Respira-se
um cheiro azedo de fardas, togas e ternos empapados da sofreguidão nervosa que
marca as escaladas de demolição do Estado de Direito nos solavancos da
História.
Consulte
os anos 30 na Alemanha, os 50 do macarthismo norte-americano, os 60 da ditadura
brasileira, os 70 do massacre chileno...
Há
um clima de dane-se o pudor por parte das elites e da escória que a serve.
Faz
parte desses crepúsculos institucionais a perda dos bons modos e a convocação
das milícias, enquanto o jornalismo isento finge não ver a curva ascendente do
arbítrio.
Com
a mesma desenvoltura com que se anistia montanhas de dólares remetidos ao
exterior, classifica-se o MST como ‘movimento criminoso’.
Persegue-se
e intimida-se estudantes secundaristas com lista de nomes exigindo que se
delate endereços de colegas ocupantes ...
Invade-se
a bala dependências e movimentos sociais e de metralhadora em punho escolas
tomadas por adolescentes que reclamam o direito de opinar sobre a própria
educação.
Ensaios
da orquestra.
Decibéis
crescentes, afiados pelo mesmo diapasão ecoam de diferentes pontos do país.
Só
não ouve quem não quer.
Há
dinheiro, patrocínio e poder em jogo na incapacidade auditiva para ouvir os
gritos da democracia sendo violada na sala ao lado de onde se discute a
‘reconstrução do Brasil’.
A
conveniência reflete a insurgência que se esboça.
A
resistência ao golpe escapa ao que se supunha ser o alvo isolado e triturado
pela centrífuga da Lava Jato.
Adolescentes
falam o que a vastidão dos votos nulos, brancos e abstenções cifraram nas urnas
municipais, quando suplantaram os vitoriosos de São Paulo, Rio, Belo Horizonte
e Porto Alegre...
Se
as duas vozes se fundirem num idioma único, o que acontecerá?
O
cheiro azedo exalado das fardas, togas e ternos de corte fino, empapados da
sofreguidão nervosa, reflete essa esquina incerta da História para a qual
caminha o país.
A
truculência policial e midiática sobe rápido os degraus da exceção.
Essa
é a hora diante da qual a resistência progressista não pode piscar.
Daí
a importância da campanha lançada neste dia 10 de novembro para sacudir a
hesitação em defesa do óbvio.
O
óbvio hoje começa por defender Lula.
Porque
sem defender Lula, não será possível defender mais ninguém, e mais nada, do
galope desembestado da ganância no lombo da violência fardada e da cumplicidade
togada.
Por
ninguém, entenda-se o Brasil assalariado e o dos mais humildes.
A
imensa maioria da população.
Aquela
que vive do trabalho, depende de serviços públicos, tem seu destino atado ao do
país, ao do pre-sal, ao da reindustrialização, ao da democracia social, carece
de cidadania, respira salário mínimo e enxerga na previdência o único amparo à
velhice e ao infortúnio.
Lula
é a espinha histórica das costelas de resistência que precisam se unir para
conter a demolição em marcha disso tudo.
Desempenha
essa função por uma razão muito forte.
Essa
que o milenarismo gauche parece ter esquecido --ou hesita em saber que sabe--
enquanto aguarda o juízo final de Moro para recomeçar do zero.
‘Recomeçar
do zero’ é a profilaxia recomendada pelos sábios do golpe em todas as frentes.
Desde
a demolição dos direitos trabalhistas, à revogação da soberania no pre-sal,
passando pela Constituição de 1988, o Prouni, a previdência ...
Mas,
principalmente: recomeçar do zero esquecendo Lula.
Porque
ele é –ainda é Lula-- a inestimável referência de justiça social na qual a
imensa parcela dos brasileiros de hoje e de ontem se reconhecem.
É
dele a voz que quando fala e é ouvida no campo e nas cidades.
Mais
que simplesmente ouvida: respeitada e compreendida.
A
diferença dessa voz é que ela não carrega só palavras.
Carrega
experiência, luta, erros, acertos, raiva, riso, derrotas, vitórias, cujo saldo
são conquistas coletivas encarnadas em holerite, comida, emprego, autoestima e
esperança.
É
como se Getúlio Vargas falasse.
Ou
Allende para os chilenos.
Ou
Perón para os argentinos.
Ou
Cárdenas para os mexicanos.
Com
a vantagem avassaladora que tanto incomoda a elite.
Lula
está vivo.
Caçado,
esfolado, picado e salgado.
Mas
vivo.
Mais
que vivo: ele lidera todas as pesquisas de intenção de voto com as quais seus
algozes testam a eficácia da chacina de reputação, a mais violenta desde
Getúlio, que escandaliza a opinião jurídica e democrática do mundo.
Lula
é a espinha dorsal de cuja destruição depende o êxito do torniquete implacável
de interesses mobilizados contra a construção de uma democracia social na
oitava maior economia do mundo, na principal referência da luta apelo
desenvolvimento no espaço ocidental.
FHC
disse em um debate no jornal O Globo, há cerca de quinze dias:
‘Sem
Lula o PT seria penas um partido médio; com ele torna-se um perigo nacional’.
No
fundo quis dizer: ‘Sem Lula, o Brasil se torna uma nação média, humilde, bem
comportada.
Com
Lula, o Brasil se torna um gigante de soberania, com capacidade de aglutinação
popular e mundial em torno da justiça social –de consequências perigosas’
É
claro como água de fonte.
Lula
representa esse diferencial inestimável.
Ele
fala com quem Malafaia gostaria de falar sozinho.
Com
o Brasil que os Marinhos gostariam de monopolizar sem dissonâncias.
Por
isso o milenarismo gauche que reage à ofensiva conservadora aceitando a pauta
do juízo final de Moro, flerta com a eutanásia.
‘Recomeçar
do zero’ é tudo o que o conservadorismo mais cobiça para quebrar o coração da
resistência ao golpe.
O
coração da resistência ao golpe consiste em não aceitar o fuzilamento sumário
do legado de doze anos de luta por um desenvolvimento mais justo e
independente.
Ademais
dos erros e equívocos cometidos inclusive por Lula –que não podem ser
subestimados e devem ser discutidos amplamente-- os acertos mostraram a
viabilidade de se construir uma democracia social no Brasil do século XXI.
Não,
isso não é pouco.
Olhe
o mundo ao redor: isso é muito.
E,
principalmente, tem lastro popular.
A
sociedade marcada por uma das mais iníquas divisões de renda do planeta,
referendou esse projeto por quatro eleições presidenciais sucessivas.
Duas
com Lula; outras duas com Dilma, sendo Lula seu maior fiador e cabo eleitoral.
Sim,
com erros, alguns grotescos.
Mas
o fato é que a elevada probabilidade desse projeto ser revalidado em um quinto
escrutínio presidencial, em 2018 --agora modificado pelo esgotamento do ciclo
de alta nos preços das commodities, que lubrificou a resistência das elites aos
avanços anteriores-- precipitou o golpe de 31 de agosto.
O
milenarismo gauche quase esquece tudo isso enquanto aguarda o juízo final.
Nele,
o juiz Moro e seus querubins darão cabo de Lula e propiciarão aos sobreviventes
o único destino que lhes cabe: recomeçar do zero.
Ou
até abaixo do zero.
Para
quem sabe ter direito –um dia— a mil anos de salvação individual e
sobrenatural.
Milenaristas
eram os pobres, os miseráveis brasileiros de Canudos.
Aqueles
que aguardaram com Antônio Conselheiro a justiça divina sonegada pelo
latifúndio e pela República que, afinal, destinou-os à injustiça eterna.
É
o que acontecerá de novo se o Brasil progressista aceitar a ideia de Moro de
faxinar a história de sua ‘nódoa inaceitável’: Lula.
Se
aceitar, o Brasil vai virar uma imensa Canudos, depois do massacre.
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2016/11/eles-querem-que-o-brasil-esqueca-lula.html
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