Enquanto
cidadãos e homens livres constitui nosso dever desmascarar o fascismo e apontar
sempre o dedo em riste para cada uma de suas formas, em qualquer lugar onde
seus apelos surjam à luz do dia. No Brasil de hoje, a preservação dos espaços
de liberdade transformam-se em tarefas diuturnas, das quais não poderemos
descuidar.
O
General do Exército Brasileiro, Nelson Werneck Sodré, desenvolveu um conjunto
de crônicas a partir de “pequenas impressões da vida cotidiana”. Trata-se de “O
Fascismo Cotidiano”, escrito no princípio da decadência da Ditadura Militar, em
1976. “O fascismo é uma ditadura terrorista declarada conduzida pelos elementos
mais reacionários, mais chauvinistas, mais imperialistas do capital financeiro”
e “é peculiar ao fascismo uma tendência para uma transformação reacionária de
todas as instituições políticas. ”
Também
ressalta que: “quando as antigas formas de governo, formalmente democráticas,
tornam-se obstáculos para o desenvolvimento do capital monopolista em crise, as
elites assumem sua faceta mais reacionária e recorrerem ao fascismo, tal como
ocorreu em 1964”.
O
filósofo Antônio Gramsci, por outro lado, estabeleceu uma série de critérios
necessários para o combate ao fascismo:
Exigência de seriedade no trato da
política.
O repúdio das formas superficiais e
falsamente populares.
A impossibilidade de se adaptar ao regime
de leviandade, irresponsabilidade, falta de sinceridade, ganância e vileza
política.
Seus
estudos, realizados antes do cárcere na Itália de Mussolini, levaram Gramsci a
uma conclusão surpreendente: “Até mesmo os delitos (crimes comuns), que a
opinião pública considerava como manifestações de um fatal atraso de costumes
(no sul da Itália), tinham aumentado assombrosamente com o desenvolvimento da
exploração na região”. A forma é como o desenvolvimento capitalista estava
organizado: não em proveito do povo, mas das grandes corporações.
Para
Gramsci “qual a primeira liberdade a ser aniquilada e aniquilada da forma mais
brutal, não com a adoção ou a promulgação de leis ou decretos, mas com o
exercício da violência pura e simples e com o aumento da criminalidade?” A
liberdade de organização e do movimento econômico dos operários, dos
camponeses, dos pobres; a liberdade de opinião e de expressão e nesse barbarismo
todo já está contido- como germe- a essência do fascismo.
E
no avanço do mesmo, Gramsci destaca duas consequências: “A primeira é que,
quando o fascismo organizou o poder, primeiramente substituiu ou expulsou o
velho pessoal dirigente político. A segunda, é que o governo arrasta atrás de
si, até o fim, uma trupe de, um bando de inconscientes, aventureiros e
delinquentes”.
Os
grupos que se reúnem em torno do fascismo, na expressão de Werneck Sodré,
“mostram uma mentalidade de capitalismo nascente, do tipo agressivo, que se
define no absoluto desprezo pelas leis escritas, pelas leis morais, pela pessoa
humana e pelas conquistas da civilização e de cultura realizada pelos povos”.
E
a respeito do pensamento do filósofo italiano, assinala Werneck Sodré que o
mesmo se insere na própria contramão do “pensamento único”, tão ao gosto da
direita quanto de determinados setores da esquerda. Ao mesmo tempo, a dialética
gramsciana antecipa a “era do fim das certezas”, o nosso presente, onde o
determinismo e as evoluções lineares se desintegraram. Ele já considerava a
realidade como um universo cheio de incertezas e, portanto, de imensas
possibilidades de criatividade, do conhecimento como caminho para a preservação
da liberdade.
Quase
meio século após Gramsci , nos anos 1980, Humberto Eco avançou na análise dos
diversos formatos e manifestações fascistas que, de tão antigas na humanidade,
criaram seus próprios arquétipos, impregnando-se nas mais diferentes estruturas
sociais. Lista-nos uma série de arquétipos fascistas:
O culto da tradição como uma das bases do
fascismo: O tradicionalismo, ainda mais velho que o fascismo, possui como
paradigma que todas as mensagens originais contêm pelo menos um germe de
sabedoria, um quê de alguma “verdade” dita primitiva. Com isso ele visa
claramente estabelecer uma impossibilidade para avanços no saber! A verdade já
foi anunciada de uma vez por todas e somente nos restaria continuar a
interpretar sua obscura mensagem.
De todo modo, ao cultuar a tradição, o
fascismo o realiza de uma maneira sincrética.
Apanha conceitos de doutrinas e ideologias diferentes, municiando-se da
artificialidade dessa reunião de doutrinas mesmo que teoricamente incongruentes
entre si. Logo, é inerente ao fascismo tolerar contradições que são intrínsecas
a cada momento histórico em que ele se apresenta.
No momento histórico que atravessamos o
fascismo reveste-se de uma determinada superestrutura religiosa que já tivemos
oportunidade de descrever em “A religiosidade neopentecostal como
superestrutura do poder político-policial-militar”, http://proust.net.br/blog/?p=1444.
A recusa da modernidade: Se por um lado os
fascistas adoram a tecnologia, por outro, o seu elogio da modernidade não passa
de coisificação, dado que são adoradores de máquinas, não de ideias. No século
XX, a recusa do modernismo camuflou-se com a “condenação” do modo de vida
capitalista (Mussolini, na Itália). Acontece que esta condenação era tão
somente uma roupagem, urdida em conjunto com os grandes capitalistas, já que se
tratava de afastar o “fantasma” do comunismo.
O fascista do século XX/XXI opõe-se até
mesmo ao iluminismo e à idade da razão, vistos como pontos de partida para a
“depravação” moderna. Por este caminho, o arquétipo fascista esteia-se no
irracionalismo.
Culto da ação pela ação: Trata-se de um
fruto necessário do irracionalismo. A ação torna-se bela em si e deve ser
realizada sem qualquer reflexão. O fascismo de ontem, de hoje e de sempre odeia
“a cultura”, dado ser ela em si, uma atitude de crítica. A suspeita em relação
ao mundo intelectual sempre foi e será um sintoma do fascismo.
O banimento da crítica: Na medida em que o
espírito crítico opera distinções e distinguir é sinal da modernidade, para o
fascismo a crítica é sempre lida como desacordo ou traição, não importa o
partido político em que o viés fascista se manifeste.
A diversidade: Quando o fascismo cresce,
ele busca o consenso desfrutando e exacerbando o natural medo da diferença.
Logo, é essência do mesmo a xenofobia, a misoginia, a homofobia e as piores
demonstrações de racismo.
Os fascismos provem da frustração
individual ou social. A característica dos fascismos históricos tem sido o
apelo às classes médias frustradas, desvalorizadas por crises econômicas, pela
humilhação política, pela corrupção, pela falta de representatividade de seus
agentes (os políticos) e assustadas pela pressão de grupos sociais inferiores.
E essa ampla classe média consisti e consistirá na maioria do auditório
fascista.
Para aqueles que se sentem privados de
qualquer identidade social, o fascismo lhes diz que seu único privilégio é o
mais comum de todos: terem nascido em um mesmo país. Esta é precisamente a
origem do “nacionalismo”. O fascismo carrega o viés de que os únicos agentes
que podem conferir autenticidade ao “nacional” serão os inimigos da nacionalidade,
sejam eles internos, sejam democratas, socialistas ou comunistas, quer sejam
inimigos externos. Daí a obsessão pelo complô, pelo golpe, pelas badernas,
pelas invasões de outros países, pelas guerras.
Para levar os “nacionalistas” aos extremos,
os defensores do fascismo precisam se sentir sitiados e o modo mais rasteiro e
facilmente sentido são novamente, a xenofobia, a intolerância e o racismo.
Se os adeptos do fascismo sentirem-se
humilhados pela riqueza ostensiva ou pela força do inimigo, a doutrina do
“faccio” leva-o a supor que pode vencê-lo. É por isso que, os regimes fascistas
se fortalecem com a visão de que os inimigos, quer os internos, quer os
externos, sejam ao mesmo tempo, fortes e fracos demais.
Para o fascismo não há luta pela vida, mas,
sim, vida pela luta. Logo, o pacifismo é conluio com o inimigo, a vida uma
guerra permanente contra todo e qualquer oponente de seus valores.
O elitismo é típico de qualquer ideologia
reacionária. No curso da história, todo elitismo aristocrático ou militarista
implicou em desprezo pelos fracos. O fascismo prega um “elitismo popular”.
Logo, todos os cidadãos pertencem ao melhor dos povos, os membros dos partidos,
são os melhores cidadãos. E todo cidadão que se queira fazer respeitar, deve pertencer
ao partido. Embora o líder fascista saiba que seu poder não foi obtido por
delegação, mas conquistado pela pressão, pela mentira e pelo uso da força, sabe
igualmente que sua força se baseia na debilidade das massas populares, tão
fracas que têm necessidade e merecem um dominador.
Cada membro de uma organização fascista é
educado para tornar-se um “herói”, mito, ou um ser que se espelha no mito
criado. E no fascismo de hoje e de sempre, este culto liga-se a outro: o da
morte! Enquanto sua própria morte não chega, ele assassina “banalmente” outros
mortais.
Como tanto a guerra permanente quanto o
heroísmo são jogos difíceis de jogar, o fascista deriva sua vontade de poder
para jogos sexuais. Aí está a origem do machismo, da intolerância para com os
homossexuais, a base de uma “cultura” de estupro e abuso dos seres
imediatamente inferiores ao macho: da mulher.
O populismo qualitativo: No populismo
qualitativo, os indivíduos enquanto indivíduos não têm direitos e o “povo” é
concebido como uma entidade de personalidade monolítica, que somente expressa
uma vontade comum a qual tem em seu líder o único intérprete. E os cidadãos,
tendo perdido o poder de delegar, não agem mais, sendo chamados exclusivamente
para assumirem o papel de “turba”. O populismo qualitativo hoje é disseminado
por televisões e mídias sociais, e ele se opõe quando o deseja aos “pútridos
partidos parlamentares”.
A utilização de uma linguagem empobrecida:
O fascismo fala sempre uma nova língua, língua onde o léxico é pobre, a sintaxe
elementar, tudo é simplificado e “popular”, um excelente instrumento voltado a
limitar o surgimento de qualquer tipo de raciocínio complexo ou crítico.
Ao
final de sua prolífica vida intelectual, Eco nos propõe alguns antídotos
antifascistas que enumeramos a seguir, com o cuidado de frisar que realizá-lo
não é de toda a maneira difícil. Mas que torná-los como uma prática política,
educacional, constitutivas de uma sociedade, estas são as questões cruciais.
Um
destes contravenenos, talvez o mais importante, seria o pensamento crítico, a
reflexão sobre o próprio pensar, a formatação de um pensamento modesto e,
finalmente, a popularização do pensar filosófico, por si só questionador.
Buscar
a razão sempre, dado que o problema da irreflexão é que aqueles que se conduzem
por códigos e regras são os primeiros a aderir e a obedecer. Aquele que não
pensa por si mesmo possui um eu que não fundou raízes, é um ninguém. São seres
humanos que se recusam a serem pessoas.
Finalmente
salientamos que, no entender de Karl Jaspers, psiquiatra e filósofo alemão
anti-nazista, ser ninguém é pior que ser mau; esse ser ninguém se revela
inadequado para o relacionamento com os outros, porque os bons e os maus são,
no mínimo, pessoas. É isto que faz da banalidade do mal, do fascismo, o pior
dos males: espalha-se rapidamente sem necessidade de qualquer ideologia, ou
apesar de qualquer que seja o viés ideológico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário