Poucos
notaram. Ao completar um ano da sua injusta prisão no último domingo (07/04), o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva continua sob o controle daquele que foi
responsável por recolhe-lo a um quarto da Superintendência Regional (SR) do
Departamento de Polícia Federal (DPF), em Curitiba, na vã expectativa de
colocá-lo no ostracismo.
Sérgio
Fernando Moro, que como juiz ficou longe da imparcialidade que se exige dos
magistrados e se beneficiou com sua sentença, conquistando o cargo de ministro
da Justiça de um governo eleito graças ao afastamento de Lula da disputa
eleitoral, continua querendo manter o controle sob o ex-presidente. Aquele que,
preso, tornou-se o troféu político da Força Tarefa da Lava Jato.
Após
atuar como um verdadeiro juiz de instrução do inquérito acusatório, manobrando
para mantê-lo sob sua jurisdição ainda que não tenha demonstrado qualquer
relação da “suposta propina” a Lula com verbas desviadas da Petrobras, Moro não
se viu impedido de dar sentença no caso, condenando o réu em primeira
instância. Atuou ainda para permitir que os desembargadores do Tribunal
Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) apressassem a condenação em segundo grau.
Mesmo em férias, impediu o cumprimento de um Habeas Corpus, cuja legalidade foi
tardiamente reconhecida pelo ministro Luiz Roberto Barroso, do STF. Tudo para
manter o “troféu” distante do público.
Hoje,
na função de ministro da Justiça de um governo que só se elegeu por terem
retirado da disputa o político mais bem posicionado nas pesquisas eleitorais de
então, o ex-juiz exerce, ainda que indiretamente, o papel de carcereiro daquele
que condenou. Na função de ministro é quem manda na Polícia Federal. Portanto,
não podem ser vistas como meras coincidências as limitações que vêm sendo
impostas pela Superintendência do DPF no Paraná ao ex-presidente, hoje
reconhecido internacionalmente como um preso político.
Segundo
Lauro Jardim, Moro continua pressionando o STF.
Ao
que parece, Moro ainda age nos bastidores de Brasília para evitar qualquer
benefício ao preso que virou seu troféu. Tal como narrou domingo (07/04), na
sua coluna em O Globo, Lauro Jardim. Estaria, nos bastidores, mandando recados
ao Supremo Tribunal Federal para evitar que a corte reveja a posição de
autorizar prisões de réus antes do trânsito em julgado de suas sentenças. Algo
inconstitucional.
Por
conta de tais pressões é que dentro do PT houve certo alívio com o adiamento do
julgamento das duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs 43 e 44)
marcado para quarta-feira (10/04). Saíram da pauta sem previsão de retornarem à
mesma.
Este
julgamento provocará novo debate sobre o preceito constitucional da presunção
de inocência que impede a prisão de réus condenados antes do trânsito em
julgado de suas sentenças. Caso que torna a prisão de Lula inconstitucional.
passível de ser revista. Tudo o que Moro e os lavajatistas não desejam.
Entre
os petistas e muitos advogados há a forte impressão que as pressões de Moro
tiveram efeito dentro do Supremo. Admite-se que a ministra Rosa Weber, que
embora tenha se declarado a favor do preceito da presunção de inocência votou
autorizando a prisão após a condenação em segundo grau para seguir uma decisão
do colegiado, hoje estaria repensando sua posição anterior.
O
voto dela, somado ao dos ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco
Aurélio Mello, Celso de Mello e Dias Toffoli, cujas posições foram expressadas
em votações anteriores, garantiria o resultado de seis a cinco a favor do
preceito constitucional. Com isso não apenas Lula, mas milhares de presos
poderiam esperar em liberdade o final de seus processos.
STF
acovardou-se e cedeu às pressões
O
Supremo, como muitos já disseram, se acovardou diante da própria situação que
ele ao longo dos últimos tempos criou. Quer admitindo pressões individuais,
quer apavorando-se com críticas que lhes serão dirigidas. Suas omissões
contribuíram em muito para a eleição, em uma campanha dominada por fake-news,
de Jair Bolsonaro. Ou seja, tem sua cota de responsabilidade no desgoverno que
hoje todos assistem.
Agora
a corte se sente pressionada. Sabe que qualquer decisão que venha a tomar será
contestada por parte da população. Tudo por ter se permitido ao longo deste
tempo, com medo da chamada “opinião publicada”, atropelar a Constituição e
princípios básicos do Direito.
Calou-se
diante do atropelamento dos códigos e leis brasileiras pela Operação Lava Jato,
em nome do combate à corrupção. Permitiu que o processo de Lula continuasse na
vara de Moro, mesmo sem que este tivesse demonstrado ligações de uma possível
propina – jamais confirmada, pois não apontado o “ato de ofício” que a
justificasse – com dinheiro desviado da Petrobras. Único motivo que
justificaria a 13ª Vara Federal de Curitiba continuar com o caso.
A
par dessas e de outras questões, não menos graves, do processo que condenou
Lula – como a sua condução coercitiva, as gravações de conversas de seus
advogados e o vazamento de diálogos de Lula com a presidente Dilma Rousseff
para impedi-lo de continuar ministro do governo dela – descobriu-se outras
manobras da Força Tarefa da Lava Jato, de Curitiba.
Como
as pressões exercidas por seus membros sobre o próprio Supremo – tal como o
hoje ministro Moro estaria fazendo, segundo Jardim. Pressões não apenas por
conta das prisões após a condenação em segundo grau. Elas também surgiram
diante da discussão sobre a jurisdição da Justiça Eleitoral em casos de crimes,
corrupção inclusive, conexos aos crimes eleitorais. Tinham ocorrido, no final
do ano, quando o ministro Marco Aurélio Mello concedeu liminar fazendo valer a
presunção de inocência. Sua decisão acabou suspensa por medida monocrática -e,
por isso, em desacordo com o Regimento Interno da casa – do presidente do STF,
Dias Toffoli.
Veio
a público, ainda, a criação de fundos bilionários a serem manipulados de formas
diversas. Poderiam servir, inclusive, para solidificar campanhas e candidatos
para as próximas eleições. Fundos que seriam geridos de forma ilegal pela Força
Tarefa curitibana. Algo que parece ter assustado os ministros do Supremo.
Não
bastassem tais fatos, a Polícia Federal do governo Bolsonaro – ou seja,
comandada por Moro – endurece o jogo em Curitiba. Advogados que antes visitavam
Lula nos dias de semana sem maiores dificuldades, agora estão limitados a duas
horas de visita por dia: uma pela manhã e outra à tarde.
Ao
limite de horário soma-se o limite de visita dos defensores: dois por dia. Com
isso, não é mais possível ao preso, contra o qual foram abertos incontáveis
inquéritos, reunir-se com seus defensores ao mesmo tempo. Aqueles que o vêm
pela manhã terão que ser os mesmos que o visitarão à tarde.
Contra
essa medida decretada pelo superintendente, delegado Luciano Flores, a defesa
do preso recorreu ao diretor-geral do DPF, delegado Maurício Leite Valeixo.
Recurso que acabará chegando às mãos de Moro, caracterizando sua condição de
“carcereiro” do preso que condenou.
Também
foram impedidas as visitas religiosas de segundas-feiras, quando o preso
recebia, por apenas uma hora, líderes de religiões diversas, foram impedidas.
Agora, teoricamente só é admitida uma visita mensal, de um padre que o
ex-presidente desconhece. Mas é apenas teoricamente, pois este religioso jamais
o visitou. São sinais da possível preocupação do governo, do qual Moro é um
ícone, em manter o preso isolado. Temem que, mesmo trancafiado, ele comande a
oposição aos desmandos que todos assistem.
Sinais
que ficaram nítidos quando, desrespeitando a legislação, o impediram de se
despedir do irmão Vavá no enterro do mesmo. Ou quando estipularam que só
poderia permanecer por uma hora no velório do neto Arthur, como narramos em
Lula recusou imposições da PF para ver o neto.
Para
desespero de seus algozes, porém, o ex-presidente não foi abandonado. Prova
maior disso é a Vigília Lula Livre que permaneceu ativa nesses mais de 365
dias. No seu livro de registro já constam mais de 18 mil assinaturas, como
constatou o economista Eduardo Moreira ao registrar seu autógrafo no livro de
presenças, na segunda-feira (08/04). Sem falar em outras milhares de pessoas
que por ali passaram sem registrar a presença.
Registre-se
que foram muitas as tentativas para impedir a permanência da Vigília no entorno
da Superintendência Regional do DPF. Mas ela persistiu, inclusive driblando as
ameaças judiciais de proibi-las. Impedida de permanecer em via pública, hoje
ela se divide em um terreno alugado – ao lado do prédio da polícia – e a Casa
Marielle Franco, imóvel reformado pelos militantes do Movimento dos
Trabalhadores Sem Teto (MST), que serve de apoio aos manifestantes e abriga
diversas outras atividades.
Isonomia
entre diferentes
Para
tentar justificar as limitações impostas ao preso político, fala-se da
necessidade de isonomia do tratamento destinado a Lula aos demais presos que
povoam a carceragem da Superintendência.
Esquecem
diferenças fundamentais. Com direito legal a uma “sala de comando” pelo cargo
que ocupou, tal como reconhecido pelo próprio Moro na decisão precipitada que
determinou sua prisão, a Lula deveria ser permitido até mesmo receber mais
visitas do que as duas semanais impostas, em um único dia – quinta-feira – por
apenas uma hora.
Outra
diferença fundamental é seu isolamento. Os presos na carceragem convivem entre
si. Lula, permanece sozinho em uma sala de quinze metros quadrados. Nos finais
de semana e feriados encontra-se apenas com os agentes encarregados da
segurança da sala, os mesmos que o escoltam até o terceiro andar do prédio,
onde usufrui do banho de sol.
São
fatos que, somados aos desvios no andamento do processo, provocam críticas
internacionais ao Judiciário brasileiro, confirmando a posição de Lula como
preso político. Situações que colocam os ministros do Supremo – autoridades
máximas do Judiciário pátrio – na berlinda em que hoje se encontram. O que só
se agrava com o desrespeito da mais alta corte à presunção de inocência
prevista na Constituição.
Ao
acatarem a pressão popular, em outubro de 2016, e modificarem, por seis votos a
cinco, o entendimento anterior de que a pena só deveria começar a ser cumprida
ao fim e ao cabo do processo, o Supremo criou um problema para si mesmo.
Hoje
vive pressionado pelas duas correntes. A punitiva, que engloba os bolsonaristas
e a turma da direita, defendendo a prisão a qualquer custo. Do lado oposto, os
garantistas. Estes se escudam no princípio constitucional da presunção de
inocência para defender a prisão apenas com o trânsito em julgado. No meio dos
dois grupos está o destino do atual preso político da Lava Jato: o
ex-presidente Lula.
O
fato de o debate poder beneficiá-lo torna a questão mais difícil para o STF. Os
ministros devem ter claro que serão criticados qualquer que seja a decisão. Por
isso deve ter sido bem recebido na corte o pedido de adiamento feito pela nova
direção da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, apesar de as justificativas
para o mesmo soarem esdrúxulas: desconhecimento do processo.
Ganhar
tempo é o que o STF deseja, na expectativa de que o Superior Tribunal de
Justiça – STJ aprecie antes os recursos da defesa de Lula. Em tal julgamento há
chances concretas de, pelo menos, ocorrer uma redução da pena aumentada pelo
TRF-4. Aumento que visou apenas que o ex-presidente não se beneficiasse de
prescrições previstas legalmente pela sua idade. Ocorrendo a redução da pena,
Lula pode se beneficiar, por exemplo, de uma prisão domiciliar. Ocorrendo, ela
aliviará o debate dentro do STF. Mas não atenderá os anseios do preso, que quer
sair pela porta da frente, com o reconhecimento de sua inocência.
O
tempo também poderá ajudar a solidificar posições. O voto do ministro Alexandre
de Moraes, que em julgamentos recentes foi a favor da prisão após a condenação
em segunda instância, também é passível de modificações diante das peripécias
da Força Tarefa da Lava Jato que vieram a público. Ele pode se convencer, como
ocorreu com o ministro Gilmar Mendes, de que autorizar a prisão nesses casos é
abrir a porta para injustiças, quando não perseguições.
O
“pode ser preso”, que era para ser uma condicionante nas condenações a partir
do segundo grau de jurisdição, virou quase que obrigação aos olhos dos
punitivistas.
Ganhando
tempo, o Supremo tentará encontrar uma solução para a evitar maiores danos à
sua imagem. Algo difícil de se acreditar que ocorra, pois o que está em jogo é
a liberdade de uma liderança política reconhecida mundialmente. Quanto mais
demorarem a resolver o problema, mais injustiça estarão fazendo. Impondo ao
preso perdas sem possibilidade de reparação, pois não há como se devolver a
liberdade tolhida. Independentemente do tempo de duração da prisão.
Uma
liberdade que, como reconheceu o ministro Barroso, deveria ter valido em 8 de
julho, diante da liminar concedida pelo desembargador Rogério Favreto, do
TRF-4. Mas que por interferência de Moro – este, mesmo em férias, naquele
domingo ligou cinco vezes para a Polícia Federal – deixou de ser respeitada.
Curioso é um ministro do Supremo reconhecer, ainda que tardiamente, que a
decisão foi legal e com embasamento e nada ter acontecido a quem impediu seu cumprimento.
A
situação do Judiciário agrava-se, a cada dia que passa, para descontentamento e
desespero dos algozes do ex-presidente, na medida em que mais aumenta a
popularidade do atual preso político. Um sinal claro que mais se dissemina a
injustiça que lhe impuseram. Tal como ficou demonstrado nas manifestações
ocorridas no último domingo, quando da passagem do primeiro aniversário de sua
prisão. Não apenas em Curitiba, onde milhares de pessoas protestaram na porta
da Polícia Federal. Mas em diversas outras cidades brasileiras e de muitos
outros países, contribuindo para aumentar a pressão que já preocupa os
ministros do Supremo. Fica a questão: até quando suportarão isso?
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