A carta do ex-presidente preso sem provas não tem somente
o endereço de um grande amigo. É um documento para a história
Diz Celso Amorim ter sido honrado por ser o destinatário
da carta de Lula datada do dia 24 passado. O ex-ministro não deixa de acentuar
que se trata de um documento histórico destinado a todos os democratas que
almejam pela Justiça tão tragicamente humilhada e ofendida no Brasil.
Querido amigo,
A cada dia fico mais preocupado com o que está acontecendo
em nosso Brasil. As notícias que recebo são de desemprego, crise nas escolas e
hospitais, a redução e até mesmo o fim dos programas que ajudam o povo, a volta
da fome. Sei que estão entregando as riquezas do País aos estrangeiros,
destruindo ou privatizando o que nossa gente construiu com tanto sacrifício.
Traindo a soberania nacional.
É difícil manter a esperança numa situação como essa, mas
o brasileiro não desiste nunca, não é verdade? Não perco a fé no nosso povo, o
que me ajuda a não fraquejar na prisão injusta em que estou faz mais de um ano.
Você deve se lembrar que, no dia 7 de abril de 2018, ao me despedir dos
companheiros em São Bernardo, falei que estava cumprindo a decisão do juiz, mas
certo de que minha inocência ainda seria reconhecida. E que seria anulada a
farsa montada para me prender sem ter cometido crime. Continuo acreditando.
Todos os dias acordo pensando que estou mais perto da
libertação, porque o meu caso não tem mistério. É só ler as provas que os
advogados reuniram: que o tal tríplex nunca foi meu, nem de fato nem de
direito, e que nem na construção nem na reforma entrou dinheiro de contratos com
a Petrobras. São fatos que o próprio Sergio Moro reconheceu quando teve de
responder o recurso da defesa.
É só analisar o processo com imparcialidade para ver que o
Moro estava decidido a me condenar antes mesmo de receber a denúncia dos
procuradores. Ele mandou invadir minha casa e me levar à força para depor sem
nunca ter me intimado. Mandou grampear meus telefonemas, da minha mulher, meus
filhos e até dos meus advogados, o que é gravíssimo numa democracia. Dirigia os
interrogatórios, como se fosse o meu acusador, e não deixava a defesa fazer
perguntas. Era um juiz que tinha lado, o lado da acusação.
A denúncia contra mim era tão falsa e inconsistente que,
para me condenar, o Moro mudou as acusações feitas pelos promotores. Me
acusaram de ter recebido um imóvel em troca de favor, mas, como viram que não
era meu, ele me condenou dizendo que foi “atribuído” a mim. Me acusaram de ter
feito atos para beneficiar uma empresa. Mas nunca houve ato nenhum e aí ele me
condenou por “atos indeterminados”. Isso não existe na lei nem no direito, só
na cabeça de quem queria condenar de qualquer jeito.
A parcialidade dele se confirmou até pelo que fez depois
de me condenar e prender. Em julho do ano passado, quando um desembargador do
TRF4 mandou me soltar, o Moro interrompeu as férias para acionar outro
desembargador, amigo dele, que anulou a decisão. Em setembro, ele fez de tudo
para proibir que eu desse uma entrevista. Pensei que fosse pura mesquinharia,
mas entendi a razão quando ele divulgou, na véspera da eleição, um depoimento
do Palocci que de tão falso nem serviu para o processo.
O que o Moro queria era prejudicar nosso candidato e
ajudar o dele.
Se alguém ainda tinha dúvida sobre de que lado o juiz
sempre esteve e qual era o motivo de me perseguir, a dúvida acabou quando ele
aceitou ser ministro da Justiça do Bolsonaro. E toda a verdade ficou clara: fui
acusado, julgado e condenado sem provas para não disputar as eleições. Essa era
a única forma de o candidato dele vencer.
A Constituição e a lei determinam que um processo é nulo
se o juiz não for imparcial e independente. Se o juiz tem interesse pessoal ou
político num caso, se tem amizade ou inimizade com a pessoa a ser julgada, ele
tem de se declarar suspeito e impedido. É o que fazem os magistrados honestos,
de caráter. Mas o Moro, não. Ele sempre recusou a se declarar impedido no meu
caso, apesar de todas as evidências de que era meu inimigo político.
Meus advogados recorreram ao Supremo Tribunal Federal,
para que eu tenha finalmente um processo e um julgamento justos, o que nunca
tive nas mãos de Sergio Moro. Muita gente poderosa, no Brasil e até de outros
países, quer impedir essa decisão, ou continuar adiando, o que dá no mesmo para
quem está preso injustamente.
Alguns dizem que ao anular meu processo estarão anulando
todas as decisões da Lava Jato, o que é uma grande mentira, pois na Justiça
cada caso é um caso. Também tentam confundir, dizendo que meu caso só poderia
ser julgado depois de uma investigação sobre as mensagens entre Moro e os
procuradores que estão sendo reveladas nos últimos dias. Acontece que nós
entramos com a ação em novembro do ano passado, muito antes de os jornalistas
do Intercept divulgarem essas notícias. Já apresentamos provas suficientes de
que o juiz é suspeito e não foi imparcial.
Tudo que espero, caro amigo, é que a justiça finalmente
seja feita. Tudo o que quero é ter direito a um julgamento justo, por um juiz
imparcial, para poder demonstrar com fatos que sou inocente de tudo o que me
acusaram. Quero ser julgado dentro do processo legal, com base em provas, e não
em convicções. Quero ser julgado pelas leis do meu País, e não pelas manchetes
dos jornais.
A pergunta que faço todos os dias aqui onde estou é uma
só: por que tanto medo da verdade? A resposta não interessa apenas a mim, mas a
todos que esperam por justiça.
Quero me despedir dizendo até breve, meu amigo. Até o dia
da verdade libertadora. Um grande abraço do
Lula
Curitiba, 24 de
junho de 2019.
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