Escrevo
cedo na manhã do dia após as eleições. Bolsonaro ganhou e seu primeiro
discurso, retomando uma velha retórica da Guerra Fria promete o combate ao
socialismo e comunismo como princípios fundantes de seu ideário. Cito,
literalmente: o Brasil não poderia continuar flertando "com o socialismo,
o comunismo, o populismo e o extremismo da esquerda".
Com
a Constituição na mão, Bolsonaro promete cumpri-la. Como lembrou o presidente
do STF, ministro Toffoli, ela diz no seu terceiro artigo e eu cito literalmente:
Art.
3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I
- construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II
- garantir o desenvolvimento nacional;
III
- erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais;
IV
- promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação.
São
dois discursos em um. Qual prevalecerá será resultado da resistência
democrática. Da força dos que se opuseram ao discurso da raiva e do ódio.
Não
pode predominar o preconceito, a apologia da desigualdade, o desrespeito as
diferenças, a falta de liberdade, a perseguição aos divergentes. Não pode. Foi
isto que motivou os milhões de brasileiros que, apesar de perderem as eleições,
votaram em Haddad e Manuela.
Comparando-se
os votos do primeiro e segundo turno, Haddad/Manuela tiveram 15,7 milhões de
votos a mais do que no primeiro turno, enquanto Bolsonaro cresceu apenas 8,5
milhões entre os dois turnos. Os democratas, que se opuseram aos riscos da
democracia, mais do que em dobro votaram em Haddad. Mesmo entre os que votaram
em Bolsonaro, muitos acreditam que ele não cumprirá a primeira parte do seu
discurso e seguirá os limites impostos pela Constituição.
A
resistência democrática será a principal batalha a ser travada. Haddad
desempenhará um dos principais papeis neste movimento. Com milhões de votos,
ele consolidará uma liderança de tipo novo, articulando sua expressão
individual com a força do sujeito coletivo que é o partido.
Não
teremos tempo para curar as feridas. Mesmo feridos, a luta continua. Lideranças
no Senado emergirão e Jaques Wagner surge como um grande quadro. Bem
relacionado com os governadores do Nordeste, com expressão nacional e
recém-chegado ao Senado com ampla vitória na Bahia, ele será um líder nacional
importante.
O
povo nordestino, sob a liderança de seus governadores, foi um gigante. Os
estados do Nordeste, bastiões da democracia, honrando sua história de lutas,
foram resistentes e deram uma grande vitória a Haddad/Manuela. Agora sofrerão
assédios, pressões, perseguições. Mas como já disse um escritor, o nordestino é
antes de tudo um forte.
Ciro
Gomes, o neutro, perdeu substância política, mas continuará como um importante
personagem da política brasileira e deverá compor a frente democrática e a
resistência contra Bolsonaro.
Os
movimentos sociais serão um dos focos do ataque do Governo e, portanto,
passarão a adotar uma tática defensiva, de sobrevivência. Terão um papel
importante na organização da sociedade e na construção de novas alternativas de
pressão política. Pautas defensivas e novas formas de luta, como a intensa
utilização das redes sociais para mobilização e formação, deverão se tornar
mais presentes. Viva o MST, a CMP, o MTST e todos os movimentos populares.
A
questão da soberania nacional, com a luta contra a entrega de nossas riquezas a
interesses internacionais e a preservação dos direitos sociais já conquistados,
bem como das políticas públicas que reduzem a desigualdade serão importantes
palcos de batalhas. Um livro numa mão e carteira de trabalho na outra deverão
ser buscas incessantes da luta de resistência.
O
PT resulta nesta quadra como o maior instrumento de luta do povo brasileiro.
Maior bancada de deputados federais, com ampla votação nos estados do Nordeste,
forte presença em outros estados, ganhou o apoio de segmentos anti-petistas,
que se revoltaram contra o risco à democracia. No entanto, estes segmentos
continuam com críticas ao partido. Saber combinar a aceitação destas críticas,
correções de rumo e incorporação de novas posições, será um exercício difícil
de habilidade política de quem tem o papel de liderança na luta de resistência.
A resistência solitária não é a melhor resistência. A resistência coletiva é
mais poderosa.
A
presidente Gleisi, que sai da eleição como a grande liderança partidária, terá
uma tarefa imensa de manter coesionado o PT, garantir ampla articulação com os
outros partidos, atrair os personagens da luta de resistência democrática e
circular pelo pais, organizando a sociedade na luta pela redução das
desigualdades e contra a opressão e diminuição de direitos.
O
PCdoB, parceiro aliado com a apresentação desta nova liderança que é Manuela
D´Ávila, foi chave na tentativa de coligação das forças progressistas e
continuará desempenhando papel importante na manutenção da unidade. Importantes
parcelas do PSB e do PDT e o PROS também estiveram presentes nesta disputa
eleitoral tomando lado a favor da democracia e das mudanças.
Um
dos maiores desafios para o PT é manter este apoio. Ser mais propositivo em
questões concretas e adotar um processo de organização e convencimento amplo de
suas posições será um caminho importante nesta reconquista de liderança. Não há
como pensar numa política hegemônica neste momento. É preciso consolidar a ação
conjunta com o PSOL, cujo posicionamento político foi irretocável, com firme
compromisso com as lutas populares e com a defesa da democracia. Viva Guilherme
Boulos e o PSOL.
Presidente
Lula, a luta por sua libertação desta condenação injusta volta a ser um
importante foco da disputa. Eles vão querer ataca-lo ainda mais. Nossa
insurgência contra as arbitrariedades e pela defesa de seus direitos não pode
deixar de estar sob atenção permanente.
A
campanha foi um bom combate. Contra adversários poderosos, isolados
politicamente, conquistamos mais de 47 milhões de votos, ampliando nossos
apoios, no segundo turno, com a sociedade, ainda que muitos personagens do
centro politico tenham vacilado. No entanto, não faltaram artistas,
intelectuais, juristas, dirigentes de vários segmentos da sociedade, lideres
das mais diversas religiões que perceberam os riscos que a democracia vivia e
se manifestaram a nosso favor. Estas energias democráticas não podem agora ser
dispersadas.
Presidente
Lula, sei que está acompanhando de perto tudo que está acontecendo aqui fora.
Um abraço solidário
José Sergio
Gabrielli de Azevedo
Nenhum comentário:
Postar um comentário