Há dano existencial quando a prática de jornada exaustiva
por longo período impõe ao empregado um novo e prejudicial estilo de vida, com
privação de direitos de personalidade, como o direito ao lazer, à instrução e à
convivência familiar.
Esse foi o entendimento da 6ª Turma do Tribunal Regional
do Trabalho da 4ª Região (RS) ao determinar o pagamento de indenização de R$ 8
mil por danos morais a um motorista de caminhão.
Ele comprovou que trabalhava, em média, 16 horas por dia,
com intervalo de duas horas para refeições, e só tinha direito a folgas após 12
dias de trabalho. A decisão reforma, nesse aspecto, sentença da Vara do
Trabalho de Torres.
O motorista foi admitido em maio de 2010 e despedido sem
justa causa em novembro de 2013. Ao ajuizar a ação na Justiça do Trabalho,
alegou que prestava horas extras com habitualidade. Sua jornada, conforme
argumentou, ia, em média, das 6h às 22h, com intervalos de uma hora para almoço
e uma hora para janta.
Ele fazia viagens de Torres (litoral norte do Rio Grande
do Sul) a São Paulo, Goiânia e Belo Horizonte, conforme as solicitações da
empresa. Disse ainda que preenchia diários de bordo com uma jornada menor, por
ordens da empregadora, mas que os tacógrafos do caminhão demonstravam que ele
dirigia nos períodos alegados.
Essa jornada extensa teria prejudicado sua convivência
familiar e a satisfação de atividades de lazer e de outros projetos de vida, o
que caracterizaria o chamado dano existencial. Por isso, pleiteou, além da
quitação das horas extras, o pagamento da indenização por danos morais, como
reparação pelos danos causados pelas jornadas extenuantes.
Em primeira instância, o juízo da Vara do Trabalho de
Torres considerou que as jornadas estendidas, por si só, não caracterizam o
dano existencial e que a reparação, neste caso, seria apenas patrimonial,
consistente na quitação adequada das horas extras prestadas.
Dignidade da pessoa
humana
O relator do recurso do trabalhador ao TRT-4, desembargador
Raul Zoratto Sanvicente, explicou que o dano existencial é um tipo de dano
imaterial que atinge a pessoa e a impede de realizar atividades triviais, como
se relacionar, ampliar seus conhecimentos, descansar, enfim, usufruir da sua
existência de forma normal.
No Brasil, segundo o magistrado, essa ideia é expressa no
princípio da dignidade da pessoa humana, previsto pela Constituição Federal. Os
mecanismos para reparação em caso de lesão a esse princípio encontram-se no
Código Civil, que determina o dever de indenizar.
No caso do processo analisado, conforme Sanvicente, ficou
comprovado que o motorista frequentemente trabalhava em jornadas exaustivas, em
dias seguidos, sem folgas em finais de semanas e feriados, circunstâncias que o
impediam de usufruir da convivência com familiares e de estabelecer outras
relações.
"A possibilidade de que a empresa busque incrementar
seus lucros não pode implicar uma invasão do direito alheio à dignidade. O
conceito desse direito maior aqui invocado é amplo e abrange não somente a
vida, a saúde, mas também o lazer, o meio ambiente do trabalho e a segurança
(inclusive emocional) do indivíduo", argumentou.
No entendimento do magistrado, o excesso de horas extras
causa outros tipos de danos imateriais, independentemente do dano patrimonial
que ocorre quando essas horas trabalhadas não são quitadas corretamente.
"Entender que a prática reiterada de obrigar os
empregados ao cumprimento de jornadas de trabalho tão excessivas deva gerar
apenas o pagamento de horas extras é restringir à questão a uma visão
monetarista, inadmissível em se tratando de direitos sociais", avaliou.
"É evidente que nem sempre as horas extras de um
empregado farão com que seja sua existência atingida, mas há casos como o
presente, em que tais horas a mais de trabalho consistiam na própria rotina do
trabalhador, descortinando efetivo dano existencial", concluiu.
O acórdão foi proferido por maioria de votos no colegiado.
Também participaram do julgamento os desembargadores Fernando Luiz de Moura
Cassal e Beatriz Renck. A empresa já recorreu ao Tribunal Superior do Trabalho.
Com informações da
Assessoria de Imprensa do TRT-4.
Processo
0021636-76.2016.5.04.0211
Revista Consultor
Jurídico

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