Em
histórico discurso em 31 de agosto de 2016, a presidenta foi profética. “Vão
capturar as instituições do Estado para colocá-las a serviço do mais radical
liberalismo econômico e do retrocesso social”, denunciou
No
dia 31 de agosto de 2016, consumado o afastamento do exercício da Presidência
da República, Dilma Rousseff se dirigiu ao povo brasileiro na sala dourada do
Palácio da Alvorada, residência oficial onde viveu por seis anos. Foi seu
último pronunciamento, em que antevê os retrocessos impostos ao povo brasileiro
e denuncia os riscos econômicos e sociais para o país.
“O
projeto nacional progressista, inclusivo e democrático que represento está
sendo interrompido por uma poderosa força conservadora e reacionária, com o
apoio de uma imprensa facciosa e venal. Vão capturar as instituições do Estado
para colocá-las a serviço do mais radical liberalismo econômico e do retrocesso
social”, profetizou.
Enquanto
no Congresso um tapete vermelho estendido para Michel Temer tomar posse, Dilma
se dirigia ao púlpito no Alvorada. Altiva e
confiante, disse que era vítima de um golpe cujo único propósito era
implantar uma agenda liberal para a vontade daqueles que foram derrotados nas
últimas quatro eleições presidenciais pelo PT.
“Não
gostaria de estar no lugar dos que se julgam vencedores”, disse a presidenta,
citando Darcy Ribeiro. “A história será implacável com eles”. Com a voz
embargada, despediu-se do povo, mas sem dizer adeus. “Até daqui a pouco”,
declarou.
Antes
de encerrar o pronunciamento, Dilma alertou para as verdadeiras razões que
estavam por trás do impeachment fraudulento, aprovado por 60 votos a 20 pelo
Senado. “O golpe é contra o povo e contra a Nação. O golpe é misógino. O golpe
é homofóbico. O golpe é racista. É a imposição da cultura da intolerância, do
preconceito, da violência”, disse. Abria-se naquele momento a oportunidade para
a ascensão do governo de Jair Bolsonaro.
Naquele
dia 31 de agosto, Dilma teve clareza do que estava por vir e vaticinou: “O
golpe é contra os movimentos sociais e sindicais e contra os que lutam por
direitos em todas as suas acepções: direito ao trabalho e à proteção de leis
trabalhistas; direito a uma aposentadoria justa; direito à moradia e à terra;
direito à educação, à saúde e à cultura; direito aos jovens de protagonizarem
sua história; direitos dos negros, dos indígenas, da população LGBT, das
mulheres; direito de se manifestar sem ser reprimido”.
Desde
a saída de Dilma do poder, os retrocessos sociais foram se impondo aos
brasileiros. Primeiro, com Michel Temer. No governo do MDB, o Congresso aprovou
uma Lei de Teto de Gastos, congelando investimentos por 20 anos nas áreas de
educação e saúde. Em seguida, os golpistas atentaram contra os direitos dos
trabalhadores ao impor uma reforma para desmanchar a proteção social garantida
pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
O
Golpe de 2016 foi o que permitiu a ascensão de Jair Bolsonaro. O candidato foi
eleito com o apoio descarado da Lava Jato, encabeçada por Sérgio Moro, atual
ministro da Justiça do governo de extrema direita, que não apenas condenou Luiz
Inácio Lula da Silva de maneira ilegal e afrontando a Constituição – já que não
há provas de corrupção contra o presidente –, como o retirou da disputa
presidencial de 2018 para beneficiar Bolsonaro.
A
imprensa, que sabia dos riscos da eleição do ex-capitão, expulso do Exército
ainda nos anos 80, foi omissa e apoiou indiretamente a chegada de Bolsonaro ao
Planalto. Agora, o país assiste à mais nefasta política social adotada em meio
século.
O
governo ameaça a soberania nacional, ao promover a venda de estatais e entregar
a base militar de Alcântara para ser administrada pelos Estados Unidos. Além
disso, amplia os cortes de recursos para a saúde e educação, e persegue os
movimentos sociais, incluindo sindicatos e ONGs, abrindo espaço para toda sorte
de práticas de empresas e interesses estrangeiros.
Eis
a íntegra do último pronunciamento de Dilma Rousseff antes de deixar o poder em
definitivo.
“Ao cumprimentar o ex-Presidente Luís
Inácio Lula da Silva, cumprimento todos os senadoras e senadores, deputadas e
deputados, presidentes de partido, as lideranças dos movimentos sociais.
Mulheres e homens de meu País.
Hoje, o Senado Federal tomou uma decisão
que entra para a história das grandes injustiças. Os senadores que votaram pelo
impeachment escolheram rasgar a Constituição Federal. Decidiram pela
interrupção do mandato de uma Presidenta que não cometeu crime de
responsabilidade. Condenaram uma inocente e consumaram um golpe parlamentar.
Com a aprovação do meu afastamento
definitivo, políticos que buscam desesperadamente escapar do braço da Justiça
tomarão o poder unidos aos derrotados nas últimas quatro eleições. Não ascendem
ao governo pelo voto direto, como eu e Lula fizemos em 2002, 2006, 2010 e 2014.
Apropriam-se do poder por meio de um golpe de Estado.
É o segundo golpe de estado que enfrento na
vida. O primeiro, o golpe militar, apoiado na truculência das armas, da
repressão e da tortura, me atingiu quando era uma jovem militante. O segundo, o
golpe parlamentar desfechado hoje por meio de uma farsa jurídica, me derruba do
cargo para o qual fui eleita pelo povo.
É uma inequívoca eleição indireta, em que
61 senadores substituem a vontade expressa por 54,5 milhões de votos. É uma
fraude, contra a qual ainda vamos recorrer em todas as instâncias possíveis.
Causa espanto que a maior ação contra a
corrupção da nossa história, propiciada por ações desenvolvidas e leis criadas
a partir de 2003 e aprofundadas em meu governo, leve justamente ao poder um
grupo de corruptos investigados.
O projeto nacional progressista, inclusivo
e democrático que represento está sendo interrompido por uma poderosa força
conservadora e reacionária, com o apoio de uma imprensa facciosa e venal. Vão
capturar as instituições do Estado para colocá-las a serviço do mais radical
liberalismo econômico e do retrocesso social.
Acabam de derrubar a primeira mulher presidenta
do Brasil, sem que haja qualquer justificativa constitucional para este
impeachment.
Mas o golpe não foi cometido apenas contra
mim e contra o meu partido. Isto foi apenas o começo. O golpe vai atingir
indistintamente qualquer organização política progressista e democrática.
O golpe é contra os movimentos sociais e
sindicais e contra os que lutam por direitos em todas as suas acepções: direito
ao trabalho e à proteção de leis trabalhistas; direito a uma aposentadoria
justa; direito à moradia e à terra; direito à educação, à saúde e à cultura;
direito aos jovens de protagonizarem sua história; direitos dos negros, dos
indígenas, da população LGBT, das mulheres; direito de se manifestar sem ser
reprimido.
O golpe é contra o povo e contra a Nação. O
golpe é misógino. O golpe é homofóbico. O golpe é racista. É a imposição da
cultura da intolerância, do preconceito, da violência.
Peço às brasileiras e aos brasileiros que
me ouçam. Falo aos mais de 54 milhões que votaram em mim em 2014. Falo aos 110
milhões que avalizaram a eleição direta como forma de escolha dos presidentes.
Falo principalmente aos brasileiros que,
durante meu governo, superaram a miséria, realizaram o sonho da casa própria,
começaram a receber atendimento médico, entraram na universidade e deixaram de
ser invisíveis aos olhos da Nação, passando a ter direitos que sempre lhes
foram negados.
A descrença e a mágoa que nos atingem em
momentos como esse são péssimas conselheiras. Não desistam da luta.
Ouçam bem: eles pensam que nos venceram,
mas estão enganados. Sei que todos vamos lutar. Haverá contra eles a mais
firme, incansável e enérgica oposição que um governo golpista pode sofrer.
Quando o Presidente Lula foi eleito pela
primeira vez, em 2003, chegamos ao governo cantando juntos que ninguém devia
ter medo de ser feliz. Por mais de 13 anos, realizamos com sucesso um projeto
que promoveu a maior inclusão social e redução de desigualdades da história de
nosso País.
Esta história não acaba assim. Estou certa
que a interrupção deste processo pelo golpe de estado não é definitiva. Nós
voltaremos. Voltaremos para continuar nossa jornada rumo a um Brasil em que o
povo é soberano.
Espero que saibamos nos unir em defesa de
causas comuns a todos os progressistas, independentemente de filiação
partidária ou posição política. Proponho que lutemos, todos juntos, contra o
retrocesso, contra a agenda conservadora, contra a extinção de direitos, pela
soberania nacional e pelo restabelecimento pleno da democracia.
Saio da Presidência como entrei: sem ter
incorrido em qualquer ato ilícito; sem ter traído qualquer de meus
compromissos; com dignidade e carregando no peito o mesmo amor e admiração
pelas brasileiras e brasileiros e a mesma vontade de continuar lutando pelo
Brasil.
Eu vivi a minha verdade. Dei o melhor de
minha capacidade. Não fugi de minhas responsabilidades. Me emocionei com o
sofrimento humano, me comovi na luta contra a miséria e a fome, combati a desigualdade.
Travei bons combates. Perdi alguns, venci
muitos e, neste momento, me inspiro em Darcy Ribeiro para dizer: não gostaria
de estar no lugar dos que se julgam vencedores. A história será implacável com
eles.
Às mulheres brasileiras, que me cobriram de
flores e de carinho, peço que acreditem que vocês podem. As futuras gerações de
brasileiras saberão que, na primeira vez que uma mulher assumiu a Presidência
do Brasil, o machismo e a misoginia mostraram suas feias faces. Abrimos um
caminho de mão única em direção à igualdade de gênero. Nada nos fará recuar.
Neste momento, não direi adeus a vocês.
Tenho certeza de que posso dizer ‘até daqui a pouco’.
Encerro compartilhando com vocês um
belíssimo alento do poeta russo Maiakovski:
Não
estamos alegres,
é certo,
mas também por que razão
haveríamos de ficar tristes?
O mar da história
é agitado.
As ameaças
e as guerras
havemos de atravessá-las,
rompê-las ao meio,
cortando-as
como uma quilha corta
as ondas.
Um carinhoso abraço a todo povo brasileiro,
que compartilha comigo a crença na democracia e o sonho da justiça”.
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