Caso
Intercept. Não sou eu que volto ao assunto; o assunto é que volta a mim.
Impossível não falar sobre isso. Esta semana a revista Veja mostra o modo como
o trabalho da Lava Jato era, mesmo, feito em equipe. O juiz comandava tanto a
operação que chegou a chamar atenção várias vezes do MP: cuidado com o prazo, é
de 3 dias! Avisa a Laura que faltou uma prova! Veja lá! E Dallagnol: vou lhe
mandar umas jurisprudências para ajudar a prender melhor! Um idílio jurídico.
Um jus-idílio. Mas tudo na “normalidade”.
Revelações,
agora da Veja, reforçam a parcialidade do então juiz Moro. Podem falar o que
quiserem. Podem dizer que é produto de hacker etc. Mas não conseguirão esconder
o que os diálogos revelam: a parcialidade do juiz e o conluio deste com a
acusação. Simples assim.
Vale
a leitura de todos os diálogos. A gravidade é lancinante. Para um resumo, abro
aspas para o que diz a revista Veja:
“Fora
dos autos (e dentro do Telegram), o atual ministro pediu à acusação que
incluísse provas nos processos que chegariam depois às suas mãos, mandou
acelerar ou retardar operações e fez pressão para que determinadas delações não
andassem. Além disso, revelam os diálogos, comportou-se como chefe do
Ministério Público Federal”.
“Na
privacidade dos chats, Moro revisou peças dos procuradores e até dava bronca
neles”.
Pausa
para uma infusão de rubiácea. Vamos de novo. Recuperemos o folego.
Moro
mandou a acusação incluir provas, interferiu em ordem de operações, Moro
pressionou para que delações não andassem. Comportou-se como chefe do MPF.
Lembrando:
quem diz isso é a Veja, que, durante muito tempo, embarcou na narrativa
lavajatista.
Lembrando:
vale a leitura de todos os diálogos. A gravidade é latente. Com isso, quero
dizer que não preciso, aqui, copiar e colar todas as conversas – conversas que,
“palavra por palavra, [...] são verdadeiras e a apuração mostra que o caso é
ainda mais grave” (sic – Veja).
O
que vou fazer hoje, pois, é um pouco diferente.
Como
também devem ter feito os leitores, acompanhei as repercussões das sessões do
ministro Moro na Câmara e no Senado.
Eis,
então, minhas perguntas ao ministro Sergio Moro. Ao Dallagnol, nem pergunto.
Vou direto a quem atuou como seu chefe.
Ministro,
o senhor foi juiz e bem sabe o que diz o artigo 254 do CPP; pergunto: o senhor
entende que, ao indicar testemunhas, ao recomendar notas à imprensa, ao opinar
sobre a ordem de fases de operação da polícia judiciária, não aconselhou a
acusação? Em caso negativo – e imagino que seja, já que o senhor não se
declarou suspeito –, peço que explique qual é o raciocínio por meio do qual o
senhor desvincula os verbos “indicar” e “recomendar”, atitudes inegáveis diante
dos diálogos, do verbo “aconselhar”.
Em
síntese, ministro, pergunto de muito boa-fé e espero uma resposta no mesmo
sentido: sua conduta não contrariou em nada o que diz o Código de Processo
Penal?
Com
relação à alegação de que um hacker pode ter adulterado as mensagens – não sei
por que um hacker adulteraria mensagens que não indicam nenhuma irregularidade,
mas enfim, eu aceito o argumento...! –, e especialmente na medida em que o
senhor diz não mais ter as mensagens, pergunto, então, de forma bem específica:
o senhor alertou ou não alertou o procurador Deltan sobre ter faltado um
elemento na denúncia de Zwi Skornicki? Ou Dallagnol, ao cobrar da Dra. Laura a
tal prova, teria inventado que o senhor cobrara (d)ele, só para mostrar à sua
colega Laura um grau de intimidade com o juiz da causa? É uma das duas. Tertius
non datur.
O
senhor cobrou ou não cobrou uma manifestação tempestiva do MPF em resposta a
habeas corpus impetrado por réu? Essas são coisas bem específicas; sequer é
necessário ter boa memória. Em se tratando de um magistrado, doutor em direito,
tenho certeza que o senhor é capaz de recordar.
Em
síntese, ministro, o senhor disse ou não disse? Diretamente, sem
tergiversações. Sem “pode ser”, “talvez”, “entretanto”, “mas”, “contudo”,
“todavia”. Disse ou não?
Ministro,
o senhor sugeriu ou não que a operação envolvendo o almirante Othon ficasse
para o dia 20? Isso é bem específico. Dá pra lembrar.
Ministro:
o senhor é um grande defensor das delações premiadas. Foi o senhor quem colocou
essa locução nos dicionários midiáticos daqui. Seu projeto anticrime deixa isso
muito claro. Pergunto – e, de novo, isso é bem específico: o senhor foi ou não
contra a delação de Eduardo Cunha?
Ministro:
por que o senhor era contra uma delação de Cunha? Não foi sempre o senhor um
grande defensor das delações? Repito, porque isso é grave e eu gostaria mesmo
de saber. O Brasil quer saber. Por que o senhor não gostaria de uma delação do
ex-deputado Eduardo Cunha?
Ministro:
o senhor não entende como aconselhamento suas dicas sobre postura midiática a
Deltan e demais procuradores com base no que disse um apresentador de TV? Que
não se diga que não houve isso; o apresentador atestou.
Pausa.
De novo. Vejam o perigo de traçarmos a linha do absurdo sempre mais pra lá: um
apresentador de TV aconselha um juiz que aconselha um procurador sobre modos de
se portar na mídia.
Ministro
Moro: o senhor, assumidamente, inspirou-se na operação Mãos Limpas. Acontece
que, na Itália, o juiz que inspirou a operação era um juiz de instrução. O
senhor, então, inspirou-se em um juiz de instrução; isso é legítimo no sistema
acusatório?
Ministro,
essa é bem direta também: qual é a razão para a quebra de sigilo de um
jornalista?
Pronto.
É isso que precisamos saber. São essas respostas que o Brasil quer ouvir.
Ainda,
ao final, uma coisa: o senhor bancaria um projeto de lei no qual ficasse
estabelecido que condutas como essas da Lava Jato reveladas por Intercept e
divulgadas pela Folha e pela Veja, são perfeitamente lícitas e normais e que,
portanto, podem ser universalizadas, isto é, utilizadas em todos os fóruns e
tribunais da República? Podemos alterar o CPP nesse sentido, para que pelo
menos os advogados, a partir de agora, saibam como fazer? Poderão os advogados
também entrar nesse “jogo”? Eis a questão.
Lenio
Luiz Streck é jurista, professor de Direito Constitucional e pós-doutor em
Direito. Sócio do escritório Streck e Trindade Advogados Associados
Revista
Consultor Jurídico
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