Sou
capaz de apostar que nenhum dos 367 deputados e dos 61 senadores que votaram
pelo impeachment vivem na simplicidade que, hoje, na Folha, Natuza Nery
descreve a vida de Dilma Rousseff em Porto Alegre.
Fossemos
um país com vergonha e decência e estariam todos, a esta altura, a
penitenciarem-se com a injustiça que praticaram.
Não,
mas como são miúdos, mesquinhos, canalhas, ainda ficam criando explorações
abjetas com uma simples aposentadoria do INSS, obtida aos 68 anos de idade e 40
de contribuição.
Ou
com quem paga um quartinho para ela guardar o acervo presidencial o qual, por
lei, é obrigada a conservar.
Ou
quem porventura lhe empreste uma chácara para passar finais de semana.
Ou
se por acaso ela procurar outro apartamento, maior um pouco, para comprar, qual
é a empreiteira que construiu porque algo deve haver.
Depois
da leitura deste texto, é difícil conter o canalhas! que nos vem à boca.
Só
lamento que o “dever de ofício” de salpicar sujeira tenha levado a repórter aos
dois parágrafos que encerram a matéria.
Após impeachment,
Dilma leva vida reservada no RS
Natuza Nery, na Folha
Dona
Dilma” abre a porta, ao lado de Vera, sua diarista. O apartamento em Porto
Alegre tem uns 70 metros quadrados no primeiro piso, com móveis amontoados,
mais uns cerca de 50 metros quadrados no piso superior.
A
patroa sobe lentamente uma minúscula escada de madeira já esbranquiçada pelo
tempo, em caracol, segurando-se no corrimão para não pisar em falso, e vai até
o segundo andar.
Lá,
duas estantes de aproximadamente três metros de largura, repletas de livros,
tomam conta da pequena sala de estar. Um sofá azul grande disputa o ambiente
onde a ex-presidente da República passa a maior parte do tempo desde o
impeachment.
“Eu
queria escrever um romance policial. Gosto muito. Li muito”, diz, contemplando
exemplares de sua coleção.
Um
biombo corta parte do recinto e aguça a curiosidade dos visitantes. Por trás
dele, um espaço de uns dois metros quadrados esconde a pequena área onde faz
exercícios.
Há
algumas faixas elásticas e um espaldar em madeira onde faz alongamentos. Dilma
se exercita diariamente sozinha. Depois, roda de bicicleta pelas ruas do bairro
Tristeza, onde mora na capital gaúcha, ao lado de dois seguranças.
Ela
mostra os punhos. Desenvolveu LER (Lesão por Esforço Repetitivo) de tanto andar
sobre duas rodas, hábito cultivado nos tempos de Presidência. Mas não dá sinais
de que pretende parar.
Dilma
não parece ter ganhado peso desde que deixou Brasília. Recebe a Folha maquiada,
com o cabelo feito, de calça preta de alfaiataria e uma jaqueta laranja. Não
tem mais compromissos durante a tarde de sexta-feira, 21 de outubro.
O
telefone toca. A dona da casa deixa dar três toques e atende. “Tá ótimo, tá
ótimo”, responde apressadamente, e devolve o aparelho à base.
É
o velho e bom telemarketing. O atendente da operadora quer saber se a cliente
aprova o serviço –pela conversa, não parece saber de quem se trata do outro
lado da linha.
Dilma
desliga e murmura: “Às vezes eu finjo ser outra pessoa. Às vezes eu sou a
Janete”. E sorri, como quem se diverte com a traquinagem de enganar
telefonistas.
Dona
Vera sobe com duas xícaras de café. Não há móvel para apará-las.
“Estou
pensando em trazer uma mesinha da casa da minha mãe, no Rio. Se tiver 60
centímetros de altura, os Correios transportam por um preço bom”, comenta.
Dilma
se levanta e puxa uma cadeira de madeira, onde as xícaras são acomodadas.
Em
seu quarto, há apenas uma cama e uma grande TV. Há um outro quarto abarrotado
de caixas. Dilma diz que, qualquer hora dessas, pretende enfrentá-las. Nem sabe
bem o que há ali.
No
banheiro, o box de vidro permite ver um par de chinelos escorado na parede, na
diagonal, como quem os coloca lá para escorrer a água.
Trata-se
de uma típica casa de classe média. Nada parecida com os palácios em que passou
a maior parte dos últimos cinco anos.
Não
é estranho morar aqui depois de viver no Alvorada?, pergunta a reportagem.
“Não.
O Lula até me disse: ‘para que você precisa de um lugar grande? Fica num
pequeno mesmo'”.
Depois
diz que se habitua a tudo. E faz planos de cultivar uma horta na ampla –e
vazia– área externa do segundo andar. Ali, não há muita privacidade. Há um
prédio logo ao lado e outro ainda em construção.
No
edifício, não há porteiro nem garagem subterrânea. Os dois seguranças da
Polícia Federal a que tem direito como ex-presidente ficam no pilotis,
sentados num banquinho de praça. Não há guarita.
Dias
depois da visita da Folha, um amigo da petista contou que a síndica do prédio
colocou os seguranças para o lado de fora, na garagem de um estabelecimento que
fica de frente para o conjunto habitacional. Mas os moradores pediram para que
voltassem, sentiam-se mais seguros com eles lá dentro.
Como
está depois de tudo?
“Estou
bem. Não aguento a infelicidade”, retruca.
Vai
ficar em Porto Alegre mesmo? Não fica muito sozinha por aqui?
“Vou
ficar, sim”, afirma, e conta que, nos fins de semana, visita o ex-marido Carlos
Araújo, os dois netos e, vez ou outra, um par de amigos.
Das
visitas que recebe, a melhor de todas é a de Gabriel, o neto mais velho, que
passa umas duas horas por fim de semana na casa da avó. Ele desenha e vê
desenhos na TV.
Dilma
não parece ter engrenado na vida social. Não vai ao teatro e ao cinema,
programas que sempre se ressentiu de não fazer nos tempos de mandatária. Também
não sai para jantar ou almoçar fora.
“Eu
tenho 68 anos. E não tem tido nada que eu esteja querendo ver por aqui.”
O
livro sobre seu anos de Presidência deve ficar para depois. Sabe-se lá quanto
depois. Ela não fala muito de projetos futuros. Fala menos ainda de política,
como se tomasse relativa distância para colocar as coisas no lugar.
Também
não toca muito no assunto impeachment. Mas afirma estar preocupada com uma onda
conservadora no país.
Quase
não faz comentários sobre Michel Temer. Nem esboça raiva de seu principal
algoz, Eduardo Cunha, naquela sexta-feira à tarde já há três dias preso.
Queixa-se
do ódio ao “lulopetismo”. E trata o antecessor com deferência e carinho.
Dona
Vera serve o segundo café, mas só para a reportagem. “Já estou ficando com
enjoo”, diz Dilma.
Por
volta das 18h, quando dona Vera começa a rondar meio sem motivo a sala do andar
de cima, a patroa intervém. “A senhora está querendo ir, né, dona Vera?”.
A
funcionária responde com uma pergunta. “A senhora ainda vai precisar de mim?”
A
Folha indaga se a ex-presidente teme pegar avião, ser hostilizada. “Disso? O que
eu posso fazer, não ir? Não fico traumatizada.”
Alguma
vez, nesta crise, chegou a chorar? “Não. [Mas] sou capaz de chorar assistindo a
um filme”. Ou quando se lembra dos amigos que perdeu para a tortura.
“Eu
tenho muita dó dos que morreram, imensa. Porque é gente como eu, mas que morreu
aos 30 anos. Me dá uma gastura enorme. Não gosto de pensar”, lamenta.
Quase
no fim da conversa, Dilma Rousseff pergunta: “Será que eles podem ler livros lá
na prisão?”.
A
ex-presidente não diz o nome Lava Jato, mas claramente se refere aos detidos
pela operação.
http://www.tijolaco.com.br/blog/vida-de-dilma-ou-se-todos-fossem-iguais-voce/
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