A perda do cargo, função ou emprego público é efeito
automático da condenação pela prática do crime de tortura. O entendimento foi
aplicado pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao restabelecer a sanção
de perda do cargo público imposta a um policial militar condenado pelo crime de
tortura em Cuiabá.
No caso, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso entendeu que
a decretação de perda do cargo público seria pena mais grave do que a
condenação principal — fixada em dois anos e quatro meses de reclusão em regime
aberto.
Porém, com base nas disposições da Lei 9.455/1997 e no
princípio da independência da esfera penal, a 6ª Turma do STJ reformou o
acórdão ressaltando que a perda do cargo é consequência automática e
obrigatória da condenação pelo crime de tortura, ainda que o agente tenha
passado para a inatividade — condição que não foi totalmente esclarecida no
processo, apesar dos argumentos da defesa do policial.
"Não se está a tratar, nestes autos, de cassação de
aposentadoria, mas de simples reconhecimento, no âmbito penal, da necessidade
de decreto de perda do cargo e da presença dos fundamentos necessários para a
imposição desta sanção. Eventuais reflexos previdenciários da decisão penal
deverão ser discutidos no âmbito próprio", afirmou a relatora do recurso
especial, ministra Laurita Vaz.
De acordo com o processo, um homem teria furtado de um
restaurante um ventilador e quatro latas de cerveja, mas foi detido pelo
proprietário. Dentro do local, o proprietário e o policial militar, buscando a
confissão sobre o furto e a localização dos bens, teriam torturado o homem com
socos, asfixia com sacola plástica e choques elétricos no pescoço.
Na sequência, amarram a vítima e a colocaram no
porta-malas de um carro, mas a Polícia Militar flagrou a cena e prendeu os dois
em flagrante.
Em primeira instância, o policial foi condenado a cinco
anos de reclusão, em regime semiaberto, além da perda do cargo público.
Entretanto, o TJ-MT reduziu a pena para dois anos e quatro meses e afastou a
perda da investidura militar.
O tribunal mato-grossense considerou que a pena imposta em
primeira instância foi desproporcional ao delito e que o juiz deveria ter
justificado concretamente as razões que o levaram a declarar a perda do cargo.
O Ministério Público recorreu ao STJ.
A ministra Laurita Vaz afirmou que o TJ-MT, ao reduzir a
pena-base ao mínimo legal, entendeu que a violência e a perversidade empregadas
no caso não ultrapassaram aquilo que já é inerente à própria natureza do crime
de tortura.
Além disso, o TJ-MT reconheceu que a condição de servidor
público foi usada para avaliar negativamente as circunstâncias judiciais e
também para aplicar o aumento de pena previsto no artigo 1º, parágrafo 4º, da Lei 9.455/1997, o que caracteriza bis in
idem — dupla punição pelo mesmo fato.
Segundo a relatora, se o tribunal de origem concluiu que
não há elementos concretos que justifiquem a imposição de pena-base acima do
mínimo legal, rever esse entendimento exigiria ampla discussão sobre os fatos e
as provas do processo — o que não é possível no âmbito do recurso especial, o
qual se limita ao debate de questões jurídicas.
Por outro lado, observou a ministra, houve violação do
parágrafo 5º do artigo 1º da Lei de Tortura, tendo em vista que, reconhecida a
prática do crime, a perda do cargo público é efeito automático da condenação. A
relatora destacou que, embora fosse dispensável, o juiz de primeiro grau
fundamentou detalhadamente a necessidade da imposição da sanção.
"A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça tem
reiteradamente afirmado a necessidade de decretação da perda do cargo público
nos casos em que a conduta criminosa demonstra a violação dos deveres do agente
com o ente estatal e a infringência dos princípios mais básicos da
administração pública, entre eles o da moralidade e o da impessoalidade, o que
foi expressamente demonstrado no caso em apreço", apontou a ministra.
No tocante à alegação de que não seria possível a perda do
cargo devido à superveniente aposentadoria — argumento levantado pela defesa
nas contrarrazões do recurso especial —, Laurita Vaz ressaltou que o tema não
foi examinado pelo TJ-MT, tampouco a passagem para a inatividade está
comprovada nos autos.
Mesmo assim, a ministra lembrou que a Corte Especial, no
julgamento da Apn 825 e da Apn 841, decidiu que o fato de o acusado estar na
inatividade não impede a imposição da perda do cargo público, considerada a
independência da esfera penal. Com informações da assessoria de imprensa do
STJ.
Revista Consultor Jurídico
REsp 1.762.112
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