Entre dezembro de 2015 e agosto de 2016, o Jornal
Nacional, da TV Globo, dedicou 17 horas ao ex-presidente Lula. Treze dessas
horas foram de noticias consideradas negativas e as outras quatro, de notícias
neutras. O levantamento, do projeto Manchetömetro, da Uerj, foi enviado à ONU
pela defesa do ex-presidente.
No semestre seguinte, o Manchetômetro fez outro estudo,
agora envolve os jornais impressos. As pesquisadoras Patrícia Bandeira de Melo
e Márcia Rangel Candido analisaram como O Globo, Folha de S.Paulo e Estadão
trataram o ex-presidente Lula e o ex-juiz Sergio Moro.
Moro, então à frente da “lava jato”, passara a ser tratado
pela imprensa como antagonista de Lula – muito embora o antagonista do réu num
processo seja a acusação, e não o juiz. As pesquisadoras concluíram que, entre
janeiro e maio de 2017, 79% das noticias sobre Moro nos jornais foram neutras.
Nos mesmos jornais, 79% das notícias sobre Lula foram contrárias.
São indícios de que os maiores veículos de comunicação do
país apoiaram um desfecho específico das acusações que pesam contra Lula. É o
que alguns países chamam de “publicidade opressiva”. É quando “o veículo começa
a divulgar, de maneira sistemática, notícias sempre tendendo para um lado,
geralmente pela condenação”, explica a desembargadora Simone Schreiber, do
Tribunal Regional Federal da 2ª Região.
A desembargadora é autora do livro A Publicidade Opressiva
de Julgamentos Criminais, resultado de sua tese de doutorado, defendida em 2008
sob orientação do ministro Luís Roberto Barroso. No texto, ela explica que a
publicidade opressiva se caracteriza quando o noticiário sobre um processo fica
tão ostensivo que a situação dos réus ou investigados fica prejudicada,
especialmente em casos que vão a júri. A campanha midiática torna-se tão agressiva
que um julgamento imparcial torna-se impossível.
Na tese, Schreiber procurou definir o fenômeno da maneira
mais objetiva possível, para poder sugerir medidas para atenuar os efeitos da
publicidade opressiva. Entre elas, o sequestro dos jurados, a proibição de que
os envolvidos no caso falem com jornalistas ou que comentem o processo fora das
situações forenses. Ou, em último caso, proibir que sejam publicadas notícias e
reportagens sobre aquele caso.
Mas o que se observa hoje, é um novo capítulo desse
fenômeno, analisa a desembargadora. "A ‘lava jato’ inaugurou um novo patamar de relação de juiz
com a imprensa", afirma, em entrevista à ConJur. "Ele não é mais
aquele ator que se depara com uma situação de publicidade opressiva e passa a
se preocupar com isso, que entende que é preciso conduzir o processo apesar da
pressão da mídia."
"O que a imprensa divulga não pode influenciar o
desfecho do processo", sentencia Schreiber. "O julgamento justo tem
que se basear na verdade processual."
Leia a entrevista:
ConJur — O livro diz que os vários interesses da imprensa podem
afastá-la do interesse público. Isso quer dizer que a senhora defende algum
tipo de regulamentação da imprensa?
Simone Schreiber — Não. É difícil haver algum tipo de regulamentação que
não importe em restrição da liberdade de imprensa. Especialmente neste momento
que o Brasil está vivendo, de certa fragilidade institucional na relação entre
os poderes. Sei que alguns defendem isso por ver monopólio em alguns setores,
mas as mídias sociais quebraram um pouco isso. Nas eleições, por exemplo,
Alckmin fez acordo com vários partidos em troca de tempo de TV na campanha
achando que aquilo seria determinante, mas ficou patinando. Bolsonaro não tinha
muito tempo e acabou vencedor. E aqui no Brasil, dificilmente alguma
regulamentação da imprensa passaria pelo crivo do Supremo.
ConJur — O livro distingue a “verdade processual” da “verdade
jornalística”. É possível conciliá-las?
Simone Schreiber — O julgamento justo tem que se basear na verdade
processual. Na tese, defendi que o juiz tem que tomar algumas medidas de
proteção do acusado justamente para que a verdade jornalística, ou seja, aquilo
que é noticiado pelos jornais, não influencie de forma indevida o processo.
ConJur — O que é, então, “verdade processual”?
Simone Schreiber — É a verdade que sobressai do processo após a produção
das provas dentro do devido processo legal. O juiz tem que se contentar com
aquela verdade que surge no processo, porque isso é uma premissa de que houve um
processo justo.
ConJur — É possível impedir que a imprensa influencie um
julgamento?
Simone Schreiber — O que a imprensa divulga não pode influenciar o
desfecho do processo. Agora, como fazer isso? Minha tese de doutorado partiu do
pressuposto que o juiz tem uma posição de proteção e que, se ele se deparar com
uma situação de publicidade opressiva, deve adotar medidas para proteger o
acusado e zelar para que o processo tenha uma condução serena. Então, na minha
concepção, o juiz era um ator que zelava pelo processo justo.
ConJur — Era?
Simone Schreiber — A “lava jato” inaugurou um novo patamar de relação de
juiz com a imprensa. Ele não é mais aquele ator que se depara com uma situação
de publicidade opressiva e passa a se preocupar com isso, que entende que é
preciso conduzir o processo apesar da pressão da mídia. Na operação “lava
jato”, o juiz Sérgio Moro claramente recorreu à imprensa e à opinião pública.
ConJur — Ele defende isso abertamente, inclusive escreveu isso
naquele artigo famoso, de 2005.
Simone Schreiber — Exatamente. Ele diz que precisa ser apoiado numa
empreitada de combate à corrupção. Numa palestra de 2016, em São Paulo, ele
disse o seguinte: “Eu me disponho a ir até o final nos meus casos, mas esses
casos envolvendo graves crimes de corrupção e figuras públicas poderosas só
podem ir adiante se contarem com o apoio da opinião pública e da sociedade
civil organizada. Esse é o papel dos senhores”.
Ao mesmo tempo em que ele diz que julgará de acordo com a
lei, conclama a sociedade a apoiá-lo. E é evidente que o papel da imprensa na
condução e no desfecho desses processos foi fundamental em vários momentos.
Isso é superinteressante, porque a Polícia Federal e o Ministério Público
aprenderam a lidar com as assessorias de imprensa para divulgar seus trabalhos
de maneira muito profissional.
ConJur — Tanto o MP quanto a PF alegam que essas entrevistas
coletivas são formas de dar transparência à atuação deles, de prestar contas à
sociedade. Mas a partir de que ponto isso já não é publicidade opressiva?
Simone Schreiber — Não sei se há resposta exata para isso. Essas operações
são sempre muito espetaculosas — então o espetáculo é parte delas. A princípio
a investigação é sigilosa, e o sigilo é importante para quem está sendo
investigado. A imprensa pode noticiar que foi deflagrada uma operação policial,
que foram cumpridos mandados nas casas dos suspeitos, mas acompanhar ao vivo é
excessivo. É expor desnecessária e desproporcionalmente essas pessoas, o que
não é necessário para o sucesso das investigações.
Isso é muito interessante nesse ambiente de colaboração
premiada, também um ingrediente da “lava jato”. A exposição dessas pessoas
também é uma forma de pressioná-las a colaborar. Não só a prisão, mas a
divulgação de informações privadas, vazamentos de conversas telefônicas
constrangedoras e a exposição daquela pessoa são bem importantes para que ela
se sinta compelida a assinar o acordo de colaboração. E mesmo que a denúncia
seja rejeitada ou a pessoa seja absolvida, já se criou um estigma.
ConJur — Essa divulgação das operações e dos passos da
investigação não são também ações de marketing?
Simone Schreiber — Propaganda institucional é uma coisa muito
interessante. É uma coisa de ocupação de espaço, de poder de prestígio
institucional junto à população. Polícia e MP têm brigas sobre várias questões
sensíveis. O MP conseguiu um espaço de poder de investigação que não está na
Constituição, mas eles foram fazendo e, em determinado momento, depois que já
tinham feito investigações importantes, mesmo sem previsão constitucional ou
legal, foram autorizados. Então é uma atuação institucional de obter prestígio
junto à sociedade.
ConJur — A senhora comentou uma palestra de Moro. Juízes podem
comentar casos em que atuam ou em que atuaram?
Simone Schreiber — Comentar casos que estão em andamento, principalmente
aqueles em que você não está no processo, é bem complicado. É justamente essa
sensação das partes de que o juiz já tem predisposição a julgar de alguma
maneira. As partes têm o direito subjetivo à expectativa de um juiz imparcial,
que julgue com independência, com base no que está no processo.
Tem uma entrevista do Bretas ao Valor Econômico em que ele
fala sobre o Sérgio Cabral, que eu até separei para falar em sala de aula: “Já
estamos investigando transporte, saúde, obras, alimentação e joias. Mas nessa
questão das joias existe uma dúvida ainda, eu ainda não decidi a respeito. Se a
joia era propina ou ostentação ou se era lavagem de dinheiro. Isso eu tenho que
ver com calma”. Com todo respeito ao Bretas, ele se manifestou já dizendo que o
Cabral é corrupto. Os juízes passaram a se manifestar sobre casos que estão
julgando na imprensa. Não é adequado.
ConJur — A quantidade de prisões preventivas ilegais já virou um
problema histórico no Brasil, mas parece que o uso delas como antecipação de
pena tem se agravado. Isso decorre dessa publicidade opressiva também em cima
dos juízes?
Simone Schreiber — É difícil dizer se a publicidade opressiva influencia
juízes a manter as pessoas presas. É engraçado: os juízes que prendem mais
sempre partem da premissa de que o juiz mais rigoroso precisa de uma dose extra
de coragem. E agora, com essa onda de punitivismo apoiada pela mídia que
apareceu com a “lava jato”, o juiz que manda soltar também precisa de uma dose
extra de coragem. O que vejo, na verdade, é uma coisa muito ruim, que é o MP
acossar a imprensa para atacar juiz que concede liberdade, como aconteceu aqui,
até na “lava jato”. E isso fica sendo insuflado pela imprensa, o que é difícil.
Todos os juízes devem ser respeitados. Não é correto isso de xingar juiz, vaiar
juiz, enfim, qualquer pessoa. Essa coisa do esculacho público. É terrível que
as pessoas se sintam à vontade para xingar e constranger as outras. O ministro
Gilmar foi submetido a esse constrangimento no avião, um ambiente do qual você
não pode nem sair. É uma covardia. É triste.
ConJur — O procurador Deltan Dallagnol é talvez o mais famoso
por fazer isso que a senhora comentou: quando vai haver um julgamento, ele vai
à imprensa, às redes sociais, e convoca as pessoas a ficar do lado dele, a
pressionar o Judiciário. Isso é publicidade opressiva?
Simone Schreiber — Isso é usar a imprensa para pressionar o tribunal. E
ele faz isso de maneira muito ostensiva. Como no caso da competência da Justiça
Eleitoral para crimes conexos, que o Supremo ia decidir. Ele conclamou a
população. Isso não é correto. Mas quando eu falo em publicidade opressiva,
falo de quando se cria um ambiente em que uma campanha na mídia passa a
defender determinado desfecho no processo. O seu exemplo é ampliar um pouco o
tema, mas concordo.
ConJur — Minha questão é: autoridades também cometem publicidade
opressiva? Ou só a imprensa?
Simone Schreiber — Não sei o que o Supremo diz sobre isso, mas acredito
que considere essa conduta estatal abuso de autoridade, que é um tipo penal que
não tem muita descrição do que seja. Não sei se esse caso do Dallagnol chega a
caracterizar abuso de autoridade, mas talvez possa ser uma falta funcional para
ser apurada pelas corregedorias competentes. Estou sendo cautelosa, porque não
tenho certeza se isso pode ser enquadrado em alguma coisa, se falta funcional
ou crime. Agora, esse discurso de que o MP precisa da opinião pública porque a
Justiça sozinha não vai conseguir fazer a coisa certa tem por trás um
entendimento da doutrina norte-americana, de que você tem que estar sujeito a
escrutínio público e de que nada pode funcionar se não for num ambiente de
liberdade de expressão. O que estamos vendo é até que ponto essas manifestações
são legítimas e até que ponto são indevidas por impedirem o Judiciário e as
instituições de funcionar como deveriam.
ConJur — Sua tese foi orientada pelo ministro Luís Roberto
Barroso, que tem posições controversas sobre a relação entre a “opinião
pública” e o Judiciário. Ele defende, por exemplo, que certos entendimentos do
Supremo precisam “evoluir” conforme o “sentimento social”.
Simone Schreiber — É muito complicado dizer isso. Quando o juiz invoca
esse “sentimento social”, está querendo justificar uma posição que é dele. O
juiz, quando traduz o sentimento social, diz o que ele acha que seja esse
sentimento. Por que o que ele entende como correto é o que refle o “sentimento
social”? E ainda que seja, ainda que as pessoas tenham o sentimento de que
políticos têm que ser punidos, a Justiça tem que se guiar pela opinião da
população ou pelas normas constitucionais? O ministro Barroso sempre afirmou
que a Justiça é o espaço contra majoritário, de defesa dos direitos das
minorias. Acho que quando ele se tornou ministro, acabou revendo algumas
posições.
Essa discussão de o “sentimento social” guiar decisões já
foi travada algumas vezes. O ministro Celso de Mello, por exemplo, diz que não
importa o que acha a população, o Supremo tem que decidir conforme as normas
constitucionais e assegurar direitos independentemente do que a opinião pública
entenda.
A sociedade precisa ser confrontada com o seguinte: vale a
pena viver num Estado Democrático de Direito em que há uma Constituição que
deve ser respeitada? Se você deseja isso para você, a Justiça tem que funcionar
dessa forma. Nem sempre as decisões judiciais vão atender às expectativas da
sociedade e é difícil explicar que aquela pessoa que saiu estampada na capa dos
jornais como corrupta é inocente, que existe uma coisa chamada devido processo,
com direito de defesa. Concordo com Barroso quando ele critica a demora do
Judiciário. Ele traz vários exemplos de casos sem solução que demoram 10, 20
anos. A gente tem que ter o compromisso com a celeridade e eficiência, mas não
pode transigir com o respeito às garantias fundamentais. É difícil.
ConJur — O ministro Fux diz que em casos de conflitos entre
pessoas, de fato, a opinião pública não importa. Mas em casos que envolvem
questões sociais, é preciso saber o que as pessoas pensam. Existe mesmo essa
distinção entre casos em que a opinião pública importa e casos em que não
importa?
Simone Schreiber — Existem no Supremo várias formas de a sociedade
intervir nos processos, como a figura do amicus curiae ou as audiências
públicas, nesses casos que de fato interessam à sociedade de forma geral, como
criminalização da homofobia, descriminalização do aborto, casamento
homoafetivo, drogas, questões mais relacionadas a teses. Mas será que alguém
fez um teste para saber o que a opinião pública pensa desses casos de execução
penal? O MP quando estava defendendo aquelas dez medidas botava uma pessoa em
cada esquina da cidade perguntando “você é contra a corrupção? Então assina
aqui”. Eu passei por uma dessas. E aí juntaram zilhões de assinaturas de
pessoas que não sabiam exatamente o que se estava defendendo ali. Só sabiam que
era contra a corrupção.
ConJur — Um trecho da sua tese diz que há casos em que a
proibição de publicar notícias é válida. Que casos seriam esses?
Simone Schreiber — O que digo é que, depois de identificada uma situação
de publicidade opressiva, há medidas que o juiz pode tomar para proteger o
acusado dessa situação. Sugiro diversas medidas que não interferem na liberdade
de expressão, como adiar o julgamento, sequestrar os jurados, como acontece às
vezes nos Estados Unidos — também temos, mas aqui é desde o início do
julgamento. E aí se essas medidas não tiverem efeito, aí se partiria para
medidas que restringem a liberdade de expressão. Começo das menos restritivas,
como proibir de dar entrevista, decretação de sigilo do processo (seria
constitucionalmente, porque temos a garantia do sigilo da fonte). A última
medida seria proibir a veiculação de reportagens sobre o assunto durante
determinado período. Seria de fato uma medida com caráter de censura.
ConJur — Isso passaria no Supremo?
Simone Schreiber — Não sei, porque o Supremo está numa tendência de
privilegiar sempre a liberdade de expressão. É uma medida muito questionável do
ponto de vista constitucional, porque a censura é proibida, mas estaria
amparada numa situação em que seria a única medida possível naquele caso de
proteger um direito que se revelaria mais importante que a liberdade de
expressão.
Basicamente, o que eu descobri é que se dá mais
importância à liberdade de expressão porque ela não tem uma expressão só
individual, mas uma instrumental em relação à democracia. Para a democracia
funcionar, precisa ter liberdade de expressão. Mas o direito a um julgamento
justo também é um direito fundamental em uma democracia. Essa foi a tese que eu
defendi. Então, em situações limite seria possível, dentro da Constituição,
limitar a publicação de reportagens.
ConJur — Quando proibiu um site de divulgar informações sobre o
inquérito das fake News, o ministro Alexandre de Moraes disse que a publicação
havia veiculado “notícia falsa”. Mas depois se descobriu que, de fato, havia
uma delação premiada que mencionava o trecho que incomodou os ministros. Como
conciliar isso? Como definir o que é “notícia falsa” do que não é?
Simone Shcreiber — O Supremo já disse que o conteúdo dessas delações tem
valor reduzido até que seja corroborado por outros elementos. Portanto, a fala
do delator não tem valor por si, ela não pode servir para decretar prisão, para
condenar, nada. O MP, quando tem acesso a uma declaração dessas, deve exigir
que a pessoa traga elementos de corroboração, afinal, está incriminando alguém.
Quando vazam isso para a imprensa, causam um grande mal à pessoa que está sendo
acusada. O Supremo deveria criar uma proteção em relação a essas divulgações
indevidas. A pessoa que é apontada pelo colaborador tem o direito de ser
preservada, de ter sua imagem preservada.
ConJur — Mas o que fazer se é o MP quem vaza para a imprensa?
Simone Schreiber — Aí é o problema do sigilo da fonte. Quando estava
fazendo minha tese me deparei com um caso definido por um tribunal nos EUA em
que foi permitido se abrisse o sigilo da fonte. O sigilo da fonte é um direito
fundamental que integra a liberdade de expressão. Sem ele, a pessoa não se
sentiria segura para dar a informação. Mas será que num caso como esses, de o
MP vazar informações que deveriam ser sigilosas para expor pessoas, o sigilo da
fonte não pudesse ser quebrado? Essas situações são difíceis, envolvem direitos
constitucionais.
ConJur — A forma como as delações foram usadas pela “lava jato”
pode ser considerada publicidade opressiva?
Simone Schreiber — A delação em si, não. Agora, o uso da delação no
processo penal precisa de algumas cautelas. A nº 1 é o colaborador de fato
trazer elementos que corroborem o que ele está falando. Essa questão de usar a
imprensa para expor o investigado e fazê-lo delatar, aí, sim, poderia ser
publicidade opressiva. Mas vazar informações sobre delatados para a imprensa
não tem a ver com o instituto da colaboração. Na tese, faço essa distinção.
Publicidade opressiva é a publicação de reportagens para influenciar o
resultado de um julgamento. Essa situação do vazamento de delações tem a ver
com a irresponsabilidade das pessoas que estão lidando com aquele material.
ConJur — Então seria apenas quando a imprensa, ou um veículo,
deixa claro que quer determinado resultado no julgamento.
Simone Schreiber — Quando o veículo começa a divulgar, de maneira
sistemática, notícias sempre tendendo para um lado, geralmente pela condenação.
Isso tem como resultado a possibilidade de influenciar no resultado de um
julgamento. Tentei caracterizar isso na tese de forma bem objetiva, até porque
queria sustentar algumas medidas possíveis que pudessem ser adotadas. Então,
não seria a mera divulgação de fatos, e nem qualquer divulgação. Teria que
haver alguns ingredientes ali para caracterizar a situação de publicidade
opressiva.
ConJur — Bom, no caso do ex-presidente Lula houve a divulgação
sistemática de notícias pressionando os tribunais pela manutenção da prisão e
pela condenação. Houve publicidade opressiva?
Simone Schreiber — Não posso me posicionar sobre o caso em si, se houve
crime ou não, porque não conheço o processo. Mas há elementos de publicidade
opressiva, sim. Teve a transmissão do Power Point no Jornal Nacional, uma
pressão muito forte da grande mídia. E tem até hoje uma comoção em torno da
soltura dele.
Sérgio Rodas é
correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.
Revista Consultor Jurídico
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