Publicada originalmente no
blog de Leonardo Boff
A
proximidade do Natal e do Ano Novo nos traz lembranças boas, mas de certa forma
também entristece. Penso não apenas no nosso país, no trabalho feito por você
pela diminuição das desigualdades, pelo crescimento econômico com justiça
social, pela preservação e aumento das nossas riquezas e por colocar o Brasil
em uma posição que jamais tinha ocupado no cenário internacional. Penso também
no seu lado afetivo, seu relacionamento sempre carinhoso e respeitoso com seus
auxiliares, sem que isso de forma alguma afetasse a sua autoridade. Lembro-me
da dificuldade de montar sua agenda, de atender aos inúmeros convites ou
manifestações de desejo de visita-lo. Até cheguei a cunhar uma frase para
definir esse fenômeno: a demanda de Lula é muito maior que a oferta de Lula.
Contrariamente com o que ocorre com nossos governantes atuais, não havia como
dar conta de tantas solicitações, por maiores que fossem seus esforços de estar
presente nos foros internacionais e de elevar o padrão do nosso diálogo com
latino-americanos e caribenhos, africanos, árabes, sem descuidar dos grandes
países emergentes como os que vieram a constituir os BRICS nem dos nossos
parceiros tradicionais.
Lembro,
muito especialmente, de sua empatia com outros líderes, independentemente de
ideologias, embora, claro, sem esconder as afinidades. Talvez a melhor
expressão dessa capacidade de relacionar-se de forma franca e direta tenha sido
a frase que ouvi do Presidente da África do Sul, Thabo M´Beki, em uma cúpula do
IBAS, em Brasília. Ele disse, na ocasião, que só você conseguia fazer o
Manmohan Singh sorrir, saindo do estado de meditação permanente em que parecia
mergulhado. O mesmo sorriso, quase iluminado, eu veria estampar-se no rosto de
Singh, quando fui portador de uma carta sua, tratando do Rodada de Doha.
Alguns
desses momentos estão documentados, como sua fala na Cúpula das Américas em Mar
del Plata, que marcou o fim da ALCA, ou (creio) a Reunião de Chefes de Estado
em torno do combate à fome e à pobreza. Eu nunca tinha visto, em meus longos
anos de diplomacia, tantos Presidentes e Primeiros Ministros juntos em uma
mesma sala. Ao entrar no saguão onde normalmente se reúne o Conselho Econômico
e Social da ONU, ouvi um diplomata francês comentar com um colega: “O Brasil
abraça o Mundo!” Anos mais tarde, no G-20, que você ajudou a criar, o
Presidente da nação mais poderosa do mundo diria a frase que ficou célebre:
Este é o cara! E sempre admirei sua capacidade de dar a mesma atenção que
concedia a um líder de uma grande potência ao governante de um pequeno país do
Caribe, da África ou da Ásia. Não foi à toa que, sob sua liderança, foram
criados organismos e foros como a UNASUL, a CELAC, o IBAS, o BRICS, as cúpulas
com países árabes e africanos, sem falar da parceria estratégica com a União
Europeia e a elevação do nível do diálogo político com os Estados Unidos, China
ou Rússia.
Foram
muitas as situações excepcionais, que pude acompanhar, algumas das quais
registrei nos meus livros. Outras você mesmo se encarregou de divulgar, como o
episódio envolvendo o Presidente Bush em Évian. Diante da atitude subalterna e
quase bajuladora de muitos diante do Presidente dos Estados Unidos (que acabara
de sair vitorioso, na aparência ao menos, da Guerra contra o Iraque), você me
disse: “nós não vamos nos levantar”. E esperamos que Bush viesse até onde
estávamos sentados.
Tudo
isso passa hoje como um filme pela minha mente e, ao mesmo tempo que me consola
pelo muito que foi feito, me entristece por me fazer constatar o quanto está
sendo destruído. E como você está sendo tratado injustamente. As pessoas que
cruzam comigo e me reconhecem querem todas saber como você está, perguntam
sobre sua saúde e o seu ânimo. Respondo sempre de forma positiva, baseado no
que vi nas duas vezes em que o visitei em Curitiba e nas informações que chegam
por outros companheiros. Todos têm muita esperança de que você saia logo dessa
prisão absurda, que o grito de “Lula livre” rapidamente se transforme em
realidade.
Neste
Natal, gostaria de abraçá-lo, de agradecer em nome de todos os brasileiros de
bem (mesmo sem ter a pretensão de representá-los) pelo muito que você fez pelo
Brasil, por seu povo pobre e sofrido, mas também por sua estatura no mundo.
Tenho a confiança de que, apesar do sofrimento impingido a você e à sua
família, a justiça se fará em um dia não longínquo e que você voltará a nos
inspirar com suas palavras e seus gestos, transmitidos de forma direta, no
contato pessoal, que você sempre cultivou.
Com
muita saudade, é o que desejo, de todo coração, nesses “dias de festa”, em que
o povo brasileiro, especialmente a enorme parcela de necessitados, sofre por
estar privado do seu convívio.
Forte
e caloroso abraço, em meu nome e da Ana,
Celso
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