Em 1851, na Convenção dos Direitos das Mulheres, em Akron,
nos Estados Unidos, Sojourner Truth, uma negra abolicionista, escritora e
ativista dos direitos das mulheres, foi responsável por um discurso capaz de
reconhecer e nomear privilégios. Ela narrou uma série de atividades que exercia
e que são consideradas masculinas, para então lançar uma pergunta retórica ao
final de cada estrofe: se, afinal, ela não seria mesmo uma mulher.
Sob a perspectiva da época, não parecia. “Olhem para meu
braço! Eu capinei, eu plantei, juntei palha nos celeiros e homem nenhum
conseguiu me superar! Eu não sou uma mulher? Eu consegui trabalhar e comer
tanto quanto um homem — quando tinha o que comer — e também aguentei as
chicotadas! E não sou uma mulher?”
Embora Truth tenha se manifestado há quase dois séculos, a
teorização do feminismo negro vai emergir num tempo já bem mais próximo dos
nossos dias, quando as mulheres começarem a se manifestar contra opressões
específicas — raça, classe e gênero. A dupla opressão vivenciada pelas mulheres
negras precisa ser narrada por elas mesmas, sem mediadores — sejam mulheres
brancas ou homens simpatizantes da causa.
“Ainda é muito comum dizer que o feminismo negro traz
cisões ou separações, quando é justamente o contrário. Ao nomear as opressões
de raça, classe e gênero, entende-se a necessidade de não hierarquizar
opressões”, escreve a filósofa Djamila Ribeiro, em seu livro O Que É Lugar de
Fala?.
Para a jornalista Juliana Gonçalves, uma das organizadoras
da Marcha das Mulheres Negras, de São Paulo, os preconceitos de raça e gênero
acontecem sempre ao mesmo tempo. “Historicamente mulheres brancas e negras
partem de lugares distintos, e isso vai influenciar na construção dos
estereótipos para compreender o que é um corpo branco e um corpo negro, e até o
que é belo, agradável, desejável. Nós discutimos encarceramento em massa, e
genocídio da população negra sob um viés feminista. O feminismo negro existe
para explorar assuntos que ainda não haviam sido colocados em pauta.”
As lésbicas, indígenas, asiáticas, trans também
multiplicam por dois a opressão. É a opinião de Lucy Delap. “O feminismo como
uma imposição ocidental, em particular a perspectiva de mulheres brancas, tem
sido um problema de longa data para o movimento. Não se trata apenas do acesso
de mulheres de classe média a melhores salários. Afinal, feminismo e sobre como
podemos imaginar um futuro diferente.”
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