“Há
uma Guerra Híbrida muito intensa sendo travada no Brasil neste momento e afeta
todas os aspectos da vida de cada cidadão. Ao longo dos últimos dois anos,
agentes externos vêm tentando muito sutilmente condicionar a população para
voltá-la contra o Partido dos Trabalhadores, usando instrumentos como a
Operação Lava Jato, apoiada pela NSA [agência norte-americana de
inteligência]”, afirma o analista político norte-americano Andre Korybko, autor
de “Guerras Híbridas – Das Revoluções Coloridas aos Golpes”, recém-lançado no
Brasil pela Expressão Popular.
Em
entrevista por e-mail ao Tutaméia, Korybko, que vive em Moscou e se dedica ao
estudo das estratégias do Estados Unidos na África e Eurásia, afirmou que os
EUA são os principais propulsores desses movimentos, que consistem em
desestabilizar governos a partir de grandes manifestações de massa. São “a
fagulha que incendeia uma situação de conflito interno”, como diz a apresentação
do livro. Podem se transformar em golpe ou mesmo guerras não convencionais –daí
a expressão guerra híbrida.
Conselheiro
do Institute for Strategic Studies and Predictions e jornalista na “Sputinik
News”, ele também comentou a ascensão da candidatura de Jair Bolsonaro. Diz que
os mentores externos da guerra híbrida no Brasil vinham há muito tempo moldando
as condições sócio-políticas do país para facilitar o surgimento de um azarão
que pudesse chegar ao poder e destruir tudo o que fora construído nos governos
do Partido dos Trabalhadores.
A seguir, a íntegra da
entrevista.
O que são guerras híbridas?
Desde
o lançamento de meu livro, em 2015, ampliei minha definição para incluir o
seguinte:
“As
Guerras Híbridas são conflitos identitários provocados por agentes externos,
que exploram diferenças históricas, étnicas, religiosas, socioeconômicas e
geográficas em países de importância geopolítica por meio da transição gradual
das revoluções coloridas para a guerra não convencional, a fim de desestabilizar,
controlar ou influenciar projetos de infraestrutura multipolares por meio de
enfraquecimento do regime, troca do regime ou reorganização do regime.”
Em
suma, isso significa que países como os EUA se aproveitam de problemas
identitários em um Estado-alvo a fim de mobilizar uma, algumas ou todas as
questões identitárias mais comuns para provocar grandes movimentos de protesto,
que podem então ser cooptados ou dirigidos por eles para atingir seus objetivos
políticos. O eventual fracasso desses movimentos pode fazer com que alguns de
seus participantes recorram ao terrorismo, à insurgência, à guerrilha e a
outras formas de conflito não convencional contra o Estado. Na maioria das
vezes, pelo menos no Hemisfério Oriental, esses fenômenos fabricados têm o
efeito de dificultar a viabilização de projetos da China de implantação da nova
Rota da Seda, coagindo o Estado-alvo a compromissos políticos ou mudanças de
governo ou mesmo a uma secessão –que pode eventualmente levar a uma
balcanização.
Seu livro descreve as Guerras
Híbridas como “caos administrado”. Como isso é construído?
O
estudo detalhado da sociedade de um estado-alvo e das tendências gerais da
natureza humana (auxiliado por pesquisas antropológicas, sociológicas,
psicológicas e outras) permite construir um quadro de como é o funcionamento
“natural” daquela sociedade. Armados com esse conhecimento, os praticantes da
Guerra Híbrida podem prever com precisão quais “botões apertar” por meio de
provocações para obter respostas esperadas de seus alvos, tudo com a intenção
de perturbar o status quo por processos locais de desestabilização manipulados
por forças externas. Podem ser conflitos étnicos, movimentos de protesto
(“Revoluções Coloridas”) ou a exacerbação de rivalidades regionais. O ponto
principal é produzir o maior efeito com o mínimo de esforço e, então, explorar
a evolução dos acontecimentos e a incerteza crescente a fim de realizar os
planos políticos.
O livro descreve os EUA como
propulsores desses movimentos. Por quê?
Por
causa de sua hegemonia mundial – ainda que cadente –, os EUA têm interesses
globais, e suas décadas de experiência operando em todos os continentes lhe
deram uma compreensão profunda da situação doméstica de praticamente todos os
países. Não só é, portanto, muito mais fácil para os EUA iniciar Guerras
Híbridas como eu as descrevo, mas também – e mais importante - eles têm a
motivação para fazê-lo. Que é o que falta a outras grandes potências em relação
a ações em países fora de suas áreas de influência regionais.
O Brasil se tornou alvo da
Guerra Híbrida após a descoberta do petróleo do pré-sal?
Na
minha opinião, o Brasil se tornou um alvo desde a eleição de Lula e seu
movimento em direção à multipolaridade, mas a subsequente descoberta das
reservas de petróleo do pré-sal definitivamente acrescentou um novo ímpeto à
Guerra Híbrida dos EUA no Brasil, embora apenas porque esses recursos seriam
vendidos para a China. Se Lula tivesse fechado um acordo com os EUA para
fornecer acesso irrestrito ao pré-sal e também permitisse que Washington
aproveitasse essa vantagem para controlar o acesso da China ao mesmo, então os
EUA poderiam não ter motivação para empreender uma Guerra Híbrida no Brasil, ou
poderia ser atenuada ou adiada. Porém, por causa da posição independente de
Lula sobre os depósitos do pré-sal e muitas outras questões, ele e sua
sucessora foram vistos como alvos “legítimos” pelos EUA porque Washington temia
que eles acelerassem seu declínio hegemônico no hemisfério se não fossem
detidos o mais rapidamente possível.
O fato de o Brasil ter
participado ativamente dos BRICS junto com a Rússia, a Índia, a China e a
África do Sul também é uma das razões pelas quais ele foi alvo da Guerra
Híbrida?
Sim,
mas principalmente por causa do sentido simbólico dessa iniciativa, porque acredito
que o movimento BRICS, apesar de ser uma plataforma muito promissora, não foi
capaz de atingir seu pleno potencial por causa da rivalidade interna,
manipulada pelos EUA, entre a China e a Índia. Isso prejudicou sua eficácia
geral, mesmo antes da primeira fase da Guerra Híbrida no Brasil ter sido
bem-sucedida em derrubar a presidenta Dilma. Sua destituição do cargo e o
“golpe constitucional” contra o presidente sul-africano Zuma se combinaram para
reduzir o BRICS ao tripartido original do RIC, que está profundamente dividido
entre a China e a Índia (apesar das afirmações oficiais em contrário), com a
Rússia assumindo papel de mediadora entre os dois. Para todos os efeitos, o
BRICS não existe mais, exceto como um grupo que se reúne anualmente para conversar
e, para muitos, uma lembrança de sonhos desfeitos.
O livro fala muito sobre os
casos da Síria e da Ucrânia e diz que esses modelos podem ser reproduzidos em
outros lugares. Este modelo poderia ser reproduzido no Brasil?
Teoricamente
sim, mas não acredito que isso seja o mais provável. Isso porque a dimensão
anti-Rota da Seda, que foi a principal motivação daqueles conflitos, é
principalmente aplicável ao ambiente operacional único do Hemisfério Oriental
(Afro-Eurásia), que é muito mais suscetível a conflitos identitários
manipulados externamente desse tipo. Dito isso, a engenharia social, o
pré-condicionamento político e as campanhas de guerra psicológica que formam a
base das Revoluções Coloridas (a primeira parte das Guerras Híbridas) são
definitivamente reproduzíveis em qualquer lugar do mundo, especialmente na era
interconectada da mídia social atual.
O livro também trata da
“Primavera Árabe”. Analistas também apontaram que o Brasil estava sendo alvo da
Guerra Híbrida War desde 2013, quando um estranho movimento começou a surgir no
país através da internet. Isso faz sentido?
Sim,
claro. A primeira fase organizacional ativa da guerra híbrida Wars hoje começa
na internet. Os articuladores dos movimentos buscam na rede informações
importantes sobre seus alvos antes de se conectarem com eles, direta ou
indiretamente, através de campanhas informativas direcionadas que efetivamente
atraiam seus interesses ou necessidades, que são cada vez mais descobertas por
meio de análises de “Big Data”, como o que a Cambridge Analytica é acusada de
fazer. Movimentos sócio-políticos estão começando a aparecer online muito mais
do que nas ruas, como costumavam, porque as pessoas ficam mais confortáveis
interagindo usando o celular quando bem entendem, em vez de terem de
participar de encontros e reuniões físicas. Hoje em dia, tudo o que precisam
fazer é conferir as últimas notícias compartilhadas em um grupo do Facebook ou
do WhatsApp.
Na campanha eleitoral no
Brasil, houve uma avalanche de notícias falsas, especialmente difundidas por
grupos do WhatsApp. Estamos sendo vítimas de uma guerra híbrida?
Sim,
há uma Guerra Híbrida muito intensa sendo travada no Brasil neste momento e
afeta todas os aspectos da vida de cada cidadão, desde o que cada um lê nas
mídias sociais (seja informação real, falsa ou manipulada) até o que ouve nas
ruas. Ao longo dos últimos dois anos, agentes externos vêm tentando muito
sutilmente condicionar a população para voltá-la contra o Partido dos
Trabalhadores, usando instrumentos como a Operação Lava Jato, apoiada pela NSA,
que tomou vida própria.
Isso
forçou o Partido dos Trabalhadores a reagir e defender sua integridade, o que,
por sua vez, provocou reação mais feroz daqueles que estavam tentando
derrubá-lo. O Brasil está no foco da Guerra Híbrida por tanto tempo que hoje é
dado como certo que toda informação que circula está, de um jeito ou de outro,
conectada a essa campanha incessante.
Qual é o objetivo desta Guerra
Híbrida e quem está por trás disso? Jair Bolsonaro?
Não
creio que Bolsonaro tenha sido o progenitor desta Guerra Híbrida, mas sim que
seus mentores norte-americanos já tinham há muito tempo um plano para moldar as
condições sócio-políticas do país para que o candidato considerado “zebra”
pudesse chegar ao poder e, então, desmantelar sistematicamente tudo o que o
Partido dos Trabalhadores havia construídos em seu governo.
Olhando
em retrospectiva e considerando tudo o que hoje se sabe sobre a operação Lava
Jato, pode-se considerar que provavelmente a inteligência americana provavelmente
concluiu há bastante tempo que Bolsonaro seria o melhor candidato para isso por
causa de sua história de pronunciamentos políticos que se alinham com os
Interesses globais dos EUA para o país. Também foi levado em conta que ele não
esteve implicado em nenhum dos escândalos anticorrupção dos últimos anos, o que
os EUA teriam sabido antecipadamente por causa da participação da NSA na busca
“evidências” que então catalisaram a expurgação política do país.
Com
o Partido dos Trabalhadores fora do poder e com a comprovação de que muitos dos
usurpadores e seus aliados foram igualmente –se não mais—corruptos, o palco
estava montado para o “azarão” dos EUA entrar em cena e conquistar o imaginário
de muitos que foram pré-condicionados a odiar todos os políticos do
establishment (e especialmente do Partido dos Trabalhadores) depois da operação
Lava Jato.
Essa
população estava também cada vez mais desesperados por medidas drásticas de
segurança a serem implementadas para salvá-los da onda de criminalidade ou, pelo
menos, dar-lhes uma chance de lutar para se defenderem –o que aconteceria com a
prometida liberalização de armas de Bolsonaro.
É
minha opinião que os EUA trabalharam duro para facilitar a ascensão de
Bolsonaro e o estão ajudando em cada passo do caminho. Talvez ele nem tenha
percebido isso no início, mas agora, considerando a possibilidade de sua
vitória no segundo turno, quase certamente as próprias forças que o apoiaram
trataram de lhe dar a informação diretamente.
Qual a diferença entre o uso
do WhatsApp e do Facebook no contexto das Guerras Híbridas?
O
WhatsApp é mais instantâneo e impulsivo, enquanto o Facebook é mais
organizacional e metódico. O primeiro é geralmente usado para enviar
informações curtas e rapidamente reunir grandes multidões, enquanto o segundo é
mais bem aproveitado para um planejamento organizacional mais profundo e
gerenciamento de controle de multidões a longo prazo. Eles são basicamente dois
lados da mesma moeda, e andam de mãos dadas quando se trata do aspecto tático
de Revoluções Coloridas.
Seu livro foi lançado em 2015.
O que mudou desde a primeira edição?
Desde
então, expandi e expliquei mais cientificamente a definição de Guerra Híbrida
para incluir seis das categorias identitárias que são os alvos mais comuns, bem
como os objetivos de ajustes de regime, mudança de regime ou reorientação de
regime.
As
táticas de engenharia social e pré-condicionamento político das Revoluções
Coloridas (a primeira metade da Guerra Híbrida) se tornaram muito mais
sofisticadas após a descoberta de como a Cambridge Analytica fazia coleta e
análise de dados de usuários de mídia social a fim de obter um conhecimento
sobre-humana do que as pessoas nos países-alvo estão interessadas, suas
necessidades e a melhor forma de manipulá-las.
Isso
significa que o planejamento da Guerra Híbrida entrou em uma era completamente
nova, mas apenas em países onde a maioria da população (ou pelo menos aqueles
dentro de qualquer uma das seis categorias identitárias que os EUA desejam
atingir) usa a mídia social, o que não é o caso em grandes partes da África que
estão gradualmente se tornando campos de batalha da Guerra Híbrida contra os
projetos da China de implantação da nova Rota da Seda.
Como é possível responder às
Guerras Híbridas?
O
Estado pode restringir ou monitorar as mídias sociais, mas a primeira medida
pode provocar indignação na população e confirmar as suspeitas das pessoas que
o governo está suprimindo seu “direito à liberdade de expressão” porque tem
“medo” do povo, o que pode ou pode não ser realmente o caso.
Já
o cidadão comum precisa desenvolver seu pensamento crítico para poder
diferenciar entre notícias reais, notícias falsas e notícias manipuladas, assim
como entre artigos de opinião, análises e simples reportagens jornalísticas.
Quanto
aos partidos da oposição, oficiais ou não, eles precisam travar suas próprias
Guerras Híbridas, seja ofensivamente ou defensivamente, embora seja sempre
melhor para eles ficar do lado da verdade em vez de recorrer a mentiras. A
primeira é muito mais eficaz do que a segunda e ser pego mentindo poderia
diminuir a confiança do público-alvo nesses grupos. Da mesma forma, todos os
lados da interminável Guerra Híbrida (que está se tornando parte da vida
cotidiana) precisam expor as mentiras dos demais.
Você escreveu sobre as ações
dos EUA, mas não citou ações similares da Rússia. Elas não ocorrem? As
acusações contra a Rússia nessa área (especialmente em relação às eleições nos
EUA) são falsas?
Meu
livro é sobre o uso de um modelo particular que faz com que Revoluções
Coloridas (não violentas) manipuladas por agentes externos passem a movimentos
violentos de guerra não convencional. Teve como objetivo provar a existência de
um método nunca antes descoberto de desestabilização do Estado pelos EUA para
fins geopolíticos.
O
livro é sobre a transformação de Revoluções de Cores em Guerras Não
Convencionais, sobre a origem de ambas, a fase de transição e o resultado
desses ciclos de agitação apoiados por agentes externos. As Guerras Híbridas
não são simplesmente operações de gerenciamento de percepção ou infowars, em
que todos os países do mundo participam e até mesmo muitas empresas (embora
estas últimas não o façam por razões políticas, mas apenas para comercializar
seus produtos ou serviços, às vezes no concorrente). despesa). Eles também nem
sempre são travados por agentes estatais, ou mesmo agentes não governamentais
que realizam determinada atividade contratados por um Estado.
É
minha opinião pessoal que as acusações contra a Rússia não são relevantes para
o modelo de Guerra Híbrida elaborado em meu livro, porque nunca houve intenção
séria de organizar uma Revolução Colorida ou uma Guerra Não Convencional. Além
disso, todas as acusações apontam para as atividades mais conhecidas sendo
conduzidas por agentes não-estatais, que podem ou não terem agido a pedido de
um Estado, mas nenhuma conexão clara com o Kremlin foi confirmada.
Outro
ponto importante a ter em mente é que, mesmo se a essência geral dessas
acusações for verdadeira, o que duvido, representaria apenas uma forma muito
básica de guerra de informação, que é comparativamente mais tosca e tem muito
menor em escopo do que a operação que a União Soviética conduziu durante a
Guerra Fria, o que mais uma vez sugere que isso poderia ter sido feito por um
ator não-estatal independente do Estado russo e suas agências de inteligência.
De
qualquer forma, a questão é artificialmente politizada porque já foi provado
que ela não teve impacto no resultado da eleição norte-americana, mas está
sendo usada pelos oponentes de Trump nas burocracias militares, de inteligência
e diplomáticas permanentes (“estado profundo”) e por seus cúmplices públicos
(sejam “inocentes úteis” ou colaboradores) na academia, na mídia e em outras
comunidades (incluindo cidadãos comuns) para “deslegitimar” sua vitória e
pressioná-lo a realizar concessões políticas, mudanças de regime ( desistir ou
sofrer impeachment), ou reorientação do regime, por reforma do sistema de
colégio eleitoral e outras medidas semelhantes. Pode-se dizer, portanto, que as
acusações exageradas da chamada “interferência russa” estão sendo feitas como
uma importante arma de guerra híbrida contra Trump como parte das ações do
“estado profundo” dos EUA, o que é um caso interessante digno de estudo futuro
com o uso do modelo de análise que desenvolvi.
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