O
juiz Alex Costa de Oliveira, da Vara da Infância e Juventude do Distrito
Federal, autorizou a polícia militar a adotar medidas que privem o sono, impeçam a alimentação, cortem a luz e
isolem estudantes que ocupam o Centro de Ensino Asa Branca de Taguatinga desde
a quinta (27). Eles protestam contra a proposta de emenda constitucional
55/2016 (antiga PEC 241), que limita o crescimento de gastos públicos, o que
deve impactar áreas como educação e saúde.
Segundo
reportagem de Jéssica Nascimento, do UOL, isso deve ser usado como ''forma de
auxiliar no convencimento à desocupação das escolas''.
''Autorizo,
ainda, o uso de instrumentos sonoros contínuos, direcionados ao local da
ocupação, para impedir o período de sono. Tais autorizações ficam mantidas
independentemente da presença de menores no local, os quais, a bem da verdade,
não podem lá permanecer desacompanhados de seus responsáveis legais'', escreveu
o juiz na decisão.
O
juiz, com isso, conseguiu ir contra duas convenções internacionais ratificadas
pelo Brasil – que pode ser responsabilizado por isso, e contra a própria lei
brasileira – que ele, como magistrado, deveria conhecer. Os negritos no texto
são meus:
1) Convenção das Nações
Unidas contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Crueis, Desumanos ou
Degradantes
Uma
das mais relevantes na área de direitos humanos da ONU, define assim tortura em
seu artigo 1o:
''Para
fins da presente Convenção, o termo ''tortura'' designa qualquer ato pelo qual
dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos
intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa,
informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa
tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta
pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de
qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um
funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por
sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará
como tortura as dores ou sofrimentos que sejam conseqüência unicamente de
sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram.
2) Convenção Interamericana
para Prevenir e Punir a Tortura
A
convenção, da Organização dos Estados Americanos, define tortura em seu artigo
2º:
''Para
os efeitos desta Convenção, entender-se-á por tortura todo ato pelo qual são
infligidos intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou
mentais, com fins de investigação criminal, como meio de intimidação, como
castigo pessoal, como medida preventiva, como pena ou com qualquer outro fim.
Entender-se-á também como tortura a aplicação, sobre uma pessoa, de métodos
tendentes a anular a personalidade da vítima, ou a diminuir sua capacidade
física ou mental, embora não causem dor física ou angústia psíquica. Não
estarão compreendidos no conceito de tortura as penas ou sofrimentos físicos ou
mentais que sejam unicamente conseqüência de medidas legais ou inerentes a
elas, contanto que não incluam a realização dos atos ou a aplicação dos métodos
a que se refere este artigo.
3) Lei 9.455/1997 – Define o
crime de tortura e dá outras providências
Seguem trechos da
legislação nacional sobre o tema:
Artigo 1º Constitui crime de
tortura:
I
– constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe
sofrimento físico ou mental:
a)
com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira
pessoa;
b)
para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
c)
em razão de discriminação racial ou religiosa;
II
– submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de
violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de
aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
Pena
– reclusão, de dois a oito anos.
§
1º Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de
segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não
previsto em lei ou não resultante de medida legal.
§
2º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de
evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos.
§
3º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de
reclusão de quatro a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de oito a
dezesseis anos.
§
4º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço:
I
– se o crime é cometido por agente público;
II
– se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de deficiência,
adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos
III
– se o crime é cometido mediante seqüestro.
Considerando
que as convenções ratificadas pelo Brasil têm valor de lei, não se pode alegar
falta de legislação para questionar a decisão do magistrado. Mas espero,
sinceramente, que ele desconheça as três para que, assim, a sua decisão tenha
uma justificativa.
http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2016/11/01/juiz-ignora-convencao-da-onu-sobre-tortura-ao-autorizar-acao-contra-alunos/
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