Em
entrevista ao jornal El Pais nesta terça-feira (7/1), o ministro Ricardo
Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, saiu em defesa da posição garantista
e ressaltou o dever do Judiciário aplicar a lei sem olhar o jornal ou a rede
social. O julgador não se furtou em ser enfático: “O combate à corrupção no
Brasil sempre foi um mote para permitir retrocessos”.
Lewandowski
criticou o modo como o STF se paralisou para julgar o "mensalão", as
atuais operações de Ministério Público e Polícia Federal, o excesso de prisões,
e afirma que vê como equivocada a sensação de que a "lava jato" mudou
o paradigma de que só pobre são presos.
Abaixo,
alguns trechos da entrevista. O texto completo pode ser lido no site do El Pais.
Combate à corrupção
"O
combate à corrupção é necessário. Todos nós queremos combater a corrupção. Mas,
infelizmente, no Brasil, o combate à corrupção sempre foi um mote para permitir
que se promovessem retrocessos institucionais. Foi assim na época do suicídio
de Getúlio Vargas, foi assim em 64. É uma visão moralista política do combate à
corrupção, a meu ver, absolutamente deletéria. O combate à corrupção tem que
ser feito diuturnamente, permanentemente, mas existem outros males igualmente
graves no Brasil: a má distribuição de renda, a exclusão social, o sucateamento
da educação, a precarização da saúde pública. São males que equivalem, se não
são superiores, ao mal da corrupção."
Garantismo
"Eu
sempre tive uma posição extremamente garantista, no sentido de respeitar o
devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. Desde aquela época [do
Mensalão] sempre fiquei muito exposto, mas essa exposição e essa pressão não
tiveram o condão de fazer com que eu me afastasse um milímetro sequer das
minhas convicções."
"Lava jato" mudou
paradigma?
"Dos
800.000 presos hoje no Brasil, eu diria que 99,9% são pessoas das camadas
sociais mais baixas, os hipossuficientes, os pobres, sobretudo da população
negra. Essa ideia de que agora os ricos, os poderosos, estão sendo presos não
me parece que corresponde à realidade. A verdade é que as operações foram
extremamente seletivas, elas não foram democráticas no sentido de pegar os
oligarcas de maneira ampla e abrangente. Por isso é preciso ter muito cuidado
quando se quer fragilizar os direitos e garantias do cidadão em juízo, dentro
de um contexto politicamente matizado."
Opinião pública
"Eu
tenho minhas dúvidas em falar que a sociedade quer isto ou aquilo. Na verdade,
a sociedade é muito influenciada pela mídia, que tem preferências relativas a
determinadas políticas e soluções, até mesmo as judiciais. Isso, a meu ver,
contamina a opinião pública. É difícil separar o que é opinião pública e o que
é opinião publicada."
Julgamento Mensalão
"Se
olharmos retrospectivamente, causa no mínimo uma estranheza, uma perplexidade,
que as atividades do Supremo Tribunal Federal ficassem paradas durante seis
meses para julgar um processo. O trabalho das turmas foi paralisado. Os Habeas
Corpus deixaram de ser julgados para que fosse apreciado apenas o Mensalão. Só
isso já é algo a ser examinado pelos futuros historiadores. Há muitas questões
que podem ser eventualmente discutidas. Por exemplo, a exacerbação das penas
foi algo que aconteceu, a meu ver, pela primeira vez no STF e na história do
Judiciário. A aplicação da teoria alemã do domínio de fato de forma muito ampla
foi, inclusive, criticada por Claus Roxin, um dos principais elaboradores dessa
teoria, em visita ao Brasil. Outra questão é o fato de o processo ter sido
fatiado e julgado segundo a ótica do Ministério Público. São várias questões
que precisam no futuro ser mais bem avaliadas, sopesadas."
Desmandos da "lava jato"
"O
Supremo já corrigiu certos desmandos que ocorreram, não só no âmbito da
operação Lava Jato, mas também em outros juízos, de 1º e 2º graus. Por exemplo,
a condução coercitiva, largamente praticada no âmbito da Lava Jato, foi
considerada inconstitucional. Denúncias e condenações que foram feitas com base
só em delações premiadas, o STF disse que são nulas — é preciso haver uma outra
prova além daquela informação prestada pelo delator que tem interesse em se
beneficiar. O STF fez várias correções no que diz respeito ao devido processo
legal. Por exemplo, ainda no caso da delação premiada, dizer que os delatados
precisam necessariamente falar por último. "
Motim de juízes
"Acho
absolutamente inconcebível que juízes de 1ª ou 2ª instância se manifestem
publicamente ou se insurjam contra decisões da Suprema Corte do país. Isso é
anomia pura. Mal sabem eles que no momento em que descumprirem uma orientação
da Suprema Corte, os juízes de 1º grau também descumprirão as decisões da
segunda instância."
Juiz
de garantias
"É
um avanço extraordinário."
Revista
Consultor Jurídico
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