Marx
não vê no trabalho uma expressão qualquer da vida. Para Marx, o trabalho tem
uma localização especial, até mesmo privilegiada, por ser a exteriorização do
ser.
A
discussão acerca de o que é alienação pode ser extensa e caminhar por
territórios completamente opostos. Dentre todas as formas de discuti-la,
tentarei me focar unicamente no conceito de alienação em Marx nos Manuscritos
Econômico-Filosóficos de 1844.
Trabalho
como aquilo que é fundamental para o sujeito
Marx
não vê no trabalho uma expressão qualquer da vida. Para Marx, o trabalho tem
uma localização especial, até mesmo privilegiada, por ser a exteriorização do
ser. Por ser a objetificação da essência humana, por ser o processo de colocar
pra fora a mais pura humanidade, o esforço material da transformação do mundo e
satisfação das necessidades.
Segundo
o autor, uma das coisas que nos separa do restante dos animais é a capacidade
de modificarmos o ambiente de acordo com
nossos projetos (e modificar nossos projetos de acordo com a realidade
material), assim, utilizando/fabricando/produzindo nossas próprias ferramentas
de produção.
O
que é alienação?
Construir
uma ferramenta de produção não é uma coisa qualquer. Se trata de construir um
objeto mediador que ajudará na atividade de manipulação e transformação da
natureza. A ferramenta é aquilo que auxilia o processo de transformação da
realidade, é quase como uma reação à impossibilidade de realizar um projeto com
os objetos que a natureza “crua” fornece.
Isso
significa que construir as próprias ferramentas é exercer uma dominação
impossível a qualquer outro animal: claro que outros animais também se utilizam
de ferramentas, mas, para Marx, não na mesma atividade que a humana. Os outros
animais não concebem um projeto, realizam a aplicação deste projeto de
modificação da natureza e, após a primeira tentativa, num processo dialético,
realizam a modificação do próprio projeto, após verificar se as condições
materiais possibilitam ou não a sua feitura.
Para
Marx, o papel de determinante social da estrutura econômica não é aleatório,
mas é o resultado dela ser a esfera em que sujeitos fazem suas vidas. Tomando
como base esta importância fundamental da estrutura econômica e da dinâmica do
trabalho enquanto exteriorização da essência ativa de quem trabalha, Marx
realiza sua análise daquilo que chama de alienação.
O
que é alienação em Marx?
A
alienação é um processo de exteriorização de uma essência humana e do
não-reconhecimento desta atividade enquanto tal.
No
fim do processo de trabalho, o produto feito se transforma em algo estranho,
independente do ser que o produziu. Este estranhamento, esta “diferença de
natureza” entre produtor e produto pode ser considerado a cereja do bolo para a
concepção da alienação.
Pierre
Clastres, em seu Sociedade Contra o Estado, já deixa a possibilidade de uma
“origem da alienação do trabalho” na criação do Estado e na obrigação de se
trabalhar compulsivamente para a satisfação das classes dominantes, não
trabalhadoras, que o Estado proporciona o privilégio da dominação.
Marx
retrata a alienação 1) em relação ao produto do trabalho, 2) no processo de
produção, 3) em relação à existência do indivíduo enquanto membro do gênero
humano e 4) em relação aos outros indivíduos.
1)
A alienação em relação ao produto do trabalho. Este é o estranhamento em não se
reconhecer num produto que tem dentro de si a essência do trabalhador. É a
pobreza gerada ao trabalhador enquanto, ao mesmo tempo, se gera a riqueza do
capitalista.
Quando
o produto está feito, só resta ao trabalhador exigir um salário no fim do mês.
Este tipo de alienação é aquela que o programador passa após terminar uma
rotina para um dado sistema administrativo de uma empresa. Após modificar
aquele software, realizar transformações para adaptá-lo ao cotidiano da empresa
que o adquiriu, ele não pode reivindicar o produto do trabalho como algo dele.
A modificação foi um serviço garantido pelo contrato entre empresa contratante
e empresa contratada (e entre empregador e empregado).
O
exemplo clássico é o da linha de produção, em que o trabalhador não se
reconhece no produto final e nem mesmo sabe seu destino. O produto final é do
empregador e ele deverá realizar sua venda ou qualquer outra coisa, afinal, é
seu e só seu – em suma, o produto final não é ontologicamente de ninguém, é um
ser independente, um objeto estranho à “natureza” de qualquer indivíduo que
trabalhou nele.
Alienação
o que é?
2)
A alienação no processo de produção. Esta alienação é o que Marx chama de
“alienação ativa” ou “atividade de alienação”. É a constatação básica de que se
o trabalhador está alienado em relação ao produto de seu trabalho, então é
necessário verificar que isto não aconteceu do nada, mas estava presente no
próprio processo produtivo.
É
aqui que percebemos que o trabalho é sofrimento e não realização. O trabalho é
forçado, se trabalha para sobreviver e nunca se trabalha somente o necessário.
Pior ainda é constatar que o guia do trabalho não é a necessidade, mas sim os
interesses daqueles que exercem poder sobre os trabalhadores.
Neste
estágio, o trabalhador só se satisfaz em suas atividades animais, como comer,
dormir, beber e transar, mas é completamente insatisfeito (e até mesmo nega)
sua atividade propriamente humana. O trabalho próprio é estranho ao indivíduo,
que só trabalha por coerção, só trabalha para alguém/por alguém. O trabalho
assim exteriorizado é um trabalho de mortificação, de sacrifício.
O
cotidiano é uma prova desta alienação, já que o trabalho é sempre considerado
como o fardo para a sobrevivência. Uma tentativa de fazer do trabalho algo bom
é constantemente praticada: tentam colocar palestras motivacionais, um ambiente
saudável, incentivam que os indivíduos sigam sua “vocação” e etc e etc, entretanto,
mesmo para aqueles que “amam” seu trabalho, ele ainda é feito sob a perspectiva
meramente econômica do capitalismo.
Se
trata de uma perspectiva mortificante, pois gostar do trabalho é um acidente
feliz, não uma propriedade do trabalho. É necessário realizar uma atividade
determinada que seja de seu prazer, mas a atividade em si (e genérica) não
causa prazer nenhum. Então se procura um emprego bom para compensar a merda que
é ter que trabalhar.
3)
Alienação do sujeito enquanto pertencente ao gênero humano. Aqui Marx salta
para a própria característica do humano enquanto ser genérico. Enquanto animal
multifacetado com inúmeras potencialidades e capacidades. Quando ele está
separado de sua essência, de sua ligação com a comunidade, de seu trabalho, ele
se individualiza. Não é mais membro de sua espécie, é só um indivíduo
solitário.
O
trabalho enquanto fator individualizante não é criticado unicamente por, em sua
configuração atual, ser um impulsionador da individualização, mas sim por fazer
dessa individualização uma transformação do sujeito multifacetado em um sujeito
unilateral e único. O trabalhador só vale sua vida enquanto trabalhador, não
enquanto humano e não é nunca parte de um gênero, de uma espécie, mas é Um,
único, específico, não detém a humanidade (uma ligação abstrata entre aqueles
do mesmo gênero), só detém sua individualidade.
É
necessário cuidar da existência do trabalhador que, por sua vez, precisa cuidar
de sua própria existência. Se ele não é parte do produto feito e se o produto
feito não é uma necessidade da comunidade local ou da sociedade, então por que
se preocupar com isso? De fato não faz sentido. A única preocupação estrutural
é a da própria sobrevivência e ela só acontece com a diminuição do sujeito em
um trabalhador.
Uma
das provas de como este tipo de alienação está enraizado nas atividades de
nossa sociedade é o aumento significativo da legitimidade da nova ideologia
hedonista e consumista pós-moderna. Segundo as coordenadas culturais desta
ideologia, cada indivíduo precisa estar apto e livre para buscar sua felicidade
individual, que é reconhecida como o fim último e sentido da vida.
Este
último parágrafo é um gancho para a quarta forma de alienação.
4)
Alienação em relação aos outros homens (sic). Se trata da consequência óbvia da
individualização e unilateralização da vida. Quando não se reconhece em seu
aspecto mais fundamental, que é o trabalho, e quando ele não é reconhecido como
parte essencial da vida humana e do ser humano enquanto gênero/espécie, então
não só a própria vida é uma objetificação nociva, mas toda e qualquer vida já
não tem seu significado.
Ser
alienado enquanto parte da espécie humana, como no terceiro tópico foi
explicado, implica em se alienar também dos outros. É neste momento que um
mendigo na rua é um ninguém ou um “pobre coitado”. É isso que possibilita
avaliar outros de nossa espécie como “recursos humanos”.
A
importância da teoria da alienação
A
teoria da alienação mostra o vazio do sujeito alienado, mostra a
descaracterização da própria humanidade, da essência do sujeito. A sujeito se
vê como acidente, não como determinante.
Sujeito
alienado é aquele que não consegue perceber a possibilidade de uma mudança. O
sujeito que não se reconhece no produto de seu trabalho, que não se satisfaz na
sua atividade de trabalho, que não se reconhece enquanto membro de um gênero e
que não reconhece a alteridade é um sujeito impotente. É a reprodução perfeita
das estruturas vigentes em uma sociedade pautada pelo trabalho e em que a
estrutura econômica assume papel determinante.
Este
sujeito destituído de tudo que lhe é próprio não está apto para assumir a
responsabilidade de guiar a sociedade junto com seus companheiros.
A
alienação, antes de ser uma coisa do capitalismo, é algo que existe como
pressuposto da propriedade privada. Ou melhor, o nascimento da propriedade
privada como algo separado do sujeito que a produz existe juntamente com a
alienação do trabalho.
Afinal,
o rei só é rei por haver súditos. É necessário reconhecer que o produto de seu
trabalho não é seu para interpretá-lo como uma propriedade de outro, como algo
independente. Isso não é possível em sociedades em que o trabalho existe como
satisfação das necessidades da comunidade e não como fim último da vida humana
ou como expiação dos crimes de Adão e Eva. Somente com o reconhecimento da
separação do produto do trabalho e do trabalhador que a propriedade privada
pode tomar forma da maneira como experimentamos atualmente.
https://colunastortas.com.br/o-que-e-alienacao-em-marx/
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