Fake news, difundido por milícias digitais para criar e
favorecer golpes de Estado. Manipulação de eleições, com tecnologia Cambridge
Analytica. Em cinco anos, conservadores dominaram disputa na internet. É hora
de um contra-ataque.
Javier Toret em entrevista para o La Marea, traduzido pela
Rede Brasil Atual
Javier Toret foi uma das poucas pessoas que durante os
primeiros meses de 2011 estava trabalhando para tornar possível o 15-M. Esse
ativista de Málaga, formado em psicologia e especializado em um campo no qual
emoções, filosofia, política e tecnologia se cruzam, foi responsável pelas
contas das redes do Democracia Real Ya, que canalizaram a indignação para as
praças do Estado espanhol.
Em 2015, publicou o livro Tecnopolítica y 15M, com
prefácio do atual ministro das Universidades da Espanha, Manuel Castells, de
cujo grupo de pesquisa acadêmica Toret faz parte. Ele coordenou a estratégia
digital das campanhas eleitorais de Ada Colau e da coligação Barcelona em Comum
em 2015 e 2019. Mas, acima de tudo, é especialista nas mobilizações que têm
abalado boa parte do globo desde 2010, tendo viajado e presenciado muitas
delas, além de ter mantido diálogo com ativistas, o que lhe permite chamar tais
manifestações de “revoltas interconectadas”: Primavera Árabe, Occupy Wall
Street, Yo Soy 132 do México, Jornadas de Junho no Brasil em 2013, e os
protestos de Hong Kong de 2014, que foram reativados em 2019. O La Marea
conversou com ele em Barcelona antes de Toret se dirigir a uma conferência
sobre os protestos no Chile.
Você começou como
hacktivista na Indymedia, o primeiro espaço aberto para publicação na web,
anunciado nos protestos antiglobalização de Seattle em 1999.
Abrimos a Rede 2.0. porque até aquele momento não era
possível publicar online . Então, os desenvolvedores do Indymedia criaram o
Flickr, o Twitter … O sistema captura as inovações que nascem como maneiras de
conectar corpos e cérebros para que uma multidão tenha um certo comportamento
político. Ou seja, a tecnopolítica consiste nessas inovações e no uso tático e
estratégico de ferramentas digitais para a ação coletiva.
No ciclo que ocorreu entre 2010 e 2017, fomos confrontados
com o que chamamos de sistema multicamadas: uma luta para modificar a mente das
pessoas, que é a camada das ruas; a camada de mídia, a mais vertical, e a das
redes. No 15-M, concentramos todas as energias na camada das redes, que jogamos
nas ruas e forçamos a mídia a falar sobre isso.
Qual é a ligação
entre esse ciclo e a atual onda de revoltas?
Ainda não tenho dados científicos e não gosto de fazer
análises gratuitas, mas é claro que há uma crise geral do sistema
representativo democrático porque grande parte da população não sente que este
satisfaça suas necessidades, e ao mesmo tempo a desigualdade aumenta, o que
causa aversão. Mas não vejo paralelos entre o que acontece em Hong Kong e no
Chile, ou entre o Equador e a Catalunha, por exemplo.
Há outro elemento fundamental: a extrema direita construiu
a melhor tecnologia ou máquinas de guerra digitais, a tecnopolítica do 1%. O
melhor exemplo é o Cambridge Analytica, montado por Robert Mercer e Steve
Bannon, o famoso estrategista de Trump. No ciclo anterior de protestos, a
hegemonia nas redes era do Occupy, do 15-M … Até a mídia teve que se adaptar a
essa nova cultura política. A evolução de La Sexta, por exemplo, não é
compreendida sem o 15-M.
Nossas estratégias eram lançar hashtags para conseguir
lugar nos trending topics, criar vídeos virais, convocar ações, gravar
streamings para nos defender da repressão. A direita estava perdida nesse
período, mas passa a investir milhões de dólares e se especializa na mineração
de dados, no Big Data aplicado a diferentes ramos do conhecimento. A Cambridge
Analytica começou com 15 milhões de dólares, roubou 50 milhões de perfis no
Facebook e estimavam ter um perfil de cada cidadão/cidadã porque se baseavam na
psicometria, na análise estatística da personalidade, para os quais desenvolvem
campanhas muito personalizadas destinadas a radicalizar os já convencidos e
mobilizar os que estão em dúvida.
Eles têm uma propaganda sofisticada em um nível
desconhecido e sem limites éticos, jogando sujo como no roubo de dados.
Ferramentas como as da Cambridge Analytica fazem parte das máquinas de guerra
digital da extrema direita, que as utilizam nas eleições, mas também em golpes
de Estado como o da Bolívia. O conceito de guerras híbridas, que explica a
estratégia militar dos EUA, reúne muitas das características que vimos nesse
cenário: forças não convencionais externas, como exércitos de bots, os mesmos
que são usados em campanhas eleitorais tanto para amedrontar os adversários
como para legitimar um golpe por meio de mil robôs comandados de uma praia de
outro continente, dizendo que Morales é um traidor.
E depois há as fake news, que são apenas mais uma parte da
estratégia. É como se tivessem tomado nota do ciclo anterior e se voltado para
a pesquisa e desenvolvimento da política, com orçamento ilimitado e sem limites
éticos. É uma indústria que visa a intoxicação da esfera pública, desmoraliza o
inimigo, radicaliza os apoiadores e, o mais importante, trabalha o
convencimento dos indecisos. São técnicas muito precisas e difíceis de
combater, porque com dinheiro e robôs são capazes de fazer parecer que há um
movimento real que está insultando, confrontando … Mas não é uma estratégia
invencível, por exemplo, no México, não venceu.
Que ferramenta você
acha mais marcante na nova onda de protestos?
A presença de lasers é muito interessante. No Chile, um
grupo de pessoas derrubou um drone com eles. Mas, sem dúvida, o mais poderoso
tem sido Un violador en tu camino, como performance feminista, viral e global.
Geralmente, há ressonância entre um protesto e outro porque as pessoas olham
entre si. No ciclo iniciado em 2010, havia uma grande convocatória como a do 15-M
ou algo acontecia que desencadeava um protesto e uma consequente repressão.
Agora, é como se a energia, as emoções, e a frustração estivessem sendo
carregadas e algo as desencadeasse. Como no Chile, em que o aumento da passagem
do metrô faz explodir a frustração reprimida por décadas. Trata-se de saber
como dinamitar o momento, impactando emocionalmente as pessoas que estão por
trás de seus computadores.
Existe um problema na esquerda em geral, e isto vem de
movimentos como o 15-M, que não investiram nada na pesquisa da tecnopolítica,
enquanto a extrema direita investiu tudo. Mesmo assim, temos as pessoas, a
inteligência, e precisamos continuar tentando entender os algoritmos, fazer
campanhas inovadoras que ninguém espera, mobilizar nossa comunidade.
Mas a batalha é
muito desigual …
Você precisa entender que, para ganhar de Trump, por
exemplo, você precisa ganhar a parte digital. Os partidos de centro desapareceram
e se você não tiver capacidade de interferir na esfera midiática ou na esfera
digital, não terá nada. Na Espanha, muitas das pessoas poderosas da internet
entraram no municipalismo, outras no Podemos e são necessárias novas gerações
para entrar em uma batalha que é mais ampla: ela se dá no campo jurídico em
prol das liberdades na internet, no desenvolvimento de softwares para as
batalhas políticas de comunicação e redes, pela infraestrutura pública, participação
digital em governos …
Quais chaves você
identifica para 2020?
Os atores transnacionais mais importantes são o movimento
feminista e ambiental, que vão crescer e radicalizar. Continuaremos vendo
insurreições, mas também processos desestabilizadores da direita, como o da
Bolívia. O Brasil é um país no qual não se sabe o que pode acontecer. A
situação é bastante dramática, um dos cenários mais negativos desde a Segunda
Guerra Mundial, mas vamos pensar que, por exemplo, em Barcelona vivemos em uma
cidade governada por um prefeito ativista, bissexual e da classe trabalhadora …
Dentro do contexto, a situação na Espanha é boa.
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