Leia
na íntegra a carta de despedida de Jean Wyllys, que deixará o cargo de deputado
e também o Brasil por causa de ameaças de morte:
À
Executiva
do Partido Socialismo e Liberdade – PSol
Queridas
companheiras e queridos companheiros,
Dirijo-me
hoje a vocês, com dor e profundo pesar no coração, para comunicar-lhes que não
tomarei posse no cargo de deputado federal para o qual fui eleito no ano
passado.
Comuniquei
o fato, no início desta semana, ao presidente do nosso partido, Juliano
Medeiros, e também ao líder de nossa bancada, deputado Ivan Valente.
Tenho
orgulho de compor as fileiras do PSol, ao lado de todas e todos vocês, na luta
incansável por um mundo mais justo, igualitário e livre de preconceitos.
Tenho
consciência do legado que estou deixando ao partido e ao Brasil, especialmente
no que diz respeito às chamadas “pautas identitárias” (na verdade, as
reivindicações de minorias sociais, sexuais e étnicas por cidadania plena e
estima social) e de vanguarda, que estão contidas nos projetos que apresentei e
nas bandeiras que defendo; conto com vocês para darem continuidade a essa luta
no Parlamento.
Não
deixo o cargo de maneira irrefletida. Foi decisão pensada, ponderada, porém
sofrida, difícil. Mas o fato é que eu cheguei ao meu limite. Minha vida está,
há muito tempo, pela metade; quebrada, por conta das ameaças de morte e da
pesada difamação que sofro desde o primeiro mandato e que se intensificaram nos
últimos três anos, notadamente no ano passado. Por conta delas, deixei de fazer
as coisas simples e comuns que qualquer um de vocês pode fazer com
tranquilidade. Vivo sob escolta há quase um ano. Praticamente só saía de casa
para ir a agendas de trabalho e aeroportos. Afinal, como não se sentir
constrangido de ir escoltado à praia ou a uma festa? Preferia não ir, me
resignando à solidão doméstica. Aos amigos, costumava dizer que estava em
cárcere privado ou prisão domiciliar sem ter cometido nenhum crime.
Todo
esse horror também afetou muito a minha família, de quem sou arrimo. As ameaças
se estenderam também a meus irmãos, irmãs e à minha mãe. E não posso nem devo
mantê-los em situação de risco; da mesma forma, tenho obrigação de preservar
minha vida.
Ressalto
que até a imprensa mais reacionária reconheceu, no ano passado, que sou a
personalidade pública mais vítima de fake news no país. São mentiras e calúnias
frequentes e abundantes que objetivam me destruir como homem público e também
como ser humano. Mais: mesmo diante da Medida Cautelar que me foi concedida
pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, reconhecendo que
estou sob risco iminente de morte, o Estado brasileiro se calou; no recurso,
não chegou a dizer sequer que sofro preconceito, e colocaram a palavra
homofobia entre aspas, como se a homofobia que mata centenas de LGBTs no Brasil
por ano fosse uma invenção minha. Da polícia federal brasileira, para os
inúmeros protocolos de denúncias que fiz, recebi o silêncio.
Esta
semana, em que tive convicção de que não poderia – para minha saúde física e
emocional e de minha família – continuar a viver de maneira precária e pela
metade, foi a semana em que notícias começaram a desnudar o planejamento cruel
e inaceitável da brutal execução de nossa companheira e minha amiga Marielle
Franco. Vejam, companheiras e companheiros, estamos falando de sicários que
vivem no Rio de Janeiro, estado onde moro, que assassinaram uma companheira de
lutas, e que mantém ligações estreitas com pessoas que se opõem publicamente às
minhas bandeiras e até mesmo à própria existência de pessoas LGBT. Exemplo
disso foi o aumento, nos últimos meses, do índice de assassinatos de pessoas
LGBTs no Brasil.
Portanto,
volto a dizer, essa decisão dolorosa e dificílima visa à preservação de minha
vida. O Brasil nunca foi terra segura para LGBTs nem para os defensores de direitos humanos, e
agora o cenário piorou muito. Quero reencontrar a tranquilidade que está numa
vida sem as palavras medo, risco, ameaça, calúnias, insultos, insegurança.
Redescobri essa vida no recesso parlamentar, fora do país. E estou certo de
preciso disso por mais tempo, para continuar vivo e me fortalecer. Deixar de
tomar posse; deixar o Parlamento para não ter que estar sob ameaças de morte e
difamação não significa abandonar as minhas convicções nem deixar o lado certo
da história. Significa apenas a opção por viver por inteiro para me entregar as
essas convicções por inteiro em outro momento e de outra forma.
Diz
a canção que cada ser, em si, carrega o dom de ser capaz e ser feliz. Estou
indo em busca de um lugar para exercitar esse dom novamente, pois aí, sob esse
clima, já não era mais possível.
Agradeço
ao Juliano e ao Ivan pelas palavras de apoio e outorgo ao nosso presidente a
tarefa de tratar de toda a tramitação burocrática que se fará necessária.
Despeço-me
de vocês com meu abraço forte, um salve aos que estão chegando no Legislativo
agora e à militância do partido, um beijo nos que conviveram comigo na Câmara,
mais um abraço fortíssimo nos meus assessores e assessoras queridas, sem os
quais não haveria mandato, esperando que a vida nos coloque juntos novamente um
dia. Até um dia!
Jean
Wyllys
23
de janeiro de 2019
Publicado
por Larissa Bernardes -
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