Pelos
vazamentos seletivos e prisões cinematográficas, o "justiceiro"
Sergio Moro já recebeu vários prêmios da mídia tradicional. Globo e Veja, entre
outros veículos, são gratos pela escandalização da política que garante aumento
das tiragens e das verbas publicitárias. No mesmo rumo, os partidos da direita
nativa também deveriam homenagear o chefão da Lava-Jato. Afinal, ele foi
determinante para o crescimento das siglas conservadores nas eleições de
domingo retrasado. Em boa medida, a derrota do PT e de outras legendas de
esquerda se deve a atuação partidarizada deste juiz, que se transformou no
maior cabo eleitoral das forças reacionárias e neoliberais do país. Como um
relógio suíço, as suas ações cronometradas de boca-de-urna tiveram efeitos
destrutivos no pleito municipal.
Antes
mesmo do pleito, a revista Época já elogiava a postura de Sergio Moro no artigo
intitulado "As eleições no tempo da Lava-Jato". Segundo o repórter
Leandro Loyola, serviçal da famiglia Marinho, nenhum partido sentiria tanto o
impacto desta operação quanto o PT. "Em comparação com a última eleição
para prefeito, o pleito de 2016 parece se dar em outro país. Em 2012 a Lava
Jato não havia começado ainda. Não se acreditava que manifestações de rua
tivessem o condão de sacudir o país. Redes sociais já existiam, mas ainda não
eram, como hoje, a arena da briga de rua virtual. Mais que qualquer outra, uma
sigla política sentiu os espasmos dos três terremotos: o PT". Para ele, o
efeito da Lava-Jato seria "mortal" para o partido do ex-presidente
Lula.
Passada
a eleição, o próprio João Doria confessou que Sergio Moro foi decisivo para a
sua vitória em São Paulo. No seu primeiro discurso após o fim da apuração, o
empresário-picareta comemorou: "A Lava-Jato foi substantiva sim. O povo de
São Paulo deu um voto anti-PT, contra a corrupção, contra a má gestão, isso
ficou muito claro... Percebam quantos fatos novos foram gerados nessa eleição:
uma chapa pura que desde 1992 não havia no PSDB. Uma vitória, no primeiro
turno, inédita na história, desde que foi criada a eleição em dois turnos. Um
empresário eleito prefeito de São Paulo também nunca aconteceu. São fatos
novos, que mostram um novo ar, um novo vento".
No
mesmo rumo, um editorial da Folha tucana na semana passada registrou os efeitos
da boca-de-urna promovidos pelo "justiceiro" de Curitiba. "Seja
devido ao impacto devastador que a Lava-Jato tem provocado em figuras
proeminentes do petismo - a começar do
ex-presidente Lula -, seja por causa do desastroso governo Dilma Rousseff, nada
marcou mais as eleições municipais deste ano do que a derrota acachapante do
PT". Já nesta quinta-feira (13), ela relatou um diálogo entre o prefeito
paulistano e o ex-ministro petista da Justiça, o "republicano" José
Eduardo Cardozo - um dos maiores culpados pelo atual descalabro das ações da
Polícia Federal e do Ministério Público:
"Na
conversa com Cardozo, Haddad falou das dificuldades de fazer uma campanha em
que, na reta final, quando esboçava uma reação nas pesquisas, três ex-colegas
dele do ministério do governo Lula foram presos: Paulo Bernardo, Guido Mantega
e Antonio Palocci". É evidente que estas prisões - na maioria arbitrárias
e sempre acompanhadas dos holofotes midiáticos - tiveram influência na véspera
das eleições municipais. A mesma Folha também publicou nesta terça-feira (11)
um duro artigo de Rogério Cezar de Cerqueira Leite, membro do Conselho
Editorial do jornal, que causou irritação no carrasco Sergio Moro - que chegou
a insinuar que o texto deveria ser censurado. Vale conferir:
*****
Desvendando
Moro
O
húngaro George Pólya, um matemático sensato, o que é uma raridade, nos sugere
ataques alternativos quando um problema parece ser insolúvel.
Um
deles consiste em buscar exemplos semelhantes paralelos de problemas já
resolvidos e usar suas soluções como primeira aproximação. Pois bem, a história
tem muitos exemplos de justiceiros messiânicos como o juiz Sergio Moro e seus
sequazes da Promotoria Pública.
Dentre
os exemplos se destaca o dominicano Girolamo Savonarola, representante tardio
do puritanismo medieval. É notável o fato de que Savonarola e Leonardo da Vinci
tenham nascido no mesmo ano. Morria a Idade Média estrebuchando e nascia
fulgurante o Renascimento.
Educado
por seu avô, empedernido moralista, o jovem Savonarola agiganta-se contra a
corrupção da aristocracia e da igreja. Para ele ter existido era absolutamente
necessário o campo fértil da corrupção que permeou o início do Renascimento.
Imaginem
só como Moro seria terrivelmente infeliz se não existisse corrupção para ser
combatida. Todavia existe uma diferença essencial, apesar das muitas
conformidades, entre o fanático dominicano e o juiz do Paraná - não há indícios
de parcialidade nos registros históricos da exuberante vida de Savonarola, como
aliás aponta o jovem Maquiavel, o mais fecundo pensador do Renascimento
italiano.
É
preciso, portanto, adicionar um outro componente à constituição da
personalidade de Moro - o sentimento aristocrático, isto é, a sensação,
inconsciente por vezes, de que se é superior ao resto da humanidade e de que
lhe é destinado um lugar de dominância sobre os demais, o que poderíamos chamar
de "síndrome do escolhido".
Essa
convicção tem como consequência inexorável o postulado de que o plebeu que
chega a status sociais elevados é um usurpador. Lula é um usurpador e,
portanto, precisa ser caçado. O PT no poder está usurpando o legítimo poder da
aristocracia, ou melhor, do PSDB.
A
corrupção é quase que apenas um pretexto. Moro não percebe, em seu esquema
fanático, que a sua justiça não é muito mais que intolerância moralista. E que
por isso mesmo não tem como sobreviver, pois seus apoiadores do DEM e do PSDB
não o tolerarão após a neutralização da ameaça que representa o PT.
Savonarola,
após ter abalado o poder dos Médici em Florença, é atraído ardilosamente a Roma
pelo papa Alexandre 6º, o Borgia, corrupto e libertino, que se beneficiara com
o enfraquecimento da ameaçadora Florença.
Em
Roma, Savonarola foi queimado. Cuidado Moro, o destino dos moralistas fanáticos
é a fogueira. Só vai vosmecê sobreviver enquanto Lula e o PT estiverem vivos e
atuantes.
Ou
seja, enquanto você e seus promotores forem úteis para a elite política
brasileira, seja ela legitimamente aristocrática ou não.
* Rogério
Cezar de Cerqueira Leite é físico, professor emérito da Unicamp e membro do
Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e do Conselho Editorial da Folha.
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2016/10/moro-e-o-maior-cabo-eleitoral-da-direita.html
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