Pensando
bem, eu acho que posso sobreviver a uma era bolsonariana.
Eu
sou homem. Sou hetero. Sou aquilo que no Brasil é chamado de branco.
Se
eu não vestir minha camiseta vermelha, ninguém vai me agredir na rua.
Paro
de falar de Brasil e volto a trabalhar só com teoria política. Talvez tenha que
usar um ou outro eufemismo, mas, no geral, eles não vão mesmo entender o que
estou dizendo.
Certamente
vão cortar minhas verbas de pesquisa. Posso olhar pelo lado bom: é menos
trabalho. Também vão cortar minha bolsa de pesquisador, mas isso eu compenso
com o imposto que pagarei a menos depois da reforma tributária do Paulo Guedes.
Vou
ver minhas turmas de estudantes minguando, conforme as políticas de inclusão
forem desmontadas e as mensalidades passarem a ser cobradas. Também é trabalho
a menos. A universidade vai ficar mais cinza, mais silenciosa, mais morta, mas
eu sempre posso me refugiar na minha casa.
Minha
casa que também ficará mais silenciosa e mais cinza. Alguns dos meus amigos não
terão a mesma sorte que eu e sumirão: eles têm a cor errada, eles dirigem seus
afetos para as pessoas erradas, eles falam as palavras erradas. Talvez seja até
melhor. Nos tempos que virão, a amizade pode ser uma coisa perigosa.
Se
os artistas forem silenciados, tanto melhor: há tanto dos clássicos que ainda
preciso conhecer!
Não
sei atirar, mas tenho dinheiro para comprar uma bela pistola, um coldre
vistoso, e ostentar pela rua minha condição de cidadão de bem.
Sim,
eu posso sobreviver. Ao contrário do que ocorre com muitos outros, não está em
risco minha integridade física, minha vida ou minha sobrevivência material.
Basta eu ficar no meu canto. Basta eu me tornar insensível ao sofrimento à
minha volta. Basta eu trair as pessoas de quem gosto. Basta eu abrir mão da
minha dignidade, da minha humanidade, da possibilidade de me encarar no
espelho. Basta eu me tornar um monstro.
https://www.diariodocentrodomundo.com.br/posso-sobreviver-a-uma-era-bolsonariana-basta-eu-me-tornar-um-monstro-por-luis-felipe-miguel/
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