Aclamada
como a mais importante inovação das investigações brasileiras, a colaboração
premiada deve ser colocada em seu devido lugar. É um importante instrumento de
investigação, mas tem limites que devem ser observados para que não se
transforme em um dispositivo de arbítrio, vingança ou injustiça.
No
Brasil, a colaboração premiada demorou a ganhar terreno, por compreensível
resistência no meio jurídico. O país viveu um regime autoritário e o recurso à
delação foi um dos instrumentos da repressão para desbaratar grupos de
resistência.
A
figura do delator era associada à do companheiro de armas que muda de lado, que
colabora com o regime totalitário.
Nos
últimos anos, contudo, o instituto da colaboração premiada se transformou. Não
se trata mais de um instrumento extralegal de perseguição, mas de um
dispositivo regulado por lei, supervisionado por um juiz, pautado por cláusulas
formais. A Lei 12.850/13 fixou regras precisas para a colaboração, detalhando
seu processamento e o papel dos participantes.
Por
isso, para usar e noticiar a colaboração, é necessário conhecer sua natureza e
limites. Em primeiro lugar deve, ficar claro que delação premiada não é prova,
mas meio de obtenção de prova. São coisas distintas.
A
prova é capaz de sustentar uma acusação ou uma condenação. O meio é apenas um
instrumento para que as autoridades possam alcançar provas efetivas. As
palavras do delator não demonstram fatos. Apenas indicam onde pode ser
encontrado o material que comprove o ocorrido.
O
colaborador não é isento. É um investigado, confessadamente envolvido na
prática delitiva, que sofrerá os efeitos da condenação — ainda que de forma
mais branda — e pode ter interesse em fazer prevalecer uma versão distorcida do
ocorrido, seja para proteger alguém, seja para obter mais benefícios. No jargão
jornalístico, é uma fonte não confiável, cujas informações devem ser checadas
antes da publicação.
Na
Itália, nos anos 1980, um popular apresentador de televisão chamado Enzo
Tortora foi mencionado por diversos colaboradores como envolvido no tráfico de
cocaína. Teve sua carreira destroçada, ficou meses preso, até que a farsa fosse
revelada. Descobriu-se que integrantes da organização criminosa Nova Camorra
delataram Tortora porque era alguém importante.
Envolvê-lo
em seus relatos seduzia as autoridades pela popularidade do escândalo e
afastava a necessidade de delatar os reais líderes do crime organizado. Anos
depois, Tortora foi absolvido, desfecho irrelevante para a vergonha pretérita.
A
história italiana é um alerta. A colaboração premiada é importante, desde que
não se perca a perspectiva de que se trata de um depoimento parcial, válido
apenas se acompanhado de elementos materiais de prova, como e-mails,
comprovantes de pagamento, gravações.
Determinar
a prisão, a busca e apreensão ou a condenação com base exclusiva em depoimentos
de colaboradores é desconhecer a lei, a natureza do instituto e as más
experiências estrangeiras.
Em
suma, a delação premiada é importante para a investigação criminal, mas deve
ser usada com a devida cautela. Compreender o caráter probatório precário e as
fragilidades é um primeiro passo para o manejo responsável do instituto,
evitando-se que sua distorção enseje injustiças, tanto na seara jurídica quando
sob um prisma jornalístico.
*Texto originalmente
publicado no jornal Folha de S.Paulo desta sexta-feira (14/10) com o título Os
limites da delação premiada.
http://www.conjur.com.br/2016-out-14/pierpaolo-bottini-delacao-colocada-devido-lugar
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