Trabalho
escravo, fuzilamentos em massa e câmaras de gás. Na altura em que passaram 75
anos sobre o encerramento do campo de concentração de Auschwitz, Barbara
Warnock e Toby Simpson escrevem sobre o genocídio dos ciganos a propósito da
exposição que organizam na Biblioteca Wiener sobre o Holocausto.
Em
comparação com o Holocausto, o assassinato em massa de meio milhão de membros
das comunidades Roms e Sinti europeias permanece desconhecido e não
reconhecido. Esta ausência e a perseguição de que continuam a ser alvo levantam
questões às quais ainda temos dificuldades em responder.
É
o “genocídio esquecido” da Segunda Guerra Mundial: à volta 500 mil ciganos da
Europa foram assassinados pelos nazis e seus colaboradores durante a Segunda
Guerra Mundial, no seguimento da implementação de políticas que visavam
persegui-los. Porque é que o genocídio dos ciganos foi amplamente esquecido?
Porque é que o reconhecimento, ainda que parcial, das suas mortes demorou tanto
tempo? Que obstáculos nos impedem ainda hoje de reconhecer completamente a
importância deste genocídio?
A
exposição atual da Biblioteca Wiener sobre o Holocausto, em Londres, Vítimas
Esquecidas: O genocídio nazi dos Sinti e Roms, é consagrada à análise da
destruição da vida dos ciganos pelos nazis, ao exame das políticas que
precederam o massacre e ao esclarecimento dos aspetos desta história que
continuaram escondidos e amplamente desconhecidos durante décadas.
Os
Roms e Sinti foram vítimas de preconceitos e de discriminações na Alemanha
antes de 1933, mas a chegada ao poder dos nazis correspondeu a uma
intensificação das perseguições.
Em
meados dos anos 1930, os ciganos são impedidos de exercer certas profissões e
muitos foram obrigados a viver em campos de internamento. No final dos 1930, a
ideologia racial nazi foi ampliada para englobar a noção segundo a qual os
ciganos eram de “sangue estrangeiro” e representariam uma ameaça para a força
racial da “raça superior ariana”.
No
quadro do desenvolvimento destas ideias, os ciganos foram submetidos a um
programa massivo de investigações pseudo-científicas. Foram igualmente marcados
para esterilização forçada.
Durante
a Segunda Guerra Mundial, os ciganos dos territórios ocupados pela Alemanha
nazi foram deportados para campos e ghettos, obrigados a trabalho forçado e
mortos pela fome, pelos maus tratos, pelos fuzilamentos de massa e os
gaseamentos nos campos como o de Chelmno e o de Auschwitz. Regimes
colaboracionistas, como os Ustashe na Croácia, perpetraram assassinatos de
massa contra as suas populações judaica e cigana.
Num
relato oferecido à biblioteca Wiener, o Dr Max Benjamin, um sobrevivente judeu
de Auschwitz, descreveu o testemunho da “liquidação” do “campo de ciganos” em 2
e 3 de agosto de 1944: neste noite, “de um só golpe, todos os ciganos representavam
a população deste campo foram enfiados nas câmaras de gás.”
Apesar
dos sofrimentos e das injustiças aterradoras sofridas pela população cigana da
Europa durante o período nazi, o genocídio dos ciganos foi frequentemente
negligenciado ou minimizado. Uma das principais razões desta situação são as
múltiplas camadas de preconceitos, de discriminação e de marginalização com as
quais os sobreviventes roms e sinti continuam a ser confrontados depois da
libertação. A hostilidade e os estereótipos negativos relativamente aos ciganos
persistiram. Em numerosos países, a exclusão permanente dos ciganos da
representação política e do poder económico impediu a sua capacidade de fazer
campanha pelo seu reconhecimento.
Esta
marginalização revela-se através da ausência de acusações contra os autores de
crimes contra os ciganos nos primeiros processos por crimes de guerra. Na
Alemanha Ocidental do pós-guerra, reinava um clima de negação da amplitude dos
horrores cometidos contra as vítimas ciganas que frequentemente não recebiam as
compensações atribuídas às outras vítimas das perseguições raciais nazis. Os
numerosos monumentos comemorativos construídos nas décadas que se seguiram à
guerra não reconheciam as vítimas ciganas.
Foi
apenas em 1982 que a Alemanha reconheceu oficialmente os crimes nazis contra os
ciganos como um genocídio; as primeiras desculpas da França pela sua
colaboração nos crimes nazis contra os Roms e os Sinti foram apresentadas em
2016.
Na
URSS e na Europa de Leste, as experiências dos ciganos durante o genocídio
foram igualmente amplamente ignoradas. Os ciganos que desejavam permanecer
nómadas foram obrigados a instalar-se em casas. No período pós-comunista, a
discriminação face aos ciganos aumentou, enquanto que as suas condições de vida
e o acesso a serviços diminuíram fortemente.
A
nossa exposição tenta abordar a amnésia coletiva que envolve o genocídio dos
ciganos. A Biblioteca Wiener sobre o Holocausto possui importantes coleções
sobre este tema, nomeadamente os primeiros testemunhos de sobreviventes roms
[https://blog.ehri-project.eu/author/cschmidt/] (link is external) recolhidos
no quadro de um projeto desenvolvido pela Drª Eva Reichmann a partir dos anos
1950. A Biblioteca prevê publicar alguns destes testemunhos mais tarde ainda durante
este ano.
Possuímos
igualmente material recolhido aquando do primeiro projeto de investigação que
tentou documentar sistematicamente o genocídio, um projeto conduzido por Donald
Kenrick e Grattan Puxon no final dos anos 1960. Um certo número de elementos
desta coleção incluindo resumos de testemunhos de sobreviventes são
apresentados na exposição.
Um
outro elemento impressionante da exposição é uma fotografia do pós-guerra de
Margarete Kraus. A tatuagem do número do campo no seu antebraço esquerdo é
pouco visível: Margarete Kraus era uma sobrevivente rom checa de Auschwitz,
onde tinha sido vítima de experiências médicas forçadas. O retrato de Kraus foi
feito pelo jornalista leste-alemão Reimar Gilsenbach nos anos 1960. Gilsenbach
investigou a perseguição dos ciganos durante o período nazi.
Uma
peça bastante diferente é um documento intitulados “Interdições publicadas
relativamente a polacos, judeus e ciganos” submetida mais tarde no processo por
crimes de guerra de Nuremberga como prova dos crimes nazis. Data de 10 de março
de 1944, trata-se de uma circular enviada por Heinrich Himmler a um grupo de
altos funcionários do Estado, informando-os que “terminada a evacuação e o
isolamento” dos judeus e ciganos isso significava que não eram necessárias
novas diretivas.
“Evacuação”
e “isolamento” neste contexto significavam que a vasta maioria dos judeus,
Sinti e Roma da grande Alemanha tinham já sido deportados para ghettos e campos
e assassinados. A terminologia usada aqui exemplifica a “pesada matéria de
facto” da linguagem burocrática dos SS, memoravelmente descrita pelo
historiador Mark Roseman como uma “diabólica paródia da precisão
administrativa”.
Outra
história contada na exposição é a de Hans Braun, um homem Sinti alemão nascido
em Hannover em 1923. Braun sobreviveu aos campos de Auschwitz e Flossenbürg. A
maior parte da sua família morreu em Auschwitz. Quando em 1950 reclamou uma
compensação do Estado alemão, a polícia local decidiu pelo contrário abrir uma
investigação contra ele – buscando provas espúrias de que Braun tinha sido
preso enquanto “criminoso” - como fundamento para rejeitar a sua petição.
O
facto de que a verdadeira natureza e escala do genocídio cigano tenha sido
negado, minimizado ou ignorado por tantos durante tanto tempo foi doloroso e
enfurecedor para as vítimas e as suas famílias.
Apesar
de ser tarde demais para retificar as injustiças que eles experienciaram, não é
tarde demais para lidarmos com a marginalização e discriminação que enfrentam
as comunidades ciganas hoje em dia em lugares como a Hungria, nos quais a
discriminação e hostilidade contra os ciganos é comum, e a Ucrânia, onde grupos
fascistas levaram a cabo muitos ataques violentos contra ciganos nos últimos
anos. Talvez esta exposição marque um começo, por reconhecer aquilo a que a discriminação
e o preconceito podem conduzir.
Artigo publicado
(link is external) no A l'encontre. Tradução de Carlos Carujo
Toby Simpson é
diretor da Biblioteca Wiener sobre o Holocausto da Biblioteca de Londres.
Barbara Warnock é
curadora e responsável pelo setor educativo. É a responsável pela exposição: As
vítimas esquecidas: exposição sobre o genocídio nazi dos Roms e Sinti.
https://www.esquerda.net/artigo/os-ciganos-o-genocidio-esquecido-da-segunda-guerra-mundial/65682?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook&fbclid=IwAR2bp7jzq8mOMJCOYvLB-VywvED7E0dYquRnClGYX6J9mkr3mcdUzFqTmaw
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