Pensar criticamente significa iluminar a trilha do pensar
em meio aos preconceitos, às opiniões não examinadas, e às crenças. Nem
dogmático nem cético, o pensamento crítico corresponde à modéstia destruidora
que questiona as possibilidades e os limites do próprio pensar.
Diversas são as considerações sobre as características
fundamentais do pensamento crítico; nós nos permitimos elencar, antes de tudo,
a reflexão sobre o próprio pensar, após o pensamento modesto e, finalmente, a
popularização do pensar filosófico, por si só questionador.
Dado que o ser humano como tal só existe na comunicação e
na consciência dos outros, devemos compartir para aprender, escolhendo nossas
companhias. E se essa escolha significa escolher determinados pensadores ou
certos companheiros de jornada, o seu objetivo deverá ser a busca de um caminho
próprio, que será sempre somente nosso, aberto para as questões do presente! De
modo que os pensadores escolhidos se tornem contemporâneos e não o contrário.
O Passado possui suas luzes e trevas, mas somente o
Presente é vida e é nele que devemos aspirar viver a liberdade!
Acontece que ao pensarmos criticamente a verdade deixa de
ser una e estática ou absoluta, assim como a via de acesso a ela. Trata-se de
aprender a lidar com o Passado, aliando o querer conservar ao querer destruir
de Walter Benjamin, para quem buscar significados é sempre um reexaminar sem
fim e a cada resultado obtido, segue-se a dissolução do mesmo, e após, um
necessário reexame.
Por outro lado, quando os conhecimentos dogmáticos se
estabelecem, isso ocorre porque os “insigts” da razão foram tratados como
resultados do conhecer e que, uma vez consolidados, ganharam o status de
“resultados científicos” e tornaram-se inquestionáveis.
Tendo exatamente o pensamento dogmático como alvo, Kant
diferencia a razão do intelecto, e entre estes a atividade do raciocínio
daquela que é apenas senso comum; logo, as atividades do pensar passam ao largo
da atividade do conhecer tecnológico, não se mesclam.
O senso comum, o “bom senso” não se confunde com o pensar.
E a ciência, em si, é um prolongamento extremamente refinado do bom senso.
Pensar, raciocinar, usar a razão é procurar aprender os
significados. A parcela do conhecimento que nasce do pensar é o significado,
permanecendo a razão como condição básica para o intelecto.
A irreflexão e a perda das “asas da liberdade”.
Sócrates é o descobridor da “consciência em si”, e para
ele “seria melhor que uma multidão discordasse de mim do que eu, sendo um,
discordasse de mim mesmo e entrasse em contradição comigo mesmo”.
Consequentemente, aquele que não pensa não se constitui como personalidade,
apenas chega a ser uma “persona”, o possuidor de máscaras. E este “não-
pensante” não precisa se ocupar com a harmonia de um “eu interior”, não precisa
prestar contas do que faz ou do que diz, e nem se importará em cometer um
crime, do qual, aliás, se esquecerá no momento seguinte.
“O diálogo consigo mesmo” é a forma de manifestação da
pluralidade humana, quando “o eu é uma espécie de nosso amigo”, e o
contradizer-se significa tornar inimigos os dois parceiros do diálogo interior
(Kant). Como nos recorda Arendt, Catão, o romano, dizia com sabedoria: “nunca
um homem está mais ativo que quando nada faz, nunca está menos só do que quando
está consigo mesmo. Isso o faz refletir”.
Pois a irreflexão ocorre por parte daqueles que se ocupam
das coisas do mundo e nunca param para pensar. Ela pode ser encontrada até
mesmo em eruditos, em cientistas e em pessoas inteligentes. No III Reich
Alemão, por exemplo, havia intelectuais e eles eram assassinos altamente
cultos, “embora nenhum deles tenha composto um único poema a ser lembrado, uma
só música digna ou um quadro que alguém penduraria na parede” (Jaspers).
Isso porque nenhum talento pode suportar a perda da
integridade que experimentamos quando perdemos a capacidade comum de pensar e
de lembrar, e nos emaranhamos no navegar do acovardamento.
E o não pensar se torna um problema social em momentos de
crise, quando os antigos padrões e códigos de conduta e ética caem por terra. É
quando aqueles que não pensam se deixam levar pelas novas regras que terminam
sendo ditadas por bandidos movidos por ideologias, ideologias que espelham que
mundo deveria ser segundo eles próprios, um mundo criminoso.
Se é verdade que ninguém possa viver sem preconceitos,
pois não é possível julgar novamente e continuamente todos os acontecimentos,
dado que isto exigiria uma bagagem e um estado de alerta sobre humanos, o
“viver sem preconceitos” não vale para a política, que se baseia na formação de
opiniões, e é muito menos válido para os momentos de crise, quando é necessário
discernir-se o certo do errado. Por isso mesmo “aqueles que pensam, precisam
aparecer para julgar os acontecimentos políticos nos momentos de crise”
(Arendt).
A História sempre demonstrou ser prenhe de pessoas que,
mesmo sob as condições do terror mais extremo, são capazes de resistir,
julgando o que é certo e o que é errado, e agirem de acordo com suas
consciências.
O problema da irreflexão é que aqueles que se conduzem por
códigos e regras são os primeiros a aderir e a obedecer. O nazismo, os
autoritarismos e as tiranias, que sempre buscam se implantar na humanidade
substituem o não matarás pelo matarás.
Aquele que não pensa possui um eu que não fundou raízes, é
um ninguém. São seres humanos que se recusam a serem pessoas. No entender de
Jaspers, ser ninguém é pior que ser mau; esse “ser ninguém” se revela
inadequado para o relacionamento com os outros, porque os bons e os maus são,
no mínimo, pessoas. É isto que faz da banalidade do mal o pior dos males:
espalha-se rapidamente sem necessidade de qualquer ideologia.
No entanto, quando a vontade de poder se aparta do desejo
de distinção, tal como é o caso do tirano ou do espírito que se corrompe no
processo, não se trata mais de um vício, mas uma condição que tende a destruir
toda a vida política.
E agora o que importa o que está em questão, já é o valor
da própria vida e a possibilidade de perda das asas com que vivenciamos a
liberdade, caso abdiquemos da responsabilidade do pensamento crítico!
Carlos Russo Jr.

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