Tão
importante quanto reconhecer os direitos dos povos indígenas como primeiros
habitantes do Brasil, a Constituição de 1988, indigenista, abandona o conceito
assimilacionista, expresso nas Constituições anteriores e no próprio Estatuto
do Índio
Davi
Kopenawa, o grande líder Yanomami, companheiro de luta de Chico Mendes na
criação da Aliança dos Povos da Floresta, nos anos 1980, hoje ele mesmo ameaçado de morte pelas mesmas razões porque
assassinaram Chico Mendes – a defesa da Amazônia e dos povos que nela e dela
vivem, definiu o presidente da República com uma única palavra: xauara. Para Davi,
o presidente é isso, um xauara, uma pessoa “de pensamento doente”.
Para
além da promessa de campanha de que em seu governo “índio não terá um
centímetro de terra”, sob a alegação, amplamente expressada nos meios de
comunicação nacionais, repercutidos a nível global, de que no Brasil “tem muita
terra para pouco índio”, ou de que “índio atravanca o desenvolvimento”, só
mesmo um xauara para ignorar, pública e ostensivamente, os direitos de nossos
povos originários, garantidos pela Constituição de 1988.
Os
Direitos Constitucionais dos povos indígenas estão definidos em um capítulo
específico da Constituição Cidadã de 1988 – título VIII, “Da Ordem Social”,
Capítulo VIII, denominado “Dos Índios”, além de outros dispositivos dispersos
ao longo do texto e de um artigo do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias. Ao contrário do que prega o desatino de um presidente-xauara, a
Carta de 1988 define os direitos dos povos indígenas enquanto direitos
originários.
Tão
importante quanto reconhecer os direitos dos povos indígenas como primeiros habitantes
do Brasil, a Constituição de 1988, indigenista, abandona o conceito
assimilacionista, expresso nas Constituições anteriores e no próprio Estatuto
do Índio (Lei No 6.001 de 19 de dezembro de 1973) que reconheciam os povos
indígenas como categoria social transitória, a eles garantindo o direito à
diferença, à terra, ao seu modo de vida e a permanecerem como indígenas por
tempo indefinido.
DIREITO À DIFERENÇA
Queira
o capitão ou não, o artigo 231 da Constituição Federal reza que: “São
reconhecidos aos índios sua organização social, línguas, costumes, crença e
tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente
ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os
seus bens”.
E
em seu artigo 210, parágrafo 2º, a Carta de 1988 assegura aos povos indígenas
não somente a utilização de suas próprias línguas, mas também o respeito aos
seus processos de aprendizagem concretizados, ao longo das últimas três
décadas, nos processos da educação escolar indígena.
Constitucionalmente,
desde 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Carta Magna, os povos
indígenas, suas comunidades e organizações, assim como qualquer outra pessoa
física ou jurídica no Brasil, têm legitimidade para ingressar em juízo em
defesa de seus direitos.
DIREITO À TERRA
A
Constituição vigente no Brasil estabelece que os direitos dos povos indígenas
sobre as terras que eles tradicionalmente ocupam são de natureza originária,
portanto anteriores à formação do próprio Estado brasileiro, portanto existem
independente de qualquer arroubo xauara que porventura tente impedir seu
reconhecimento oficial.
Assim
sendo, a demarcação das Terras Indígenas, fruto do reconhecimento feito pelo
Estado, é ato meramente declaratório, cabendo à União a obrigação de proteger
as Terras Indígenas, uma vez que Constituição de 1988 estabelece:
Art.
20, inciso XI: Incluem-se dentre os bens da União.
Art.
176, § 1: É necessária lei ordinária que fixe as condições específicas para
exploração mineral e de recursos hídricos nas Terras Indígenas.
Art.
231, § 1: São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles
habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas,
as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar
e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos,
costumes e tradições.
Art.
231, § 2: São destinadas à posse permanente por parte dos índios. Apenas os
índios podem usufruir das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
Art.
231 § 3, Art. 49, inciso XVI: O aproveitamento dos seus recursos hídricos, aí
incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas
minerais, só pode ser efetivado com a autorização do Congresso Nacional,
ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada a participação nos
resultados da lavra.
Art.
231, § 4: As Terras Indígenas são inalienáveis e indisponíveis, e o direito
sobre elas é imprescritível.
Art.
231, § 5: É vedado remover os índios de suas terras, salvo casos excepcionais e
temporários.
Art.
231, § 6: São nulos e extintos todos os atos jurídicos que afetem essa posse,
salvo relevante interesse público da União.
DIREITO À TERRA NAS
CONSTITUIÇÕES ANTERIORES
Exceto
pela Constituição de 1891, todas as nossas Constituições republicanas
reconheceram aos povos indígenas direitos sobre seus territórios:
Constituição
de 1934 – Art. 129: Será respeitada a posse de silvícolas que nelas se achem
permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las.
Constituição
de 1937 – Art. 154: Será respeitada aos silvícolas a posse das terras em que se
achem localizados em caráter permanente, sendo-lhes, no entanto, vedado
aliená-las.
Constituição
de 1946 – Art. 216: Será respeitada aos silvícolas a posse das terras onde se
achem permanentemente localizados, com a condição de não a transferirem.
Constituição
de 1967 – Art. 186: É assegurada aos silvícolas a posse permanente das terras
que habitam e reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo dos recursos
naturais e de todas as utilidades nelas existentes.
Emenda
Constitucional número 1/1969 – Art. 198: As terras habitadas pelos silvícolas
são inalienáveis nos termos em que a lei federal determinar, a elas cabendo a
sua posse permanente e ficando reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo
das riquezas e de todas as utilidades existentes.
Infelizmente,
o prazo estabelecido nas Disposições Transitórias, de cinco anos para que todas
as Terras Indígenas fossem demarcadas, não foi cumprido. Agora, com a chegada
do capitão xauara ao poder, o direito constitucional duramente conquistado
pelos povos indígenas do Brasil encontra-se terrivelmente ameaçado.
Publicado
originalmente no site Xapuri Socioambiental
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