O
fator mais evidente que explica a derrota histórica da esquerda e dos
democratas foi a cegueira em relação aos reais motivos e à profundidade do
golpe de 2016.
O
golpe teve o objetivo de subordinar o país, eliminar um governo que, apesar de
sérios erros, era a continuidade de políticas independentes que iam de encontro
aos interesses dos EUA. A exploração do pré-sal, a articulação do país com
China, Rússia, Índia e África do Sul, a atuação de empresas nacionais no
cenário externo foram fatos que provocaram a ação norte-americana.
Para
atingir esse objetivo, atacou os trabalhadores, reduzindo ganhos, eliminando
direitos e esmagando sindicatos. A ideia é que o capitalismo global, liderado
pelas finanças, possa agir sem travas aqui, abocanhando fundos públicos,
comprando empresas a preço de banana, destruindo o ambiente, de apropriando de
nossos recursos naturais e massacrando a população. Para eles, o Brasil deve
ser apenas produtores de grãos e de matérias primas, oferecendo ao mundo um
domesticado mercado interno.
Foi
– e está sendo –, acima de tudo, um golpe contra o país.
Por
isso era – e é – necessário unir as forças democráticas em torno da defesa do
país.
A
falta de compreensão, de fato, para além dos discursos, desse quadro mais amplo
e profundo levou as esquerdas e os democratas a ficarem divididos. O que
começou a ficar claro, já em 2016, era que o fascismo ciscava em terras
brasileiras, se aproveitando da enorme crise econômica, do desemprego, da
desesperança, da frustração com a política –martelada cotidianamente nos grandes
meios de comunicação.
O
entendimento limitado da profundidade do ataque que a nação está sofrendo fez
com que não houvesse uma estratégia unificada de ação e de comunicação.
Subestimando a força do golpe – “Bolsonaro é o melhor candidato para ser batido
no segundo turno” –, a campanha demorou a mostrar a vinculação direta de
Bolsonaro com Temer e suas políticas de destruição do país.
O
voto em Bolsonaro expressou raiva em relação à situação econômica, como, de
resto, ocorre em outras partes do mundo onde se observa a ascensão da
extrema-direita. Expressou uma desesperança imensa, um descrédito com o
“sistema”, um desejo difuso de “mudança”. Pouco efetivos foram os alertas que a
opção por Bolsonaro apenas reforçará - e muito - o quadro de demolição geral,
pobreza, conflito, ódio. Se houver mudança, será para muito pior.
Enquanto
a campanha do PT tentava rememorar anos de ouro da economia brasileira (com
crescimento, inclusão etc.), a de Bolsonaro falava de futuro. Um futuro com
ordem. Eleitores miram mais o futuro do que o passado. Um passado que, sem Lula
na disputa, se esfumaçava. Como apostar que as políticas de Lula seriam
implantadas com êxito por um quase-desconhecido?
A
prisão de Lula foi chave em todo esse processo. Para ganhar, precisavam destruir
Lula. Mesmo preso, o ex-presidente seguiu na liderança da corrida presidencial
–tendo chance de até ganhar em primeiro turno. Sua retirada da urna foi
elemento essencial para a continuidade do golpe. Foi quando parte do eleitorado
lulista se viu órfão e aderiu à salvação alardeada por Bolsonaro. Nos mesmos
dias, é bom que se lembre, explodiu nas redes digitais a miríade mensagens
sujas contra a candidatura petista.
Bolsonaro
deu a linha de campanha ao encharcar de mentiras o debate. Trouxe para o primeiro
plano questões ditas “identitárias”, de religião de costumes. Com essa cortina
de fumaça, não deixou espaço para o debate sobre políticas nacionais, programas
de governo etc. Com evidente apoio externo, sabotou a discussão. O campo de
esquerda falhou ao aceitar ser pautado por ele e não reagir à avalanche de
factoides absurdos, nojentos e de má-fé. Desconsiderou alertas de que a
extrema-direita é hoje internacionalmente articulada. Foi ingênua no
enfrentamento.
Assistiu
com passividade ao bloqueio contínuo do debate público. Sem um megafone
enraizado e de peso nacional, só atacou as grandes redes, ficando atônito ante
o turbilhão de palavras de ordem que prosperava nas esferas privadas (grupos de
whatsapp, facebook etc). O debate público mais amplo –em estado de gangrena há
anos—desapareceu. A proliferação de bolhas progressistas nas redes foi
insuficiente para enfrentar o tsunami de desinformação, doutrinação e mentiras.
O
fracasso da centro-direita em capitanear um projeto –eles foram afogados por
essa mesma vaga que vocifera contra a política e o diálogo –projetou a
extrema-direita até o poder. Agora, fatias majoritárias desse campo “de centro”
estão a reboque do fascistóide. Há, contudo, nesse grupo também os que resistem
e rejeitam o aniquilamento das liberdades essenciais, da democracia, dos
direitos humanos.
Como
ficou claro nos últimos dias de campanha, se formou um movimento de resistência
amplo –pela base, não das lideranças políticas—reunindo antipetistas,
advogados, artistas, empresários. Pessoas que tiveram a coragem de se colocar
publicamente em defesa da democracia. Ainda que por breves momentos, de forma
instantânea, relembrou aquele movimento que uniu personalidades em torno do
antigo MDB na luta contra a ditadura.
Isso
precisa ser preservado, estimulado. Será parte fundamental da nossa defesa para
os tempos que virão. Será parte essencial da retomada para a construção de um
país independente, produtivo, mais justo e menos desigual. Essa é, afinal, a
tarefa histórica que seguimos tendo pela frente.
Esse
sentimento tomou as ruas nos últimos dias de campanha. Quem não se emocionou a
ver garotas e garotos muito jovens conversando com a população nas estações de
metrô? Em cadeiras de praia e ostentando cartazes rudimentares feitos em
cartolina, eles demonstraram heroísmo, solidariedade, alegria e força. Choramos
ao vê-los.
Quem
não se emocionou ao ver estudantes e professores se unindo em manifestações
aguerridas contra as invasões ilegais de universidades públicas horas antes da
eleição? Quem não se emocionou ao ver assembleias e passeatas nas periferias e
no centro? Quem não se emocionou ao ver artistas e pessoas do povo fazendo
vídeos em apoio à democracia?
Perdemos.
Foi a maior derrota em décadas. Mas há milhões com desejo e disposição de lutar
pelo Brasil. E isso é maravilhoso.
É
necessário que toda essa energia seja compreendida e amplificada.
Para
isso, é urgente a formação de uma frente ampla pela democracia e pela soberania
nacional. Que tenha estrutura orgânica, que centralize e articule a ação
organizada de partidos políticos, de movimentos populares, de organizações
sociais, de entidades profissionais, de sindicatos, de estudantes, de
professores, de religiosos, de todos que estão no campo democrático.
Algumas
das tarefas da frente seriam:
–
Formar uma espécie de “governo paralelo” com a função de escrutinar os atos de
Bolsonaro em cada área específica, da saúde à defesa, denunciar seus erros e
desmandos, sem deixar nada passar em branco. Esgrimir a Constituição a cada
canetada, a cada palavra vociferada pelo twitter;
–
Formar uma frente das frentes dos movimentos sociais, reunindo informações,
denunciando ataques, organizando conjuntamente a resistência nas ruas; frente
articulada com o movimento sindical, pastorais etc.;
–
Formar uma frente no campo jurídico para atuar contra tudo o que for feito
contra a Constituição e defender os lutadores pela democracia e pelos direitos
humanos;
–
Formar uma frente no âmbito parlamentar, em todas as instâncias, que atue de
forma ativa, e não somente reativa;
–
Formar uma frente de governadores e prefeitos eleitos pelo campo democrático.
Em coordenação, podem ser uma fortaleza para a resistência;
–
Formar uma frente de mídia, organizando e amplificando esforços dispersos;
–
Formar uma frente para os contatos internacionais, provocando ressonância
mundial para a resistência.
Tarefa
imediata é a defesa da integridade física do presidente Lula. É preciso reforçar
o acampamento em Curitiba e intensificar, no âmbito nacional e internacional, a
denúncia sobre a perseguição política do golpe que colocou o país no colo do
fascismo.
https://tutameia.jor.br/unir-os-democratas-e-resistir-sem-tregua/
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