Produto
muito vendido de maneira ilegal para matar ratos em várias cidades, o
“chumbinho” está em muitos dos alimentos consumidos pelos brasileiros. Resíduos
de carbofurano e terbufós – substâncias muito usadas na produção desses
raticidas ingeridos até por humanos, em desesperado ato suicida – foram
encontrados em amostras analisadas no Programa de Análise de Resíduos de
Agrotóxicos em Alimentos (Para), divulgado na última quarta (11) pela Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Proibido
pela Anvisa em 18 de outubro de 2017 por causar danos ao sistema nervoso, como
a morte de neurônios e suas consequências, o carbofurano está entre os
agrotóxicos mais detectados em amostras de alface, laranja, goiaba, uva,
chuchu, pimentão e batata doce. De acordo com o relatório do PARA, a presença
da substância pode ser decorrente de aplicações de carbossulfano, que se
converte em carbofurano. O uso do carbossulfano é proibido nas culturas de
citros, arroz, batata, coco, feijão, mamão, manga, tomate, trigo e uva devido a
potenciais riscos à saúde da população.
O
terbufós foi encontrado em amostras de alface, cenoura, pimentão e tomate. Mas
o agrotóxico é muito usado como inseticida em lavouras de banana, café, cana e
milho. Segundo a bula do produto, causa intoxicações manifestadas por tremores
e câimbras, hipertensão arterial, fibrilação muscular e flacidez, eventualmente
morte por parada respiratória. Entre os efeitos mais comuns sobre o sistema
nervoso central estão a ansiedade, dor de cabeça, perda de memória, tremores,
convulsões e eventualmente paralisia do aparelho respiratório, que pode leva à
morte.
“Na
prática, pode-se dizer que o brasileiro está sendo cronicamente contaminado por
‘chumbinho’. Coisa que o relatório da Anvisa parece tratar como irrelevante, e
claramente não é”, aponta Marcos Pedlowski,
professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) e
colaborador do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais da
Universidade de Lisboa. Entre outras coisas, ele tem se dedicado a mapear as
liberações de agrotóxicos pelo governo Jair Bolsonaro em menos de um ano: até o
final de novembro já somavam 467.
Omissão
Segundo
observa Pedlowski, as amostras analisadas pelo Para foram coletadas em apenas
77 municípios brasileiros. E o estado do Paraná , um dos campeões de uso de
agrotóxicos no Brasil, não cedeu sequer uma amostra porque se retirou do Para
em 2016.
Há
outros problemas, segundo ele: o relatório omite informações sobre os limites
aceitáveis de resíduos que são praticados no Brasil em relação, por exemplo, à
União Europeia (UE). “Como já foi demonstrado pela geógrafa Larissa Bombardi em
seu “Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia,
os limites brasileiros são muito mais ‘generosos’ para uma série de agrotóxicos
que já foram banidos na UE por estarem associados a uma série de doenças
graves, incluindo o câncer”.
Da
mesma maneira, despertou atenção que dos 20 agrotóxicos mais detectados na
análise, seis estão banidos na UE, como o Carbendazim e o Acefato –o terceiro e o sétimo, respectivamente, mais
detectados.
“Um
aspecto que ainda deverá ser analisado é a negligência óbvia sobre a saúde dos
trabalhadores rurais e de todos que entrem em contato direto e indireto com
esse número aumentado de substâncias altamente tóxicas que estão sendo
colocadas no mercado brasileiro. E há que se frisar que isto ocorre para
atender as necessidades dos grandes latifundiários que hoje controlam a
exportação das commodities onde está fortemente concentrado o uso dessas
substâncias”, ressaltou Pedlowski. “Os problemas causados pela contaminação
ambiental e humana decorrente da transformação do Brasil em uma espécie de
piscina tóxica deverão ser sentidos nas próximos anos e décadas, visto que
muitos dos produtos que estão sendo liberados ou possuem alta persistência ou
geram metabólitos ainda mais tóxicos do que o produto ativo original quando são
rapidamente degradados no ambiente.”
Distorções
Dirigente
da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) e integrante da Campanha
Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, o agrônomo Leonardo Melgarejo
lamentou que, após três anos, a Anvisa venha divulgar “informações distorcidas
em relação aos próprios achados” nas análises de arroz, laranja, tomate,
cenoura, manga, abacaxi, alface, batata doce, manga, uva, goiaba, alho,
beterraba e pimentão.
“A
agência afirma que dos produtos avaliados, 49% não contêm resíduos de
agrotóxicos. Portanto, seriam seguros. Mas afirma que em 23% – quase ¼ deles –
o número de irregularidades, como a presença de resíduos acima do limite, não
seria tão relevante assim. Porém, está falando de segurança a partir de 270
agrotóxicos avaliados, sendo que há no Brasil mais de 500 ingredientes ativos”,
afirmou.
Segundo
ele, a Anvisa omite “o fato de ter encontrado um número 17% maior de amostras
irregulares do que na realizada antes do golpe de 2016”. “E esconde que nesse
período aumentou o número de registro de intoxicações por agrotóxicos no Brasil
segundo o Ministério da Saúde. E disse que encontrou apenas 1% de alimentos que
poderiam causar intoxicação aguda – que pode causar da diarreia à morte. Pouco
relevante desde que nossa família não estivesse incluída nesse percentual”.
Melgarejo
criticou ainda a recomendação da Anvisa quanto à lavagem dos alimentos, como se
fosse possível retirar o resíduos e resolver o problema. “E desconsidera o fato
de que devemos nos preocupar com o consumo a longo prazo. Nega que haja
intoxicação crônica em pessoas com mais de dez anos. Não sabemos como a agência
consegue chegar a essas conclusões. Precisamos de agroecologia, evitar o
contato, a exposição e proteger os órgãos de comunicação que trazem alerta
sobre os riscos que estamos todos submetidos”.
Ontem,
a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida divulgou nota sobre o
relatório da Anvisa, em que critica o tom da publicação, em que os alimentos
vegetais são considerados seguros, e que abusa de frases de efeito, como “Os
resultados não apontaram um potencial risco crônico para o consumidor“, ou “As inconformidades não implicam,
necessariamente, risco ao consumidor”.
Para a campanha, “o tom foi de uma peça de propaganda política para um relatório
que, lido atentamente, traz grandes preocupações para a sociedade”.
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