O
Brasil é um país hostil para toda a comunidade LGBT, mas no caso das travestis
e transexuais os preconceitos e dificuldades são ainda maiores. De acordo com
um estudo divulgado em 2015 pela Transgender Europe, de 2008 a 2014, 604
transexuais/travestis foram assassinados no Brasil, o que o torna o país mais
perigoso do mundo para estas pessoas.
A
reportagem é de Larissa Teixeira e Hyndara Freitas, publicada por O Estado de
S. Paulo, 15-10-2016.
Além
disso, segundo estimativas da Associação Nacional de Travestis e Transexuais
(Antra), apenas 10% dos transexuais no Brasil têm emprego formal. Isso se deve
a muitos fatores, mas o preconceito é o maior agravante para que essas pessoas
sejam excluídas da sociedade. Muitas famílias não os aceitam e, por isso, esse
grupo costuma sair de casa cedo, recorrendo a empregos informais e, na maioria
dos casos, à prostituição.
Na
escola, o ambiente é igualmente violento, e o bullying acaba por tornar comum o
abandono dos estudos. Assim, poucos transexuais chegam às universidades e menos
ainda ao mercado de trabalho formal, que geralmente exige mão de obra
qualificada. Para as poucas pessoas trans que entram na universidade, a
permanência nesse ambiente se torna outro grande desafio. “O acesso das pessoas
trans ao ensino superior é muito difícil, porque esse ambiente não é acolhedor
para elas. Ainda existe discriminação e violências praticadas tanto pela
instituição quanto pelos próprios alunos e professores”, explica Keila Simpson,
presidente da Antra.
Segundo
ela, a principal dificuldade encontrada por elas é a questão do uso do nome
social. Apesar do decreto nº 8.727/2016 assinado em abril pela Presidência, que
regulamenta o uso do nome social em instituições públicas federais, muitas
universidades ainda não têm regras próprias. Além disso, quando se trata de
universidades estaduais e privadas, poucas respeitam essa reivindicação. “O uso
do nome social deveria ser adotado logo na matrícula, porque evitaria
discriminações. A universidade não pode ser um espaço que carrega preconceitos
contra pessoas que não se encaixam nos padrões”, aponta Keila.
A
estudante Virgínia Guitzel cursava Ciências Sociais em uma universidade pública
de caráter privado, em Santo André, na grande São Paulo, mas teve que abandonar
os estudos por questões financeiras. Além de ter o direito ao nome social
negado e ignorado por professores, ela também enfrentou resistência dos colegas
e funcionários, e chegou a ser expulsa do banheiro feminino. “Quando você é
trans, você é expulsa de casa, não tem moradia estudantil ou políticas para que
continue na universidade. Além disso, você ouve uma série de comentários e
ataques nesse ambiente”, conta.
Daniel
Augusto, de 23 anos, também sabe bem o que é ser transexual por aqui. Ele se
assumiu aos 15 anos e atualmente cursa Marketing em uma universidade em São
Paulo. "Muita gente me chama por pronomes femininos, faz piadas
transfóbicas na frente de todo mundo e muitos ficam olhando torto mesmo. É como
se eu não fosse uma pessoa normal", diz.
No
caso da estudante Leonora Dias, que cursa Letras na USP, conseguir o respeito
ao nome social dentro sala de aula não foi uma dificuldade. Ela afirma, porém,
que o sistema não é unificado e que muitas pessoas recebem a carteira de
estudante com o nome de registro entre parênteses. Apesar de não sofrer
violências explícitas, ela aponta que a universidade reproduz os preconceitos
da sociedade. “A população é composta por transexuais, mas dentro da
universidade essa parcela não está presente. Eu sou a única pessoa trans na
sala de aula, e isso já é violento porque nas ausências você percebe a
transfobia.”
Já
a faculdade de Daniel teve um processo mais burocrático. “É uma instituição
particular, então eles usam isso para fazer com que os alunos se adequem às regras
deles. Só consegui esse direito após falar com muitos funcionários diferentes”,
relembra. Ele diz que a relação com os professores é tranquila, mas que a
instituição em si “ainda é muito atrasada e não promove campanhas de respeito
às pessoas LGBT”.
Para
Leonora, que se declara como pessoa trans não binária (não se identifica com
nenhum gênero), inclusão dos transexuais e travestis na academia também é
importante para que elas produzam saberes, e não sejam apenas objeto de
pesquisa. “As vozes trans precisam compor os espaços universitários para que
elas falem por si mesmas, lembrando à sociedade que elas existem e merecem
respeito”, aponta.
O
estudante Étory Gonzaga cursa Farmácia para, justamente, ajudar a fazer valer
os direitos das pessoas transexuais: “O que trouxe o interesse em voltar a
estudar, ainda mais numa área que não me pertence, foram as dificuldades que
encontro no dia a dia devido à transição. São muitos profissionais, e a maioria
não sabe como nos tratar, não sabe nada sobre gênero e mudança de sexo. Mas as
exceções, os profissionais mais atualizados, nos tratam muito bem”. Como meio
de ajuda, ele montou uma farmácia online voltada para o público transexual.
“Tenho o projeto de ter a loja física assim que me formar”, diz.
Para
evitar a discriminação, a educação sobre gênero deve começar desde cedo, e as
escolas têm papel fundamental nisso. E por falar em escola, Gonzaga sabe bem
como o preconceito é real e como esse tipo de ensino ainda é falho, já que
trabalha em um colégio de ensino médio: “Foi complicado no início. Às vezes
alguns trocam o pronome para me pirraçar, mas não caio na deles. Alguns alunos
insistem em me chamar de ‘dona’, mas eu não olho, ou então respondo: ‘pois não,
querida?’, se for para algum homem. Ou dou algumas respostas com bom humor e
eles acabam ficando sem graça”, descreve.
Ainda
que o cenário não seja o melhor, o número de pessoas transexuais têm aumentado
cada vez mais nas universidades. Para Keila, essa presença já é uma conquista
muito grande e uma quebra de paradigma. “A permanência no ensino superior
mostra para a sociedade que as pessoas trans querem mais que somente a
prostituição, desmistificando as ideias que existem em relação à nossa
identidade”, aponta. Para Virgínia, esse número poderá crescer com a discussão
de gênero e sexualidade nas escolas, o que pode diminuir a transfobia.
“Precisamos de políticas públicas para que pessoas trans acessem a
universidade, e isso começa na escola, quebrando estereótipos e desafiando os
currículos.”
Revista
ihu on-line
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/561280-preconceito-e-falta-de-politicas-publicas-dificultam-acesso-de-transexuais-ao-ensino-superior
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