Peça 1 – o O DoJ e a Seção de
Integridade Pública
A
origem dos abusos judiciais, que se tornaram recorrentes na Lava Jato, está na
Seção de Integridade Pública do Departamento de Justiça dos Estados Unidos,
especializada em investigar crimes de autoridades públicas.
A
seção tem cerca de 36 procuradores, encarregados de supervisionar e aconselhar
os processos de governadores, prefeitos e legisladores, com ampla autoridade
dada pelo Departamento de Justiça, para garantir blindagem contra
interferências políticas.
Os
métodos empregados pelo DoJ foram integralmente copiados pela Lava Jato,
mostrando a eficácia dos cursos bancados pelo Departamento de Justiça para
juízes e procuradores brasileiros.
Dentre
eles, o mais ostensivo é o procurador Andrew Weismann, que participou de todas
as grandes investigações corporativas, incluindo a Petrobras.
Com
licença para matar a Seção de Integridade Pública, com respaldo todo do DoJ,
desenvolveu uma série de técnicas, amplamente incorporada pela Lava Jato.
Os
princípios abaixo foram compilados de uma apresentação de Rush Limbaugh, o
“Doutor Democracia”, âncora bem conhecido nos Estados Unidos (seu programa The
Rush Limbaugh Show, é transmitido por mais de 600 emissoras, com uma audiência
de 27 milhões de pessoas por semana).
1. Harmonia entre juiz e
procurador
Tem
que haver uma perfeita harmonia entre juiz e procurador. Diz ele que nos
tribunais federais, os procuradores têm controle total sobre o processo,
desequilibrando totalmente as possibilidades da defesa.
2. Uso da imprensa
Tem
que haver o uso eficiente da imprensa, usando a credibilidade natural da
instituição e consolidando a narrativa dos procuradores, prevalecendo-se do
fato de terem acesso total aos autos.
Para
consolidar a narrativa, há o uso de operações de impacto, abusivas. Menciona a
invasão, às 6 da manhã, da casa de uma testemunha do Russiangate, que estava
cooperando normalmente com a operação, com a força tarefa acompanhada por
equipes de televisão.
3. Ocultação de provas
Limbaugh
menciona diversas passagens em que procuradores esconderam provas que poderiam
beneficiar a defesa. Quando os promotores têm provas que podem mostrar
inocência por parte do acusado, eles são obrigados a entregá-las. Mas tornou-se
uma prática a ocultação de provas contrárias à acusação.
Alex
Kozinski, juiz-chefe do Tribunal de Apelações do Nono Circuito, explica o
método:
Os
agentes do governo geralmente têm acesso livre e sem restrições à cena do
crime, para que possam facilmente remover e esconder provas que possam
contradizer o caso da promotoria. A polícia geralmente fala primeiro com as
testemunhas e pode pressioná-las a mudar sua história para confirmar a teoria
do caso. Os promotores públicos podem, e freqüentemente fazem, ameaçar acusar
as testemunhas como cúmplices ou co-conspiradores se eles testemunharem
favoravelmente para a defesa. Como resultado, as potenciais testemunhas
excludentes invocam a Quinta Emenda para evitar problemas.
4. As delações premiadas
Como
explica Limbaugh, “quando eles te dão imunidade e quando eles te dizem que você
está livre de escândalos e que eles nunca virão atrás de você se você apenas
disser o que eles querem que você diga, todo mundo fará isso porque ninguém
quer o DOJ federal vindo atrás deles”. Há muitos relatos de testemunhas ou réus
que foram mantidos presos em condições precárias e ameaçados até aderir ao
conteúdo da delação proposta pelo procurador.
5. Parceria com escritórios de
advocacia
Os
abusos são levantados no decorrer do processo, mas nada ocorre com os
procuradores. Muitos deles deixam o cargo para trabalhar nos maiores
escritórios de advocacia. Ou seja, apavoram empresas e pessoas com seus métodos
arbitrários, depois se tornam sócios de grandes escritórios de advocacia que
trabalham na defesa de suas vítimas, assustadas com a possibilidade de serem
alvos do DoJ.
E
tome contratos de implementação de compliance, (e aí é minha opinião) que se
tornou um campo fértil para subornos e corrupção. Trata-se de um método simples
de governança, que consiste em mapear os processos internos de uma empresa e
definir instâncias de aprovação de contratos. Essa tecnologia, sem nenhuma
sofisticação, passou a ser oferecida a empresas em contratos miliardários.
Peça 2 – O caso Ted Stevens
O
senador republicano Ted Stevens, do Alaska, foi crucificado pelo DoJ em pleno
governo do republicano George W. Bush, com uma manobra que lembra em muito os
casos do triplex e do sítio de Atibaia.
Stevens
estava reformando sua casa. Na declaração de bens, alegou que a reforma ficou
em US$ 160 mil. Acontece que o trabalho realizado custou apenas US$ 80 mil. O
empreiteiro da obra enganou Stevens, como ficou demonstrado no decorrer do
processo. Mas os procuradores se aferraram à tese de que houve superfaturamento
para lavagem de dinheiro, e esconderam as provas da inocência de Stevens.
E,
aí, entra o fator deslumbramento, que acomete procuradores de lá e de cá, e os
subprodutos posteriores: visibilidade e possibilidade de serem contratados por
um grande escritório de advocacia.
Matthew
Friedrich, ex-chefe da Força-Tarefa da Enron, comandava a divisão criminal do
DoJ quando a Seção de Integridade Pública iniciou suas investigações. Percebeu
ali uma bela oportunidade de publicidade e decidiu assumir as investigações.
Afinal, Ted Stevens era popular, o mais antigo senador republicano, com mais de
40 anos no cargo.
Candidato
à reeleição em 2008, apenas quatro semanas antes das primárias, Friedrich
organizou uma coletiva de imprensa para acusá-lo. Stevens foi derrotado.
Quase
dois meses depois, um jovem agente do FBI, Chad Joy, que havia atuado no caso,
apresentou queixa ao Escritório de Responsabilidade Profissional do
Departamento de Justiça. Denunciava um relacionamento inadequado entre Bill
Allen (principal testemunha de acusação) e Mary Beth Kepner, a principal agente
do FBI no caso. Ele também revelou que o promotor Nick Marsh enviou a
testemunha-chave Rocky Williams de volta para o Alasca, ostensivamente por
motivos de saúde, sem avisar os advogados de defesa.
Era
um jogo tão pesado, que Joy pediu proteção oficial como denunciante e
apresentou um documento de 10 páginas mostrando que os procuradores sabiam
claramente que estavam ignorando suas obrigações profissionais de entregar à
defesa informações levantadas.
O
senador Stevens foi condenado em 27 de outubro de 2009 por sete crimes.
O
caso foi parar nas mãos do juiz federal Emmet G. Sulivan, que indicou uma
equipe de advogados para examinar os arquivos do caso.
Os
procuradores tinham como prova central declarações de Bill Allen, o dono da
empreiteira que fez o serviço, dizendo que os trabalhos não valiam US$ 80 mil –
menos da metade do que Stevens havia pago.
Os
promotores descobriram que efetivamente foram cobrados US$ 250 mil em reparos.
Mas a informação foi sonegada. Ante a posição do juiz, o novo procurador geral,
Eric Holder, tentou salvar a cara do Departamento, rejeitando o caso contra
Stevens.
O
juiz foi duro: “Em 25 anos de juiz, nunca vi má conduta como o que tenho
visto”. Foi um discurso de 14 minutos, mostrando as manipulações dos
procuradores, que liquidaram com a carreira política de Stevens e alertou para
a “tendência preocupantes” que ele havia notado entre os procuradores, de atropelar
as restrições éticas e esconder provas da defesa.
O
juiz nomeou Henry F. Schuelke, advogado de Washington, para investigar seis
promotores do Departamento de Justiça, incluindo o chefe e o vice-chefe da
Seção de Integridade Pública. Logo depois, Friedrick abandonou a carreira e foi
para um escritório de advocacia, escapando das punições.
Não
se travava de direita ou esquerda, mas da contaminação do Judiciário pelos
novos métodos. Tanto que Stevens foi crucificado pelo DoJ no governo Bush, e
inocentado no governo Obama.
Figuras-chave
dessa jogada foram mantidos em postos elevados no DoJ ou passaram a trabalhar
em grandes escritórios de advocacia.
O
senador Stevens morreu em um acidente de avião em 2010, antes de saber que
seria absolvido
A
senadora do Alasca Lisa Murkowski (R), tornou-se a principal patrocinadora do
Fairness na Disclosure of Evidence Act um projeto de lei para estabelecer em
lei a regra de Brady anunciada pelo Supremo Tribunal mais de meio século atrás,
obrigando que os advogados do governo forneçam aos advogados da parte todas as
informações do inquérito, antes de qualquer confissão.
Peça 3 – o caso Enroe
A
má conduta se repetiu no caso Enron, que inaugurou a ascensão desse perfil de
procurador sem limites, dos quais o mais emblemático é Andrew Weismann.
Recentemente ele foi transferido para o Russiangate, as investigações sobre a
interferência russa nas eleições americanas.
Tornou-se
o personagem principal do livro “Licensed to lie” (Autorizado a mentir), uma
ex-procuradora Sidney Powell que se tornou consultora de apelação de centenas
de casos. O livro é de 2014 e recheado de informações sobre o que ela chama de
corrupção no DoJ. Polêmica, e seguidora do pior discurso de ultradireita, a
favor das teorias antimigração da direita, Powell chegou a atribuir aos
imigrantes a propagação de “um vírus misterioso chamado “mielite flácida aguda”
ou AFM está varrendo o país (…)paralisa crianças e jovens adultos – muito
parecido com o poliovírus quase erradicado”.
Mesmo
assim, o livro é bastante documentado.
Diz
ela quem que milhares de páginas de transcrição de grande júri, relatórios do
FBI, entrevistas com testemunhas do caso Enroe, foram reduzidos a um resumo de
19 páginas, entregues à defesa.
Os
procuradores alegaram que não tinham material excludente – isto é, que poderia
abrandar a culpa dos acusados.
Foram
denunciados mais de 100 “co-conspiradores não declarados”, intimidando
testemunhas e advogados de defesa.
O
ex-tesoureiro da Enron, Bem Gilsan, declarou ter sido colocado em “uma gaiola
infestada de insetos, com apenas uma fenda de luz”. Foram três semanas de
solitária, e cinco meses na prisão, até que Gilsan aceitasse se tornar a grande
testemunha do processo.
Quatro
executivos da Merril Lynch foram considerados culpados de conspiração e fraude
eletrônica, e condenados por perjúrio e obstrução da Justiça. Só anos depois se
tornaram públicas as evidências de que a força=tarefa havia escondido provas
favoráveis aos réus.
Um
deles, de nome James Brown, foi enviado à prisão. Tempos depois descobriu-se
que a sentença estava incorreta. Na prisão, foi espancado por outros
presidiários. No período em que ficou preso, seu filho quase morreu em um
acidente de carro no Colorado. Transformado em inimigo público, a imprensa
tratou o caso com desdém, reforçando seu assassinato moral.
Para
convencer uma testemunha, a força tarefa acusou a esposa de Andrew Fastow, o
diretor financeiro, de evasão fiscal. Fastow passou a cooperar com o governo.
Peça 4 – O caso Andersen
Consulting
A
partir do caso Enron, a força tarefa do DoJ entrou com uma acusação contra a
Arthur Andersen, firma de auditoria, acusada de destruir “literalmente
toneladas” de documentos relacionados à Enroe.
Acontece
que a empresa não tinha o dever legal de manter rascunhos, materiais ou
documentos duplicados ou irrelevantes.
A
exemplo da Petrobras, em vez de acusar indivíduos envolvidos, acusaram a
própria empresa.
A
Arthur Andersen empregava 85 mil funcionários, atendendo a 2.300 empresas de
capital aberto. Em 2011, quando a Suprema Corte, de forma unânime, anulou a
condenação da empresa, ela já tinha sido expulsa do mercado.
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