Enquanto
avulta a especulação sobre até quando Jair Bolsonaro resistirá, seu governo de
extrema-direita está realizando um trabalho subterrâneo para a tomada de
grandes parcelas da floresta virgem amazônica pelos grupos mais empenhados do
agronegócio.
Um
espectro assombra as elites brasileiras. Ele se chama Lula – o ex-presidente e,
nos últimos nove meses, um dos prisioneiros políticos mais notórios do mundo,
dada sua enorme popularidade e a controvérsia sobre sua condenação e
encarceramento.
O
Brasil, que até recentemente era um dos líderes do Sul Global, membro dos BRICS
e oitava maior economia do mundo, dança perigosamente sobre o abismo: À
performance altamente criticada do presidente Bolsonaro em Davos, vêm
acrescentar-se detalhes dramáticos sobre as ligações perigosas entre o clã
Bolsonaro e um dos mais notórios sindicatos do crime no Rio, sem mencionar o
veto da Arábia Saudita às importações brasileiras de carne, resultado direto da
promessa do novo presidente de transferir a Embaixada brasileira para
Jerusalém.
Tudo
isso volta os holofotes para o autocrata que está à espera; o vice-presidente e
general aposentado Hamilton Mourão.
Para
os financistas e o poderoso lobby do agronegócio que desempenharam um papel
fundamental em sua eleição, Bolsonaro traz embaraços e torna-se dispensável.
Mourão já disse que Ernesto Araujo, o novo ministro das Relações Exteriores, -
um medíocre diplomata de baixo escalão, subserviente a um dos filhos de
Bolsonaro - não foi capaz de formular a complexa política externa brasileira.
Como
se não bastasse, o embaixador alemão Georg Witschel, em uma visita a Mourão,
fez questão de salientar que não apenas Berlim, mas também as autoridades da
União Européia em Bruxelas, ficaram chateadas ao ver o Brasil liderado por
alguém com tão pouco respeito pelos direitos humanos, e isso bem no meio das
negociações para um Pacto de Livre Comércio entre o Bloco Comercial
Sul-Americano Mercosul e a UE.
Em
São Paulo - capital financeira da América Latina – propaga-se o rumor de que um
"golpe brando" em câmera lenta poderia estar em andamento para
remover o novo presidente. Um documentário explosivo está prestes a ser
transmitido pela poderosa Rede Globo mostrando, com a ajuda de especialistas
americanos, que o “esfaqueamento” sofrido por Bolsonaro em setembro passado,
durante sua campanha presidencial, foi, na verdade, um ardil publicitário.
Tudo
parece desaguar em um caminho já trilhado: A eterna negociação entre militares
e o império midiático da Globo, que, ao lado de Washington, apoiou ferozmente o
golpe de 1964, resultando em uma ditadura militar de 21 anos. Isso levou à
especulação sobre a possível emergência de Mourão como presidente.
Nessa
hipótese, a pacificação das massas em benefício da reconciliação nacional pode
até envolver a libertação de Lula para alguma forma de prisão domiciliar. Mas
tudo isso ocorre em meio a conversas sobre mais privatização de empresas
estatais.
Mas
como chegamos a isso?
Expulsar os “comunistas”
O
pai do general Mourão foi um ator importante do golpe de 1964 e seu filho,
Hamilton Mourão sempre foi um adversário ferrenho dos dois presidentes, Lula e
Dilma Roussef. Em 2017, ele disse que chegara o momento de mais um golpe
militar. Imediatamente após a vitória de Bolsonaro-Mourão, ele jurou que o
Presidente Nicolas Maduro seria derrubado e que o Brasil iria enviar uma força
de “paz”. Bolsonaro fora até obrigado a frisar que Brasília não cogitava uma
guerra contra Caracas.
As
forças armadas brasileiras devem ser analisadas pelo ângulo do “terrorismo
nunca mais”. O site Ternuma explica como os "comunistas", após o fim
da ditadura militar em 1985, de "criminosos" tornaram-se
"heróis" e de "terroristas" viraram "idealistas
políticos", sempre saudados pela mídia. A “democracia” brasileira por ser
tida como imposta, é desprezada, refém da “falsa política dos direitos humanos”
e os sem-teto e os sem-terra são devidamente criminalizados.
Este
ódio a todas as vertentes da esquerda combina-se com o lema “O Brasil acima de
tudo, Deus acima de todos” - que não por acaso foi reapropriado da Brigada de
Paraquedistas do Exército e tornou-se o mantra de campanha de Bolsonaro. Tanto
Bolsonaro quanto Mourão são ex-paraquedistas.
Um
coronel, Claudio Casali, explicou como o lema - ressurgido nos últimos anos -
foi cunhado em 1968 por um grupo de paraquedistas nacionalistas, enquanto a
ditadura militar estrangulava a cultura e a mídia.
O
lema fez combustão nos quartéis militares, mais uma vez, durante o primeiro
mandato de Dilma Rousseff que, em uma tentativa de apagar o incêndio político, foi
forçada a nomear Celso Amorim, o ex-ministro de Relações Exteriores de Lula -
recentemente entrevistado pelo Asia Times - como ministro da Defesa.
Antes
mesmo da reeleição de Dilma no final de 2014, Bolsonaro visitou a elite da
Academia Militar das Agulhas Negras, prometendo “consertar” o Brasil. Toda a
cadeia de comando militar apoiou-o entusiasticamente.
Foco na Floresta Amazônica
O
que os militares brasileiros realmente pensam está claramente exposto em seu
site, estritamente ligado a um poderoso grupo de generais - entre eles Augusto
Heleno, Eduardo Villas-Boas, Sergio Etchegoyen e Mourão. O atual comandante das
forças terrestres brasileiras é o padrinho de Etchegoyen. Essa elite militar
medita sobre a melhor via de promoção do Exército brasileiro sob o governo de
Bolsonaro e até mesmo consegue inverter a Teoria da Guerra Híbrida, analisando
as formas pelas quais os "comunistas" se aproveitaram de suas
técnicas.
O
que aconteceu foi que o “golpe” por etapas de 2016/18 no Brasil revelou-se ser
a forma mais sofisticada de Guerra Híbrida já implantada pelo poder
judiciário-policial-militar e seus aliados financeiros, empresariais e
midiáticos, levando ao impeachment da Presidente Dilma por meio de acusações
inconsistentes e à prisão de Lula sem evidências concretas de corrupção.
Previsivelmente,
o debate intelectual nas academias militares brasileiras reflete o dos Estados
Unidos, incluindo a reapropriação da MOUT - Operações Militares em Ambiente
Urbano, concebida pela Rand Corporation - e aplicada pelo exército da OTAN do
Presidente Macron contra as manifestações dos Gilet Jaunes ou Coletes Amarelos
na França.
Podemos
estar entrando agora em uma nova e perigosa fase da Guerra Híbrida - como os
militares brasileiros a interpretam. Discuti isso extensivamente com um dos
principais especialistas brasileiros, o antropólogo de guerra Piero Leirner,
professor da Universidade Federal de São Carlos. Leirner me contou como as
forças armadas realmente acreditam que devem “militarizar” os fazendeiros para
combater uma suposta aliança guerrilheira do Partido dos Trabalhadores com o
PCC, sindicato do crime organizado - uma noção absolutamente espúria.
A
latitude a partir da qual se deve observar o Brasil é uma região saída
diretamente do Coração das Trevas de Joseph Conrad, situada ao redor de São
Gabriel da Cachoeira, na margem norte do Rio Negro, o terceiro maior município
do Brasil, e o segundo maior no imenso Estado do Amazonas.
Imagine
uma imponente torre de vigilância coberta por densas florestas tropicais a não
menos de 1.100 km de Manaus, capital do Estado. Não por acaso, a região do Alto
Rio Negro está muito próxima das fronteiras colombiana e venezuelana. Há uma
Brigada do Exército solitária no local; não é exatamente o que se precisa para
uma "invasão" da Venezuela. Além disso, a selva é implacável –
somente um desembarque aéreo é viável.
E,
no entanto, para os militares, essa fronteira extrema e erma pode ser
transformada em um dos Bálcãs brasileiros. Por quê? Porque poderia desembocar
em confrontos de terras na floresta estimulando provavelmente conflitos com os
indígenas Yanomami.
Em
sintonia com as promessas de campanha de Bolsonaro de abrir a Amazônia ao
agronegócio - pesadelo dos ambientalistas do mundo inteiro - Leirner diz que as
forças armadas parecem estar preparando o terreno para a ocupação dessas
florestas virgens por poderosos fazendeiros gaúchos do sul profundo do país. As
grandes gestoras de ativos, BlackRock, State Street e Vanguard, são as
principais acionistas dos cinco maiores agronegócios já em operação na Amazônia.
Coturnos prontos para agir
Além
da Amazônia, os militares brasileiros continuarão projetando poder em sua
esfera de influência geopolítica do Atlântico Sul; nos Andes, na África e no
Caribe. O general Heleno foi enviado ao Haiti como comandante das forças de paz
da ONU. Ele também foi o maior comandante da floresta amazônica.
Os
mais graduados generais têm cargos ministeriais importantes no governo
Bolsonaro. Segundo Leirner, nada menos que 20% do escalão superior está agora
totalmente empregado. Nesta quarta-feira, o general Villas-Boas foi nomeado
conselheiro especial de Heleno, o Ministro do Gabinete de Segurança
Institucional, conhecido por sua sigla GSI. O GSI é o braço da inteligência do
governo federal. Heleno é o estrategista chefe de Bolsonaro.
Bolsonaro
nunca teve vergonha de defender os crimes da ditadura militar, e muito menos de
exaltar torturadores notórios no Congresso. Sua popularidade e habilidade em
manejar as redes sociais causaram grande impressão dentre os principais
generais - que o identificaram como o homem perfeito para trazê-los de volta ao
poder.
Eles
sabiam que Bolsonaro sofria de várias imperfeições e que estar de volta ao
controle total seria apenas uma questão de tempo. No entanto, problemas podem
surgir do fato de que, como Leirner enfatiza, Mourão é apenas um técnico e
carece do apelo carismático de Bolsonaro.
Embora
os militares brasileiros exibam diferentes graus de nacionalismo, todos se
aliam em torno de um forte corporativismo. A questão é se eles serão capazes de
superar a marca registrada do país, a saber, a alienação e a mentalidade
subimperial de uma antiga colônia esclavagista que ainda não atingiu a
consciência hegemônica de sua grandeza como parte de um mundo multipolar
emergente.
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