O
ex-juiz Sergio Moro apresentou essa semana um documento com propostas de
alterações legislativas em 12 leis e nos códigos Penal e de Processo Penal,
para “estabelecer medidas contra a corrupção, crime organizado e crimes com
grave violência à pessoa”.
Em
toda história recente do Brasil, não me recordo de documento apresentado por
uma autoridade tão mal feito e descuidado. As alterações chocaram a comunidade
jurídica pela pobreza técnica e sistemática. O jurista e magistrado Marcelo
Semer, em entrevista ao site Vice, disse sobre a proposta que “os títulos dos
temas são publicitários, não jurídicos, não há indicação precisa das mudanças,
comparativos com leis atuais, nem uma só justificativa. É um trabalho escolar e
mal feito. Não chega a perto do nível de uma proposta de governo. Isso revelou
um amadorismo de certa forma surpreendente”.
Em
recente entrevista de Moro dada ao canal GloboNews fica mais evidente a
finalidade da pena e da punição no neoliberalismo. Disse lá o próprio ministro
que “aprovar medidas com apoio popular (como leis penais) mobiliza capital
político que pode ser usado para reformas vistas como menos populares, como a
reforma da Previdência”. Nada mais direto e objetivo.
Do
ponto de vista retórico, o documento tem como pressuposto a falsa ideia de que
o Brasil é o país da impunidade e que precisa de leis penais mais duras. É o
fetiche do normativismo ou o chamado populismo penal em sua plenitude política.
O país tem hoje a terceira população carcerária do mundo, ficando atrás apenas
de EUA e China. No entanto, de todos os países do ranking é o único em que o
encarceramento está em crescimento contínuo desde 1995. Em sua ampla maioria, o
encarceramento brasileiro tem um destinatário certo: jovens pobres e negros.
Outra
falsa premissa do documento de Moro é a de que é preciso mais leis e
endurecimento penal. Pura balela. De acordo com estudo da Associação
Latino-Americana de Direito Penal e Criminologia (Alpec), o Código Penal
brasileiro apresenta atualmente 1.688 hipóteses de crime. O estudo aponta ainda
que, entre 1940 (data da edição do Código Penal) e 1985 (fim da ditadura
militar), foram editadas 91 leis com conteúdo penal, ou seja, uma média de 2.07
leis penais ao ano. Já no período de março de 1985 a dezembro de 2011 foram
editadas 111 novas leis penais com conteúdo penal, o que resulta numa média de
4,27 leis penais ao ano. Ou seja, o Brasil, após a democratização, criminalizou
mais que o dobro em praticamente metade do tempo, em comparação com o período
da ditadura militar.
Chama
atenção a introdução da licença para matar dada por Moro quando estabelece
novas formas de legítima defesa para policiais e agentes de segurança pública.
A medida dificultará a responsabilização de agentes públicos que venham a
praticar crimes, basta lembrar que apenas no Estado do Rio de Janeiro, de
janeiro a novembro de 2018, 1.444 pessoas foram vitimas de homicídios cometidos
por policiais. É o maior número de vítimas desde que se passou a registrar
esses dados. A polícia brasileira está entre as mais letais do mundo e as
vítimas são em sua ampla maioria jovens pobres e negros.
Ao
ler o documento, não encontrei nenhuma preocupação ou medida prática de gestão
para que o sistema carcerário brasileiro absorva essas inócuas mudanças. Os
governadores deveriam perguntar de onde sairá o dinheiro para essa nova onda de
encarceramento em massa que a proposta de Moro vai criar. Aliás, deveriam ser
dadas respostas agora para o caos no sistema penitenciário. Mas, nada disso
parece preocupar o ministro. A proposta de Moro praticamente acaba com a
progressão da pena e estimula prisões automáticas, sem justificativa e
fundamentação.
Ao
nominar grupos que atuam nos presídios, Moro foi grotesco e demonstra uma
irresponsabilidade preocupante, além de um amadorismo brutal. Eternizar nomes de
facções e grupos no próprio texto da Lei é uma propaganda gratuita para o
aumento do aliciamento de novos integrantes. Em resumo, a proposta ao mesmo
tempo em que aumenta a população carcerária, já indica para os novos
integrantes do sistema os grupos e facções que devem escolher.
Concordo
com o ministro Marco Aurélio o STF quando, ao criticar a proposta de Moro,
levantou preocupações para além do mero punitivismo barato e populista. De
fato, compreender as razões da violência e do sistema penal exige seriedade,
estudo e aprofundamento interdisciplinar. É preciso entender que educação,
melhores condições de trabalho e renda, esperança e perspectiva de vida são
antídotos muito mais eficazes do que qualquer lei penal. A proposta do Código
Moro é um mero embuste que trará mais violência, sofrimento e dor para milhões
de brasileiros.
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