Atos de brutalidade exibicionista constituem
um traço de comportamento vergonhoso mas obrigatório de autoridades policiais
nos momentos iniciais de um golpe de Estado. No caso mais antigo e mais
conhecido, logo após o golpe militar de 1964, um velho dirigente comunista,
Gregório Bezerra, foi amarrado a um jipe e arrastado pelas ruas do Recife por
um delegado de polícia.
Em novembro de 1968, quando a ditadura
militar caminhava para um golpe dentro do golpe, o elenco que apresentava a
peça Roda Viva, em São Paulo, foi espancado por um grupo paralimitar, chamado
Comando de Caça aos Comunistas.
A brutalidade exibicionista está longe de ser
uma ação estética, vaidade ou coisa parecida. É um espetáculo político, que
precisa mostrar o que faz, como faz, contra quem faz e assim, pela exibição,
alcançar uma das metas principais de todo regime de exceção -- o governo pelo
medo.
Na manhã de ontem, policiais civis do
Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul, que obedecem aos governos estaduais,
iniciaram uma operação contra integrantes do MST -- numa ação que equivale a uma
declaração de guerra aos movimentos
sociais, um dos mais ativos polos da resistência ao golpe parlamentar de 31 de
agosto.
O espetáculo de ontem chega a ser grotesco,
como ataque a democracia e aos direitos da população. A atuação do MST em
defesa da reforma agrária e da população mais pobre fez de sua principal
liderança, João Pedro Stédile, um interlocutor recebido com relativa frequência
pelo Papa Francisco, responsável por um momento de recuperação da influência da Igreja muito além do tradicional universo
católico.
Em setembro, três dias depois do golpe
que afastou Dilma, o Papa pediu orações pelo "momento triste" que o
Brasil atravessava, levando o próprio Michel Temer a tentar reagir, dizendo que
a alegria voltaria "aos poucos."
As
principais cenas de exibicionismo explícito de ontem ficaram reservadas para a
Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema, no interior paulista.
Instituição de ensino e formação,
frequentada tanto por ativistas em busca de uma oportunidade de maior
acesso ao conhecimento como por acadêmicos de altíssimo nível, brasileiros e
estrangeiros, que ali partilham seu saber, a ENFF foi invadida logo cedo. Sem
um obrigatório mandado de busca que autorizasse sua presença no local, os
policias garantiram o tom cinematográfico para sua ação ao dar quatro tiros --
três para o chão, um para o alto. Diziam procurar uma certa Margareth Barbosa
de Souza, que nenhum dos presentes conhecida. De qualquer modo, fizeram duas
prisões. O argumento para as prisões foi a manjadíssima alegação de
"desacato", normalmente empregada para justificar a detenção de
cidadãos que, compreensivelmente, reagem
de forma indignada quando seus direitos são feridos.
Na origem da ação de ontem, encontra-se um
conflito envolvendo dois acampamentos onde residem 3000 famílias, no Paraná, o
Estado governado por Beto Richa, do PSDB. Alvo de uma enorme rebelião da
juventude estudantil contra a Medida Provisória do Ensino Médio e contra a PEC
do Teto de Gastos, a operação -- batizada com o infeliz nome "Castra"
-- já nasceu como um clássico do diversionismo político-policial, recurso
banalizado por toda autoridade incapaz de dar respostas legítimas a
reivindicações colocadas pela maioria da população.
A disputa, neste caso, envolve um conflito
já decidido a favor dos agricultores contra a empresa Araupel, uma das maiores
do Estado na área de reflorestamento, com influencia política reconhecida junto
ao governo Richa. Em abril, enquanto a articulação golpista contra Dilma se
encontrava no auge, em Brasília, dois lideres do MST foram executados e 22
foram feridos numa ação da Polícia Militar num dos acampamentos, o Dom Thomas Balduíno. Como se pode imaginar,
nenhuma responsabilidade criminal pelos assassinatos e pela violência foi
apurada até agora, o que dá o caráter de farsa absoluta para uma operação na
qual o MST é chamado, entre outras coisas, de "organização
criminosa."
Numa disputa que se arrasta desde a década
de 1990, não há dúvida o lado que tem a razão e deveria contar com as forças
que tem o dever de fazer cumprir a lei a seu lado. "Há décadas a empresa
explora irregularmente parte de uma área considerada pública, com um histórico
de conflito e degradação ambiental," denunciou, o superintendente regional
do Incra, Nilton Bezerra Guedes, como informou a Rede Brasil Atual, na época.
Abrigando 7 000 pessoas, os acampamentos da área são o polo dinâmico de um dos
municípios próximo, Rio Bonito do Iguaçu.
O horizonte é maior, porém. Os regimes de
exceção não nascem prontos. O novo
regime precisa ser construído tijolo a tijolo, de modo a assegurar a formação
de um estado ditatorial no lugar onde havia, antes, um edifício democrático.
Este é o processo em curso.
http://www.brasil247.com/pt/blog/paulomoreiraleite/263986/Contra-MST-o-exibicionismo-dos-golpes.htm
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