MICHEL TEMER E O
POPULISMO PENAL: CAMINHOS PARA UM CATÁSTROFE HUMANITÁRIA
Judicialização
da política e da vida dos cidadãos. A democracia e o Estado de Direito em
tensão
“O
cárcere enquanto violador de direitos humanos não é novidade. Ao menos desde a
CPIs dos presídios, realizada em 2007, pode-se afirmar que as prisões são
comprovadamente masmorras medievais, sendo certo que as pessoas sofrem até mesmo
de sarna em decorrência do hiperencarceramento. O aprisionamento das mulheres é
ainda pior”, escreve Theuan Carvalho Gomes da Silva, advogado criminalista
mestrando em direito pela UNESP, pós-graduando em direitos humanos pela USP e
pesquisador do NEPAL/UNESP, em artigo publicado por Justificando, 13-10-2016. O
artigo comenta proposta de Michel Temer de aumento do rigor do cumprimento das
penas no Brasil.
Eis
o artigo.
Recente
matéria publicada na Folha de São Paulo noticiou proposta de Michel Temer para
aumentar o rigor do cumprimento de penas no Brasil. De acordo com o jornal, a
ideia é endurecer a progressão de regime de 1/6 (regra geral) para 1/2. A
medida vai de encontro à uma lógica de mass incarceration que alçou o Brasil à
quarto maior população carcerária do mundo. Por outro lado, o movimento
sinalizado por Temer vai na contramão de tudo que se tem discutido sobre o tema
na academia. Desde o clássico “Dei delitti e delle pene”, há mais de 250 anos,
já sabemos que não se trata do rigor da sanção, mas sim de sua certeza. [1]
Além
disso, a proposta parece desconhecer – por ignorância ou má-fé – as indignas
condições dos cárceres brasileiros, reconhecidamente violadoras de direitos
humanos, conforme já reconhecido pelo STF na APDF 347, bem como por reiteradas
decisões cautelares da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Com
efeito, a manobra parece ter um objetivo bem mais pragmático: conquistar
popularidade na ideia senso comum punitivista de que “bandido bom é bandido
morto”. Até porque, é bom que se diga, pelo princípio da irretroatividade da
lei penal maléfica, esse entendimento não vai atingir aos réus da lava-jato,
como podem acreditar alguns mais incautos.
O
cárcere enquanto violador de direitos humanos não é novidade. Ao menos desde a
CPIs dos presídios, realizada em 2007, pode-se afirmar que as prisões são
comprovadamente masmorras medievais, sendo certo que as pessoas sofrem até
mesmo de sarna [2] em decorrência do hiperencarceramento. O aprisionamento das
mulheres é ainda pior.
O
mesmo relatório aponta o uso de miolo de pão por falta de absorventes durante o
ciclo menstrual. [3] Mesmo assim, nos últimos anos o número de pessoas presas
no Brasil cresceu 575% [4]. Em 09 de Setembro de 2015 a questão dos presídios
aportou no STF. A Suprema Corte reconheceu as deploráveis e indignas condições
do cárcere brasileiro, conforme a medida cautelar concedida na ADPF 347, que
declarou o Estado de Coisas Inconstitucional das cadeias no Brasil. No seu
voto, o relator ministro Marco Aurélio afirmou que:
“A
maior parte desses detentos está sujeita às seguintes condições: superlotação
dos presídios, torturas, homicídios, violência sexual, celas imundas e
insalubres, proliferação de doenças infectocontagiosas, comida imprestável,
falta de água potável, de produtos higiênicos básicos, de acesso à assistência
judiciária, à educação, à saúde e ao trabalho, bem como amplo domínio dos
cárceres por organizações criminosas, insuficiência do controle quanto ao
cumprimento das penas, discriminação social, racial, de gênero e de orientação
sexual. Com o déficit prisional ultrapassando a casa das 206 mil vagas, salta
aos olhos o problema da superlotação, que pode ser a origem de todos os males.”
[5]
Soma-se,
ainda, o fato de que apenas nos últimos 3 anos, 5 medidas cautelares foram
deferidas contra o Brasil perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos
(CIDH). A Resolução 11/2013 impôs medida cautelar contra o Brasil pelo
conhecido caso do presídio de Pedrinhas/MA. A segunda foi em razão das
condições do Presídio Central de Porto Alegre/RS, nos termos da Resolução
14/2013. A terceira, proferida em 2015, decorrente de violação de direitos de
adolescentes privados de liberdade em centro de atenção socioeducativa de
internação, no estado do Ceará, conforme da resolução 71/2015. A quarta, mais
recentemente, foi dada em 2016, e decorre de violação de direitos das pessoas
presas no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, conhecido também como
complexo de Gericinó, conforme resolução 39/2016.
A
última, foi deferida em agosto de 2016, com objetivo de garantir e preservar a
vida e integridade física de adolescentes internados na unidade Cedro da
Fundação Casa, na cidade de São Paulo/SP, conforme Resolução 43/16. Que os
presídios brasileiros são masmorras medievais, sem qualquer utilidade, todos já
sabemos. Nada disso é novo. E é por tudo isso que nos últimos anos, o que mais
se têm discutido são propostas de desencarceramento.
Na
própria decisão da medida cautelar da ADPF 347, o STF determinou a realização
das audiências de custódias como forma de reduzir o abuso da decretação de
prisões preventivas no Brasil, responsável por 41% das pessoas aprisionadas.
Outrossim, em oportunidade mais recente, no julgamento no HC 118.552 o STF
também reconheceu o caráter de não hediondez do chamado tráfico de drogas
privilegiado, possibilitando a progressão de regime dessas pessoas na fração de
1/6, e não de 2/5.
Nessa
mesma linha de desencarceramento, soma-se a lição do professor Juarez Tavares,
dada em parecer emitido para a ADPF 347, em que faz importante distinção entre
a pena ficta e a pena real, sendo esta última a assimilação pelo juiz da
execução das péssimas condições materiais do cárcere com objetivo de reduzir o
termo de cumprimento. [6]
Esse
entendimento, inclusive, é pauta da sociedade civil organizada (IBCCRIM,
Pastoral Carcerária) e de algumas instituições (Defensorias Públicas) que tem
tentado inserir no decreto de indulto natalino a possibilidade de comutação da
pena por cumprimento em condição de superpopulação.
Até
mesmo a candidata democrata à presidência dos Estados Unidos, Hilary Clinton,
já sinalizou pela reforma da política de mass incarceration iniciada por Ronald
Reagan, que alçou os EUA ao país que mais prende no mundo. Essa política foi
devidamente importada pelo Brasil, em conjunto com a falida política de guerra
às drogas. O recém lançado documentário 13º Emenda (Netflix) demonstra como a
política criminal do law and order e three strikes and you’re out só serviu
para uma finalidade: reforçar as desigualdades sociais na sociedade
estadunidense, sobretudo, através do encarceramento da população
afro-americana. Nada muito distante da realidade brasileira.
A
proposta encabeçada por Michel Temer não se sustenta em coisa nenhuma, a não
ser numa ideia do senso comum punitivo que repete o mantra “bandido bom é
bandido morto” de maneira absolutamente irrefletida. Frisa-se que com o
desmonte do Estado Social que se avizinha diante da aprovação da PEC241, a
vulnerabilidade (Zaffaroni) das camadas marginalizadas irá se agravar, sendo
certo que o aparelho repressivo do Estado irá incidir cada vez mais ferozmente
contra seu público preferencial (PPP). Se tudo isso se aperfeiçoar – como tudo
indica que irá –, o retrocesso será incomensurável. Em muito pouco tempo
seremos a nação que mais aprisiona seres humanos do mundo. A situação, que já
não é boa, se encaminha para uma catástrofe humanitária.
Revista
ihu on-line
Notas
[1]
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. Alexis Augusto Couto de Brito.
São Paulo. Quartier Latin, 2005. p. 83..
[2]
Câmara dos Deputados. CPI do Sistema Carcerário Disponível em:
http://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/2701. Acesso em: 13.10.2016, p. 84.
[3]
Ibid. p. 205.
[4]
DEPEN. Levantamento nacional de informações penitenciárias INFOPEN, junho de
2014.
[5]
STF. MC – ADPF 347. Rel. Min. Marco Aurélio.
[6]
Tavares, Juarez. Parecer para ADPF 347
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/561185-michel-temer-e-o-populismo-penal-caminhos-para-uma-catastrofe-humanitaria
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