontamos, em nosso
entendimento, implicam no posicionamento da educação como eixo central da
guerra cultura empreendida por Bolsonaro e seus aliados.
Compreender
a centralidade da Educação no contexto da guerra cultural brasileira é
importante não só para travar o combate imediato, mas também o combate
permanente, aquele que se dá imediatamente após a recuperação de territórios
ocupados. É preciso atingir o coração desse sistema que pretende retomar a
sociedade a patamares medievais, pois é esse sistema que mantém as várias
chamas, das várias colunas dessa guerra acesa, identificando inimigos comuns,
mobilizando emocionalmente a militância e justificando medidas extremas,
condenáveis em “tempos de paz”.
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