Em
sua Oração aos Moços, há 100 anos, Rui Barbosa afirmou: “Justiça atrasada não é
justiça; senão injustiça qualificada e manifesta.”
Fernando
Haddad não foi propriamente vítima da lentidão da Justiça, mas de uma situação
jurídica que tem resultado equivalente:
As
denúncias do Ministério Público apresentadas pela imprensa como se fossem
condenações definitivas.
Em
setembro, Haddad foi denunciado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro,
duas semanas depois de ter sido registrado como candidato na chapa de Lula.
Ele
ocupava o lugar de vice, mas já se sabia que, caso a justiça eleitoral
rejeitasse o registro da candidatura de Lula, Haddad seria o candidato a
presidente.
A
denúncia provocou um desgaste grande na campanha do PT.
O
Jornal Nacional, da Globo, deu destaque à notícia, com sua inclusão entre as
manchetes.
A
Folha de S. Paulo, O Globo e o Estadão noticiaram na primeira página, e as
rádios divulgaram a denúncia com estardalhaço.
Três
dias depois, Haddad estava sentado na poltrona da Globonews, e Merval Pereira,
o jornalista de confiança da família Marinho, usou a denúncia para atacar
Haddad.
“O
senhor também responde a casos de corrupção. Eu vou ler aqui porque a relação é
grande. O Ministério Público de São Paulo acusa o senhor de corrupção passiva,
lavagem de dinheiro, associação criminosa, caixa 2, improbidade administrativa.
A construtora UTC teria pago uma dívida de dois milhões e seiscentos mil reais
da sua campanha à prefeitura de São Paulo, em 2012″, disse.
Em
seguida, perguntou: “O senhor tem uma explicação para esses processos todos ou
vai dizer que é uma perseguição política?”
Haddad
retrucou:
“Você
está falando da minha honra, e é muito pior”.
Merval
se escorou na desculpa clássica do jornalista:
“Não
sou eu, é o Ministério Público”.
E
o Ministério Público não erra?
Erra,
e erra muito, mas hoje os promotores, na prática, são muito pouco cobrados, e
muito em função de uma aliança tácita com a imprensa.
Os
promotores vazam as informações, e os repórteres batem. Todos se protegem.
“Nunca
me senti à vontade para fazer matérias com base no que dizem os promotores. Não
gosto de fazer o papel de porrete do Ministério Público”, disse-me um
jornalista incomodado com as pautas que lhe eram entregues.
Hoje,
ele já não trabalha mais nas redações. Cansou.
Procuradores
e promotores, sob holofote de jornalistas amigos (ou cúmplices), concentram
poder decisivo e impróprio em uma democracia.
O
caso Haddad é um bom exemplo.
Ele
foi denunciado ao mesmo tempo em que, no Rio de Janeiro, o Ministério Público
sonegava informações negativas sobre Fabrício Queiroz e também Flávio
Bolsonaro.
Em
outubro, se realizou uma operação que levou à prisão deputados estaduais
acusados de receberem propina para votar ou deixar de votar projetos.
Deputados
que não foram presos acabaram citados como suspeitos de operações financeiras
atípicas.
Flávio
Bolsonaro, estranhamente, não.
Dois
dias antes da operação, o senador demitiu Fabrício Queiroz, um indício de que
havia sido avisado da operação.
Com
campanha baseada na farsa de que combatia a corrupção, os Bolsonaros foram
beneficiados.
Flávio
Queiroz só apareceria no noticiário em novembro, depois da eleição deles.
Já
Haddad teve que se explicar mais de uma vez, em plena campanha eleitoral.
Só
agora é que o Tribunal de Justiça de São Paulo diz que a denúncia contra ele
não descreve a vantagem que um empreiteiro corrupto teria tido com o pagamento
da suposta propina.
Foi,
portanto, denúncia inepta.
Os
jornalistas poderiam ter atentado para falhas como essa ou, pelo menos,
advertido para a impropriedade de uma denúncia na boca da urna.
Mas
preferiram atacar o alvo comum e agora, como fez Merval, se escudar no Ministério
Público.
“Não
sou eu, é o Ministério Público”.
Foi
ele, sim, que jogou lama, mas o Ministério Público tem costa bem larga, e
jornalistas e promotores se entendem.
Uns
lavam as mãos dos outros, enquanto suas vítimas tentam se livrar das pedradas.

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