A
concentração de renda se tornou avassaladora e está produzindo oceanos de
miséria pelo mundo. Mas a crise do capitalismo financeiro predatório não é a
que vem de baixo, ela é entrópica porque ela é autodestrutiva
Quem
diz é o mais importante jornalista do mais importante jornal econômico do
planeta, o FINANCIAL TIMES em artigo de Martin Wolff de 18 de setembro.
O
colunista do jornal britânico demonstra que a CONCENTRAÇÃO DE RENDA está
liquidando com sólidas sociedades de classe média, como Estados Unidos e Reino
Unido. As gerações do pós-guerra tinham certeza de que os filhos teriam maior
renda que os pais, durante as décadas de 40, 50 e 60. A partir da década de 70
a curva se inverteu, os filhos passaram a ter renda menor que os pais, e o
processo se agravou enormemente a partir de 1990, chegando a um anticlímax após
a crise de 2008, quando hoje 1% de bilionários detém 54% da riqueza mundial e
um CEO (executivo chefe) hoje ganha 300 vezes mais que um operário, nos anos de
pós guerra a relação era de 40 para 1.
A
concentração de renda se tornou avassaladora e está produzindo oceanos de
miséria pelo mundo. Mas a crise do capitalismo financeiro predatório não é a
que vem de baixo, ela é entrópica porque ela é autodestrutiva, seus próprios
métodos a levarão à sua implosão sistêmica. A concentração TRAVA O CRESCIMENTO
e o crescimento é essencial para a própria existência desse capitalismo que não
pode parar.
A
crise tem elementos distintos e vou tentar dissecá-los. É minha análise e não
do Financial Times:
1.ELIMINAÇÃO DE BARREIRAS ÀS
FUSÕES E AQUISIÇÕES
A
partir das políticas Thatcher-Reagan no coração do capitalismo anglo-saxão,
foram eliminadas quase completamente as barreiras para empresas comprarem
outras ao infinito. A cada compra há desemprego de milhares de trabalhadores e
centenas de executivos de escalão médio. Fusões absurdas, como a DOW CHEMICAL e
a DUPONT, dois gigantes que concorriam entre si há um século, ou BAYER e
MONSANTO, dois competidores globais em defensivos agrícolas, eliminando
competição, que é uma das bases do capitalismo de mercado, permitindo
oligopólios em preços e patentes. As economias de escala são apropriadas pelas
empresas e não trazem vantagem alguma a consumidores e países.
2.DIMINUIÇÃO EM PAGAMENTO DE
IMPOSTOS
As
megaempresas resultantes de fusões têm como um dos seus principais objetivos a
REDUÇÃO DE IMPOSTOS e a própria fusão gera créditos fiscais que farão a nova
empresa fusionada pagar menos imposto de renda, tornando vantajoso, pelo
tamanho, transferir lucros para PARAÍSOS FISCAIS. Hoje as corporações
americanas têm 6 vezes mais lucros “parqueados” em paraísos fiscais do que no
seu próprio País. Com isso prejudicam tanto seu país-sede como os países onde
operam. A desoneração fiscal significa que essas empresas USUFRUEM dos serviços
públicos nos países hospedeiros, MAS não pagam seus custos, onerando os demais cidadãos
que têm que pagar mais impostos para aliviar as megacorporações de sua cota na
manutenção do Estado.
Leia
também: Desemprego e pobreza: o que
dizem os últimos relatórios do Brasil
3.TRANSFERÊNCIA DE FÁBRICAS
PARA PAÍSES DE BAIXOS SALÁRIOS
Processo
largamente usado pelas corporações multinacionais e que criou oceanos de
desempregados em países centrais e mesmo em países emergentes de
industrialização tardia. O benefício pela economia em salários e impostos
beneficiou especialmente o ACIONISTA e, em menor escala, o consumidor. Mas ao
criar desemprego em um processo contínuo, ao fim faz empobrecer mercados
consumidores, que ficam sem renda para comprar seus produtos. No uso de cadeias
produtivas globais as empresas fazem LEILÃO FISCAL E DE VANTAGENS ENTRE PAÍSES,
mudam a fábrica para o País que dá terreno de graça, créditos, vantagens,
treinamento, infraestrutura e isenções fiscais. Mas ao empobrecer regiões e
países, com isso aumentando seus lucros, vão no caminho reduzindo a renda de
onde saem e, às vezes, de seus próprios países de origem, tudo beneficiando a
empresa do ponto de vista micro. No outro lado a desidratação do mercado
consumidor se dá como efeito macro, CADA
EMPRESA ganha nos seus custos, mas o conjunto das empresas perde consumidores,
fenômeno que acontece gradualmente à medida que se cria desemprego em países
que perderam fábricas, como Reino Unido, Brasil e Argentina. Desempregados não
compram roupas feitas na China porque não têm renda.
4.PODER EXCESSIVO SOBRE
CONSUMIDORES E FORNECEDORES
Quanto
mais concentrado o mercado em cada vez menos empresas, menor a margem de
liberdade do consumidor e do fornecedor dessas empresas. Quando a NESTLÉ
comprou a Chocolates Garoto, cerca de metade das marcas de chocolates do País
ficou sob controle de uma só empresa, transação que jamais deveria ter sido
aprovada pelo CADE e foi. A AMBEV tem 600 marcas de cerveja pelo mundo, uma
absurda concentração de mercado. A mesma NESTLÉ controla marcas de águas
minerais pelo mundo, Perrier, San Pellegrino, São Lourenço no Brasil e em quase
todos os grandes mercados domina o setor. Esse processo empareda consumidores e
fornecedores. Isso só é bom para o acionista e para ninguém mais, é um processo
autofágico e destrutivo, a competição é da essência do capitalismo e sua
eliminação é perigosa para o próprio sistema.
5.CONTROLE POLÍTICO DE
GOVERNOS E CONGRESSOS
Aumentando
o poder das corporações multinacionais, o processo se dá reduzindo o poder dos
Estados para taxar e regular essas empresas, um processo danoso às sociedades
em geral, confrontacionista com os Estados que perdem poder de controle.
6.TUDO PARA O ACIONISTA E NADA
PARA A SOCIEDADE
A
lógica do atual sistema é dar TUDO AO ACIONISTA contra os direitos dos
trabalhadores, dos consumidores e dos Estados, é uma IDEOLOGIA que vem dos anos
Thatcher-Reagan, não existiu tal conceito entre 1900 e 1970, quando o grupo
Standard Oil foi, por decisão do Presidente Theodore Roosevelt, DIVIDIDO em
6 partes, a concentração numa só empresa
era vista como perigosa ao Pais e à sociedade. A Divisão Antitruste do
Departamento de Justiça dos EUA, entre sua criação em 1903 e 1978, barrou cerca
de 6.700 fusões, por serem contra o interesse público. Bancos nos EUA só podiam
existir em um Estado, em certos Estados só em uma cidade. Tampouco bancos
poderiam controlar corretoras de bolsa, seguradoras e fundos de investimento. A
partir do Governo Reagan essas barreiras foram eliminadas e permitiu-se uma
concentração livre no mercado financeiro, o que resultou na crise de 2008,
salva pelo Tesouro, ou seja, pelo Governo dos EUA, a desregulamentação gerou a
crise de 2008.
A
etapa final desse capitalismo será o patrocínio de GOVERNOS NEOFASCISTAS para
controlar as massas miseráveis geradas pelo processo. A partir desse ponto, já
atingido em alguns países, serão eleitos governos populistas de direita para
permitir a CONTINUIDADE DA CONCENTRAÇÃO e o desmonte dos serviços sociais e de
amparo às populações pobres, para que o CORTE DE GASTOS permita aliviar ainda
mais a carga fiscal das empresas e de seus acionistas. TUDO PARA QUE A PARTE DO
CAPITAL NA RENDA NACIONAL AUMENTE, ao mesmo tempo que se enfraquece o Estado
para que ele NÃO TENHA FORÇA PARA REGULAR AS EMPRESAS e fique dependente dos
“mercados” para seu financiamento através da dívida pública.
Leia
também: Contra claro texto do CPC, STJ
reafirma o livre convencimento, por Lenio Luiz Streck
Com
esse processo atinge-se o objetivo maior do CAPITALISMO PREDATÓRIO, qual seja,
controlar a POLÍTICA MONETÁRIA através do Banco Central dominado pelos
“mercados”, a POLITICA ECONOMICA pelo seu comando por um executivo do “mercado”
e através disso controle do Estado por um preposto, político de direita apenas
para fazer o papel de polícia das massas miseráveis para que não se revoltem, o
controle real do Estado e do CAPITALISMO PREDATÓRIO.
POR QUE O CAPITALISMO
PREDATÓRIO NÃO CONSEGUE ENXERGAR RISCOS?
Porque
é de sua própria natureza operar SEM AUTO CONTENÇÃO, SEM LIMITES. As escolas de
negócios pelo mundo, cuja expansão se deu em grande escala a partir dos anos
70, são “madrassas”* de lavagem cerebral que moldam executivos na religião do
“corte de custos”, não importa o risco que tal processo possa gerar. O CASO VALE
mostra onde essa “religião” leva, corta-se custos ao máximo limite não importa
o risco, mesmo de morte de centenas de pessoas, é DA NATUREZA DO SISTEMA não
conhecer limites para o lucro. Os bancos brasileiros poderiam ser altamente
lucrativos com juros mais baixos, MAS eles jamais serão razoáveis por
autodeterminação, os robôs humanos MBA são programados para o lucro máximo,
mesmo que pelo caminho destruam sociedades. Só o ESTADO pode conter esse tipo
de sistema predatório que, deixado às suas próprias razões, destruirá o
equilíbrio social, o meio ambiente e trará, em larga escala, o aumento da
criminalidade, das doenças mentais, do uso de álcool e drogas, das rupturas
sociais e da Humanidade.
Essa
é, na essência, a conclusão de MARTIN WOLFF no jornal FINANCIAL TIMES em artigo
magistral publicado em 18 de Setembro de 2019.
*A palavra deriva do árabe madrsa, por vezes
transliterada como madrassa ou madrasa, palavra que em árabe originalmente
designava qualquer tipo de escola, secular ou religiosa (de qualquer religião),
pública ou privada.
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