Peça 1 – a visão do
punitivista
No direito há duas linhas em relação às condenações: os
punitivistas, que advogam que punições severas são essenciais para combater a
criminalidade; e os garantistas, que privilegiam os direitos individuais.
Enquanto a discussão é entre acreditar ou não na
possibilidade de regeneração do réu, fica-se no campo da moral.
O grande problema do punitivismo é a incapacidade de
entender o todo, a cadeia alimentadora da criminalidade. Para os punitivistas
basta a expectativa de pena maior para todos os problemas serem resolvidos.
Qualquer tentativa de inserir a questão social na discussão é vista como
benefício aos criminosos, quando está no centro do enfrentamento do crime.
Essa visão monotemática já vigorou nas empresas
brasileiras por bom período. Com o tempo, tanto empresas quanto o setor público
aprenderam a trabalhar de forma sistêmica, interdepartamental,
interministerial, analisando problemas de diversos ângulos e montando
estratégias complexas de enfrentamento.
Especificamente nos temas ligados à segurança pública, as
discussões se aprofundaram muito nas últimas décadas, através de grupos de
estudo de especialistas, de academias da Polícia Militar, de instituições de
ensino.
Mas sucessivos governos federais não lograram avançar um
milímetro. No governo Dilma, o Ministro José Eduardo Cardoso, mesmo após a
experiência exitosa da Copa do Mundo, não deu um passo sequer na integração com
as polícias estaduais. Depois do golpe do impeachment, o primeiro Ministro da
Justiça de Temer, Alexandre Morais, montou um plano centrado no combate à
violência contra a mulher – tema que exige acompanhamento territorial e, por
isso mesmo, afeito aos estados e municípios, jamais à União. Em quase todos os
casos, os Plano eram apenas uma carta de boas intenções.
O último ministro Raul Jungman publicou seu Plano com
generalidades dessa ordem:
Art.5°. A PNaSP será implementada por estratégias que
garantam a integração, coordenação e cooperação federativa, interoperabilidade,
liderança situacional, modernização da gestão das instituições de segurança
pública, valorização e proteção dos profissionais, complementaridade, dotação
de recursos humanos, diagnóstico dos problemas a serem enfrentados, excelência
técnica, avaliação continuada dos resultados e garantia da regularidade orçamentária
para execução de planos e programas de segurança pública.
Mas, com o Ministro Sérgio Moro, políticas de segurança
acabaram submetidas a um bacharelismo monotemático sem nenhuma atenção ao todo,
nenhuma preocupação estruturante maior.
Peça 2 – a cadeia
produtiva do crime
Simplificadamente, a economia da droga segue o seguinte
percurso:
1- Produção da matéria prima, nos rincões ou em países
vizinhos.
2- Logística, o transporte, por barcos fluviais,
transportadoras.
3- Refino, no qual se exige investimento para a compra de
produtos químicos.
4- Os atacadistas, que distribuem internamente a droga
para os varejistas, ou exporta para outros países.
5- O varejo, com ocupação territorial.
Hoje em dia o sistema é suficientemente sofisticado, tendo
várias peças em cada etapa. Com isso, permite o aparecimento de empreendedores,
empresários do crime que conseguem juntar as diversas pontas e montar seu
negócio. O intermediário é o doleiro, que procura investidores interessados em
negócios de alto risco.
Obviamente tudo isso passa pelo sistema financeiro.
As organizações criminosas controlavam a ponta final, da
distribuição. Com o tempo, perceberam que, pelo menos para a venda interna,
tinham uma vantagem enorme sobre os demais elos. E passaram a investir nas
demais pontas da cadeia.
Há dois pontos centrais para minar seu poder:
1- Cortar o fluxo de dinheiro. Para tanto, existe o COAF
(Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e a Receita identificando o
fluxo e as formas de lavagem.
2- Minar seu controle territorial e sua capacidade de
aliciar soldados do crime.
Aí se passa a entender melhor as falhas da Lei Anticrime
(existe Lei Prócrime?) de Sérgio Moro.
Peça 3 – o exército
do crime
Hoje em dia, o crime se propaga em dois ambientes
específicos:
1- O território.
Local controlado pelas organizações criminosas, que
fornecem a mão-de-obra para a expansão das vendas.
2- Os presídios.
Hoje em dia, a maioria deles serve de escritório para
facções do crime. E é o lugar ideal para aliciamento de jovens.
É nesses dois territórios que reside a força maior das
organizações criminosas: o controle do varejo, da venda final do produto.
Quais as ações
óbvias para cada um desses pontos:
O território
As organizações criminosas controlam territórios em que há
carência de Estado. E aliciam jovens sem perspectiva de trabalho e sem áreas de
convivência social – como escolas, espaços culturais, quadras esportivas.
Portanto, o ataque aos territórios pressupõe não apenas
polícia, mas áreas de desenvolvimento social (Bolsa Família), programas de
apoio à juventude, intervenções urbanas e estímulos para desenvolvimento
econômico da região. Obviamente, trabalho de longo prazo, que não se resolve em
uma canetada. Exige um plano interministerial, envolvendo educação, esportes,
Ministério das Cidades, programas assistenciais, estímulos à economia formal.
Como o plano é federal, o papel da União é articular essas
ações com Estados e Municípios. Nos governos Lula e Dilma, foram lançados
programas de parceria entre União-estados-municípios, especialmente as regiões
metropolitanas. Esse florescimento da parceria federativa acabou se perdendo na
crise.
Os presídios
Há dois desafios terríveis, da economia subterrânea que se
desenvolveu com a indústria dos presídios e dos serviços terceirizados.
Hoje em dia, os presídios públicos se equiparam aos
Detrans estaduais como zona de controle da economia informal. Já a
terceirização da gestão de presídios abriu espaço para o aparecimento de
verdadeiras organizações criminosas, explorando de forma irresponsável os
serviços.
O mais notório dos empresários do setor, Luiz Gastão
Bittencourt, cearense, especializou-se em criar empresas de terceirização,
valer-se de influência política, conquistar a administração de presídios e
acumular passivos trabalhistas e fiscais. Depois, fecha a empresa, abre outra e
continua com os mesmos presídios.
As últimas grandes matanças ocorreram em presídios
administrados por ele. No maior massacre, 56 pessoas mortas no Complexo
Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus, administrado pela Ummanizare – empresa
de Luiz Gastão – descobriu-se que o diretor recebia dinheiro das facções para
facilitar a entrada de drogas e celulares.
Atualmente, Luiz Gastão atua como interventor do
Senac-Rio, administrando orçamento de R$ 1 bilhão, com ampla verba publicitária
que praticamente o blindou das denúncias.
Peça 4 – o
punitivismo e o princípio da insignificância
Mas o maior alimentador das facções criminosas é o
punitivismo celebrado por Sérgio Moro e pelos tribunais.
Hoje em dia, a maior atividade do Ministério Público,
Polícia e Justiça, em relação às drogas, é deter jovens com pouca quantidade de
droga é enquadrá-los na categoria de traficantes. É jogo fácil – basta o
flagrante -, enriquece as estatísticas, prendem-se anônimos, sem risco e sem
trabalho. Desde que houve alteração da lei, para separar traficante de usuário,
o sistema resolveu facilmente a questão, enquadrando os usuários na categoria
de traficantes.
Não é preciso muito tirocínio para saber o destino de um
jovem criminalizado por infrações menores. Não apenas estará marcado para
sempre como, no presídio, será facilmente aliciado pelas organizações
criminosas. Por bem ou por mal.
Nos tribunais, hoje em dia, a maior parte das penas é para
crimes contra o patrimônio. E, cada vez mais, o princípio da insignificância –
pelo qual, uma pessoa não deve ser condenada por furtos em valores irrisórios –
é deixado de lado, em favor de um punitivismo cego.
Reginaldo de Almeida Moura foi preso por crime contra o
patrimônio. Ele foi condenado pelo juiz a 1 ano, 4 meses e 10 dias de reclusão,
em regime semiaberto, por ter roubado um pacote de café, da marca Três
Corações, e um Salame, da marca Seara, conforme a descrição minuciosa do
Boletim de Ocorrência. Benevolente, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais
reduziu a pena para 1 ano, 3 meses e 5 dias.
Foi para o Superior Tribunal de Justiça. A Ministra Maria
Thereza de Assis Moura considerou a reincidência, pois ele havia sido detido,
antes, por porte de droga para consumo próprio. O habeas corpus foi negado.
O douto Ministro Dias Toffoli, no Supremo Tribunal
Federal, negou HC para o réu reincidente, por furto de bermuda de R$ 10,00 (dez
reais).
Anos atrás, a Ministra Ellen Gracie, de notória atuação
como advogada (depois de deixar o STF) negou HC para um terrível miliciano que
furtou oito garrafas de cerveja e um outro que furtou um aspirador de pó.
O resultado desse punitivismo é:
1- Aumento dos gastos públicos, pelo aumento da população
carcerária. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, um preso custa ao país R$
2,4 mil por mês, enquanto um aluno custa R$ 2,2 mil.
2- Entregar aos presídios, e às universidades do crime,
mais pessoas para serem aliciadas.
Peça 5 – a indústria
dos presídios
Eleito governador do Rio de Janeiro, o primeiro ato do
ex-juiz Wilson Witzel foi correr a Israel para acertar compras de equipamentos.
Iria acompanhado pelo notório Flávio Bolsonaro, não fossem as notícias do COAF.
Agora, em um estado totalmente quebrado, anuncia a
construção de dez presídios verticais, cada qual ao custo de R$ 80 milhões.
No plano gerencial, trombou com todos os estudos sobre
políticas de segurança – que defendem a integração entre as polícias -,
propondo a transformação da Polícia Civil e da Militar em Secretarias.
Integração, gestão, exige conhecimento, não resulta nem em
inaugurações grandiosas, nem nas facilidades abertas pelos grandes contratos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário