Novidadeiros
criaram uma maneira de impedir o exercício da ampla defesa no processo penal:
determinar judicialmente o interrogatório do suspeito ou investigado, que deve
ser conduzido coercitivamente à sede do Departamento de Policia Federal, para
ser questionado sobre fatos, objeto de inquérito policial desconhecido do
interrogado e de sua defesa.
Ouvem-se
duas justificativas a essa prática ilegal de investigação criminal: (i)
evita-se, com esse interrogatório forçado, a prisão temporária (artigo 1º, da
Lei 7.960/89); e (ii) trata-se de um novo modelo de persecução penal, que já
permitiu a rápida oitiva de centenas de pessoas no âmbito da operação
"lava jato".
Há
diversos aspectos a serem abordados quanto a esse método ad terrorem de
inquirir na primeira fase da persecução penal. De início, devem-se examinar as
questões de índole constitucional, para ser ter claro entendimento jurídico
sobre esse novo quadro.
O
indivíduo tem direito de conhecer os fatos que lhe são imputados no inquérito
policial. Ler os autos da investigação criminal, compulsar termos e documentos
(artigo 5º, LIV e LV, da CR e Súmula Vinculante 14 do STF). O exercício de
defesa depende de se ter ciência prévia do conteúdo de investigação criminal.
Trata-se do direito ao conhecimento dos fatos que o Estado tem contra si, em
qualquer procedimento de natureza sancionatória, para depois se defender e
requerer provas (artigo 5º, LV, da CR, combinado com artigo 8º, 2, letra b, do
Decreto 678/92).
Existe
o direito de consultar advogado sobre o que responder e como fazê-lo (Artigo
5º, LV, e Artigo 133, ambos da CR). Em regime democrático, ninguém pode ser
conduzido a ato policial, ou judicial, sem direito à entrevista previa com o
advogado que for da sua confiança (artigo 5º, LV, e artigo 133 da CR combinado
com artigo 8º, 2, letra d, do Decreto 678/92). Pode se negar a responder
qualquer pergunta até constituir defensor que esteja a seu lado, podendo lhe
orientar a como agir perante as autoridades, inclusive para não permitir a
produção de provas contra si mesmo (artigo 5º, LV, da CR combinado com artigo
8º, 2, letra d e e, do Decreto 678/92).
E
cabe observar que o interrogatório não pode se iniciar sem que cliente e
advogado tenham tido tempo razoável de conversar sobre o conteúdo da
investigação e qual estratégia adotar (artigo 5º, LV e LXIII, CR combinado com
artigo 8º, 2, letras c, e d, do Decreto 678/92).
Note-se
que o defensor pode negar a própria validade do procedimento e de provas ali
produzidas, o que impediria, de forma apriorística, a oitiva do indivíduo cujos
atos estejam sob a perquirição ilegítima sob o ponto vista da licitude da prova
(artigo 5º, LVI, da CR).
Tem-se
aí, também, a faculdade de o indivíduo exercer o direito de ficar em silêncio,
sem que tal direito lhe traga consequências negativas no procedimento criminal
(artigo 5º, LV e LXIII, da CR combinado com artigo 8º, 2, letras g, do Decreto
678/92). Calar-se nada significa a não ser o exercício de direito
constitucional, compatível com a ampla defesa. O investigado não tem de ser
colaborativo com as investigações criminais, nem se vincula à descoberta da
verdade, salvo se optar por se defender por meio de delação premiada (artigo
4º, da Lei 12.850/13).
Com
muita razão, há quem defenda ser direito do investigado falar por último no
inquérito policial, diante da reforma do Código de Processo Penal, que
determinou o interrogatório judicial como último ato da instrução criminal
(artigo 400, do CPP). O conhecido direito de só falar depois de delimitada a
imputação inicial — materialidade e indícios de autoria — teria sentido desde a
fase investigativa, pois mais consentâneo com o sistema acusatório.
Outro
aspecto de índole constitucional importante refere-se à impossibilidade de se
produzirem provas criminais mediante atos investigativos não previstos em lei,
em especial, quando tais atos forem invasivos à privacidade (artigo 5º, X, da
CR). Ora, se a privacidade se apresenta a regra constitucional, as exceções a
essa regra dependem de regulação legal, com previsões precisas para o processo
penal. Logo, não se pode praticar ato em persecução penal em face de um
indivíduo com o fim de alcançar prova, sem previsão expressa na lei, pois o
eventual descumprimento à lei significa a proibição de aceitar a própria prova,
ilícita por consequência (artigo 5º, LVI, da CR).
Esse
conjunto de direitos desprezados com a condução coercitiva antecipada por
decisão judicial — por tais motivos, decisão judicial de cunho ilegal — merece
atenção dos tribunais, os quais devem anular tais oitivas, desconsiderá-las na
valoração das provas e impedir que esse erro se perpetue por indevida
reiteração.
Juízes
e tribunais hão de ser os primeiros a fazer cumprir a Constituição, mesmo
aqueles que proclamam suas boas intenções em servir ao país, em promover a
Justiça Criminal. Robespierre jamais cessou de proclamar suas boas intenções em
defesa da França e todos sabem o destino dele e da Revolução.
http://www.conjur.com.br/2016-set-26/moraes-pitombo-conducao-coercitiva-despreza-conjuntos-direitos?utm_source=dlvr.it&utm_medium=twitter
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