O
governo anunciou que a reforma trabalhista deve ficar para o segundo semestre
de 2017, mas a maior organização empresarial do país tem pressa. As
reivindicações da Confederação Nacional da Indústria (CNI) já estão na mesa e
podem ser aprovadas a qualquer momento no Congresso Nacional, sem o alarde de
uma grande reforma.
A
Repórter Brasil resumiu os principais desejos da indústria e conversou com
especialistas para saber quais as consequências para os trabalhadores e para a
sociedade como um todo.
Acabar
com a principal norma de segurança e saúde em fábricas
A
indústria quer: derrubar regras sobre o funcionamento de máquinas e
equipamentos perigosos
Impacto:
trabalhadores vão se acidentar e adoecer mais
As
máquinas e equipamentos de empresas brasileiras devem seguir uma série de
regras com um simples objetivo: diminuir doenças e acidentes dos trabalhadores.
A CNI quer acabar com uma das mais importantes delas, a Norma Regulamentadora
nº 12. Emitida pelo Ministério do Trabalho pela primeira vez em 1978, e
atualizada desde então, a norma estabelece medidas de proteção que devem ser
adotadas pelas fábricas e outras empresas que utilizem máquinas.
A
CNI defende um projeto de lei que enterra essa norma sob o argumento de que é
preciso “preservar o equilíbrio” entre a proteção aos trabalhadores e os
impactos econômicos às empresas.
O
fim da norma aumenta a chance de acidentes, segundo auditores fiscais e
procuradores do trabalho ouvidos pela reportagem. Em média, 12 trabalhadores
são amputados por dia em acidentes com máquinas e equipamentos no Brasil,
segundo dados de 2011 a 2013 do Ministério do Trabalho. Além disso, 582
trabalhadores morreram devido a acidentes com máquinas e equipamentos entre
2009 e 2013,segundo levantamento do auditor fiscal do trabalho Vitor Filgueiras
e pesquisador do CESIT (Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho do
Instituto de Economia) da Unicamp.
Substituir
multas trabalhistas por advertências de “função educativa”
A
indústria quer: que os auditores fiscais só possam multar empresas na segunda
vez em que as visitam
Impacto:
queda brusca das multas e punições, e aumento dos problemas trabalhistas
As
indústrias querem ter o direito assegurado a uma “segunda chance”. Com a adoção
da chamada “dupla visita”, uma empresa só poderia ser penalizada caso já tenha
sido avisada sobre esse mesmo problema em uma visita anterior. A colher de chá
já existe, mas apenas quando a empresa foi recentemente inaugurada ou quando
viola uma norma nova.
No
projeto apoiado pela CNI, o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) argumenta que “a
função educativa é um dos principais fins da fiscalização do cumprimento da
legislação trabalhista, senão a principal delas”.
As
empresas já tem conhecimento das regras e leis trabalhistas que mais geram
problemas, segundo o procurador do trabalho Renan Kalil. “Eles querem que os auditores
virem consultores privados. Todo mundo sabe que tem que pagar salário, décimo
terceiro, dar férias, pagar rescisão.”
Já
as empresas com negócios mais complexos, cujas normas trabalhistas são mais
detalhadas, deveriam embutir isso nos seus custos de produção, diz Kalil.
“Desse jeito, as fábricas estão querendo dividir o risco da atividade econômica
com o resto da sociedade.”
Dificultar
a interdição de máquinas ou locais de trabalho que oferecem risco
A
indústria quer: que os auditores não possam lacrar equipamentos e fábricas que
colocam o trabalhador em perigo
Impacto:
trabalhadores continuarão expostos a riscos de adoecimento e acidente
Auditores
fiscais do trabalho podem, hoje, interditar fábricas ou equipamentos que
ofereçam “grave e iminente risco” ao trabalhador. Uma serra que poderia causar
um acidente a um trabalhador, por exemplo, deve ser lacrada até que o problema
seja resolvido. Em casos mais graves, toda uma fábrica pode ser fechada.
A
CNI pede que os auditores não possam mais interditar máquinas ou empresas. Para
a entidade, essa atribuição deveria ser somente dos chefes dos auditores em
cada região, os superintendentes. Segundo a CNI, as interdições pelos auditores
acontecem “sem a observância da ampla defesa e sem a efetiva comprovação do
grave e iminente risco”.
As
empresas deveriam poder ser interditadas em mais casos, segundo o auditor
fiscal do trabalho Magno Riga. Ele cita como exemplo empresas de telemarketing,
onde muitos trabalhadores adoecem aos poucos sem que exista “grave e iminente
risco” a eles. Dessa forma, não é possível lacrar o local e prevenir os
problemas dos trabalhadores.
Aumentar
jornadas em atividades insalubres
A
indústria quer: permissão para que trabalhadores expostos a riscos façam horas
extras
Impacto:
trabalhadores devem adoecer e se acidentar mais
Profissionais
que ficam expostos ao calor, barulho, substâncias tóxicas e outros fatores
considerados como “agentes nocivos” não podem trabalhar mais do que oito horas.
Para aumentar a jornada dessas profissões em duas horas, é necessária uma
autorização prévia do Ministério do Trabalho.
A
CNI argumenta que o aumento da jornada interessa ao trabalhador. Quatro horas
de trabalho no sábado, por exemplo, poderiam ser transformadas em 48 minutos a
mais em cada dia da semana.
O
que está em jogo com isso é exclusivamente a saúde das pessoas e não o seu
final de semana, argumenta o procurador do trabalho Thiago Gurjão . Segundo
ele, empresas como frigoríficos já descumprem essa norma com “consequências
gravíssimas” – que vão desde o adoecimento até acidentes de trabalho.
Liberar
a terceirização de todas as atividades de uma empresa
A
indústria quer: subcontratar empresas para qualquer atividade
Impacto:
será mais difícil responsabilizar empregadores por acidentes e outros problemas
trabalhistas
A
CNI propõe que empresas possam contratar livremente outras empresas para
realizarem seus serviços ou sua produção, prática conhecida como
“terceirização”. Hoje, somente atividades secundárias podem ser terceirizadas,
como limpeza e segurança. De acordo com a CNI, liberar a prática aumentaria a
produção e o número de empregos.
Um
projeto de lei que libera a terceirização já foi votado pela Câmara dos
Deputados, e aguarda análise do Senado Federal. O texto atual responsabiliza
também a empresa contratante pelos problemas trabalhistas da subcontratada, a
chamada “responsabilidade solidária”. A CNI defende uma proposta bem diferente:
a “responsabilidade subsidiária”. Nesse caso, a empresa contratante só responde
na Justiça quando a empresa terceirizada não consegue arcar com os problemas
trabalhistas.
Com
a terceirização, grandes empresas concentrariam todos os lucros e nenhum
empregado. Enquanto isso uma constelação de empresas, sem qualquer ou autonomia
financeira, teriam todos os empregados. Hoje, nos casos em que isso já
acontece, periodicamente tais empresas fecham as portas, deixando para trás
enorme passivo e gerando avalanches de reclamações trabalhistas.
Essa
pulverização entre diversas empresas diminuiria, no médio prazo, salários,
direitos trabalhistas e a segurança do trabalhador. Os trabalhadores
terceirizados ganham 24% menos do que os outros, segundo dados do Departamento
Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). E 90% dos
casos de trabalho análogo ao escravo no Brasil entre 2010 e 2013 aconteceram em
empresas terceirizadas, segundolevantamento de Vitor Filgueiras.
Além
disso, a terceirização enfraquece os trabalhadores nas negociações com as
empresas. Os terceirizados que trabalham em um mesmo local têm patrões
diferentes e são representados por sindicatos de setores distintos. Isolados,
eles teriam mais dificuldades de negociar de forma conjunta ou de fazer ações
como greves.
Negociação
de empresas com os sindicatos estar acima da lei
A
indústria quer: decidir com as organizações sindicais sobre direitos previstos
na CLT, como o pagamento mensal de salários
Impacto:
trabalhadores perderão garantias diante de sindicatos fracos e empresas fortes
O
negociado entre patrões e sindicatos já prevalece sobre a legislação no sistema
brasileiro quando o resultado do acordo traz ganhos para o trabalhador. Mas a
CNI quer que a negociação também possa acontecer para o efeito contrário:
retirar direitos trabalhistas.
Com
a proposta da CNI, passariam a ser negociáveis todos os direitos previstos na
CLT, a Consolidação das Leis do Trabalho, tais como o vale-transporte, a data
de remuneração pelas férias ou a regularidade de pagamento de salários. As
exceções seriam as normas de higiene, saúde e segurança do trabalho, além dos
direitos que constam na Constituição Federal.
Isso
pode gerar dois problemas, segundo o procurador do trabalho Renan Kalil. O
primeiro seria um poder excessivo a sindicatos que não representam os
trabalhadores, mas seriam responsáveis pelas negociações. Há diversos casos
desse tipo: sindicalistas que falsificam do próprio punho a assinatura de
trabalhadores para justificar a cobrança de contribuições, cuja diretoria é
formada por “laranjas”, ou que celebram acordos coletivos prevendo supressão do
intervalo intrajornada para depois, como advogado de trabalhadores, proporem
ações.
O
segundo problema seria a possibilidade de as empresas manipularem os
trabalhadores, já que elas possuem mais informações na mesa de negociação.
“Muita empresa vira e fala assim: ‘estou enfrentando dificuldades econômicas,
vou ter que diminuir direitos ou mandar gente embora’. E o trabalhador prefere
perder os direitos,” diz Kalil. Sem transparência sobre as contas da empresa, a
negociação seria sempre prejudicial aos trabalhadores.
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2016/10/a-reforma-trabalhista-dos-patroes.html
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