O
mês de dezembro de 1876 amanheceu com uma grande novidade que não tardou a
percorrer o mundo e chegar ao Brasil: Heinrich Schliemann anunciava a
descoberta arqueológica de túmulos reais nas escavações de Micenas, cidade
grega cujo apogeu se reportava ao século oitavo ou nono antes de Cristo.
Em
telegrama enviado ao Rei Grego e pela imprensa divulgado, ele dizia: ” É com extraordinária alegria que anuncio a
Vossa Majestade a descoberta de túmulos, que a tradição assinala como sendo os
de Agamemnon, de Cassandra e seus companheiros, todos trucidados por Clitemnestra
e seu amante Egisto durante um banquete”.
Aquilo
tinha tudo para ser um conto de fadas a respeito de figuras mitológicas, pois o
cerco e a queda de Troia, acreditava-se na época, ser unicamente fruto da
imaginação de um poeta, Homero. No entanto, o anúncio era complementado com uma
relação impressionante do tesouro arqueológico encontrado, onde o grande
destaque era uma máscara mortuária de um corpo mumificado, esculpida finamente
em ouro vinte e dois quilates, que o precipitado Schliemann anunciava como
sendo o do homem que comandara a expedição grega contra a cidade de troiana.
Justamente a face do comandante Agamemnon!
Essa
notícia motivou homens cultos a realizarem uma peregrinação até a argólida
grega, a Micenas, “a cidade das muralhas ciclópicas”, conhecida tanto nas obras
de Homero, quanto nas tragédias gregas, como o reino dos Atreus.
E
Dom Pedro II, Imperador do Brasil, homem de espírito científico aberto, não
somente leu em revistas europeias, mas foi informado diretamente pelo
pesquisador da descoberta, graças à fama de intelectual que desfrutava no
mundo. E ele apressou-se por partir e, assim, fez parte do primeiro time de
ilustres visitantes.
Sem
dúvida Dom Pedro buscaria formas de ampliar seus conhecimentos e traria aporte
de materiais e fotografias para sua coleção pessoal, instalada no Palácio de
São Cristóvão, que nos primeiros anos da República, se tornaria o Museu
Nacional do Brasil.
Mas
quem era Schliemann, esse homem que se comunicava diretamente com reis e
presidentes? Era uma mescla de visionário, aventureiro e irmão gêmeo da estrela
da boa sorte. Tal qual o Rei Midas lendário, tudo em que tocava transformava-se
em tesouro. Alemão de nascimento, Schliemann era filho de um pastor empobrecido
e mestre-escola apaixonado pela cultura grega; ele deu ao filho como cartilha
das primeiras letras a Ilíada de Homero e, posteriormente, as tragédias e
comédias gregas.
Isso
formatou no jovem o sonho que ele um dia realizaria: a busca de tesouros
arqueológicos baseada em citações de poetas e em obras literárias, mais que em
qualquer outra fonte de conhecimento corrente ou erudito.
Acontece
que o rapaz pobre possuía uma enorme facilidade para a aprendizagem de idiomas,
tendo desenvolvido habilidades em pelo menos dez línguas antes dos trinta anos.
Foi essa habilidade, aliada à capacidade por negócios e a um gênero aventureiro
“a la” Ulysses, que lhe permitiram abrir
comércio com países do oriente e do ocidente, conversando sempre na
língua própria dos interlocutores, inclusive com russos e chineses. Afinal,
embarcou para a América e participou da “febre do ouro californiano” onde
encontrou um filão, e retornou ainda mais rico para a Alemanha.
Quando
completou quarenta e dois anos, Schliemann decidiu interromper sua carreira
comercial; desposou uma linda grega, Sofia, vinte anos mais jovem, geóloga
recém-formada e dedicou-se ao sonho de sua vida: encontrar as ruínas da cidade
de Troia, saqueada e destruída pelos argivos comandados por Agamemnon, seu
irmão Menelau e por Aquiles.
Tomando
por “bíblias” tão somente escritos antigos como a Odisseia e a Ilíada, em 1870
inicia as escavações que, contrariando todas as previsões das ciências da
época, trariam à luz do dia a cidade de Troia, aquela mesma cidade da Ásia
Menor, e que, por muitos, era tida tão somente como fruto da imaginação.
No
mesmo sítio da Troia do rei Príamo, aquela destruída pelos gregos, outras
quatro civilizações mais antigas foram por ele também encontradas. Logo, de
suas escavações jorrava um enorme tesouro em ouro, joias e artefatos de uso
cotidiano do passado redescoberto. Justamente o explorador alemão que estava
disposto a empregar toda sua fortuna para descobrir Troia, tornava-se assim,
ainda um dos homens mais ricos do planeta e um dos mais famosos!
No
entanto, a vontade indomável por novas descobertas e riquezas não permitiram ao
alemão o merecido descanso, após tão importante conquista.
Pois
muito bem, descoberta Troia, tendo unicamente por referência a Ilíada de
Homero, Schliemann decidiu explorar, agora na Grécia continental, a cidade na
qual Agamemnon, o comandante grego que ao regressar da guerra fora assassinado
pela esposa Clitemnestra e seu amante, Egisto. E ele iniciará as escavações de
Micenas ocupando mais de cento e vinte e cinco operários, em princípios de
1876.
Talvez
jamais tenha havido pessoas tão predestinadas quanto Schliemann. Em breve o
mundo iria se maravilhar com as notícias de seus novos e maravilhosos achados.
As riquezas arqueológicas se sucedem: são vasos pintados, ânforas, pedras
preciosas, fragmentos de frisos, ídolos de terracota, formas para fundição de
ourivesaria. Finalmente, a descoberta de túmulos pertencentes a antigos reis.
E
o aventureiro anuncia ao mundo, conduzido exclusivamente pelos escritos de
Píndaro e dos poetas trágicos, a descoberta como sendo a dos jazigos de
Agamemnon, de Cassandra e de seus acompanhantes.
Ele
não teve a menor dúvida sobre a veracidade de seu achado; mas pouco importa que
a ciência, posteriormente, tenha provado que os restos mortais descobertos
pertencessem a reis mortos pelo menos quatrocentos anos antes da existência de
Agamemnon e de seus parceiros de aventura. Afinal, Troia surgira para o mundo
através de suas mãos! Por que não o Rei de Micenas?
As
grandes notícias se espalham e os homens cultos planejam suas visitas para
conhecerem pessoalmente os restos mortais tão ilustres e a cidade que, no seu
tempo, liderara todos os gregos na luta contra Troia.
É
então que chegamos no dia em que D. Pedro II, o Imperador do Brasil, realiza a
sua visita. D. Pedro tinha grande paixão pela fotografia e foi um dos primeiros
fotógrafos do Brasil. Em seus diários havia diversos trechos que falam sobre a
fotografia, mostrando uma incrível paixão pela invenção surgida por volta de
1830. Em sua bagagem, como sempre, sua câmera de fotógrafo amador e seus
produtos de revelação o acompanharam.
A
embarcação de D. Pedro atracou em Corinto. Lá ele visitou o grande Portal do
Leão, através do qual passara o rei Agamemnon quando partiu para a gloriosa
expedição a Troia. Sua Majestade foi dali ao tesouro que havia sido escavado
também por Schliemann e jantou modestamente ao lado das ânforas e dos vasos,
numa barraca improvisada.
A
seguir, sempre fotografando, desenhando e recolhendo pedras, ele examinou com o
mais profundo interesse a grande coleção de antiguidades micênicas
pré-históricas encontradas no povoado de Charvati.
Então,
a cavalo, dirige-se na manhã seguinte à acrópole de Micenas, onde estavam as
atuais escavações de Schliemann e o próprio. Seus olhos se enchem com os
diademas, folhas de louro, maravilhosos ornamentos em ouro e pedras preciosas
descobertos nos jazigos encontrados. Mal pode crer no que vê. Escreve à D.
Tereza Cristina.
Apresentam-lhe
um peitoral e uma máscara mortuária confeccionada cuidadosamente em ouro de
vinte e dois quilates, como sendo a de Agamemnon. Como ser humano ele se
extasia com o achado. Mas para o homem de ciência e cultura, em seu íntimo, não
se convence de estar realmente frente à
máscara mortuária de Agamemnon. Onde estavam as provas científicas? Enfim, para
o Imperador do Brasil, talvez Schliemann estivesse forçando um pouco a
História, quiçá desejando que a vida se comportasse como um reflexo da arte.
Segundo
Schliemann, o maior interesse de Don Pedro não foi a máscara, mas sim, o imenso
duplo círculo de lápides tumulares, sendo quatro delas finamente esculpidas. O
interesse de Dom Pedro foi tão grande que ele pediu a Schliemann que lhe
enviasse fotografias na continuidade das escavações tumulares e as enviasse
todas até o Cairo.
Demora-se
um bocado em visita, distrai-se em seus pensamentos e em seus questionamentos.
Por dois dias é ciceroneado pelo próprio chefe de polícia grego. Ao final,
deixa-lhe uma pequena gorjeta de quarenta francos em agradecimento.
Qual
teria sido o motivo de haver dado ao chefe de polícia grego, de nome Leonardos,
uma quantia que era absolutamente ridícula para um Imperador, pedindo ainda ao
policial “que a repartisse entre seus colegas”? Mal imaginava o que a gorjeta
causaria de complicações para tão simpático cicerone.
Sim,
a história às vezes nos prepara algumas armadilhas. Ora, a gorjeta ridícula em
seu valor real adquiriu aos olhos dos
auxiliares do pobre Leonardos valores astronômicos, algo superior a mil
francos.
Primeiramente
os policiais queriam que o chefe partilhasse a gorjeta “real” com eles. Com sua
recusa, ameaçaram-no com delação, pois tal recompensa financeira deveria estar
ligada a algum favor prestado ao colecionador de antiguidades, Dom Pedro II. A
maldade chegara aos ouvidos do próprio Rei Grego, que não nutria grande
simpatia por aquele Bourbon que dispensava grandes comitivas e tratamentos
majestáticos.
Como
resultado, Leonardos foi demitido e somente não foi levado à prisão por interferência
de Schliemann, que nele muito confiava. Dom Pedro II já aportara ao Rio e
repousava no Palácio da Quinta da Boa Vista. Recebe um telegrama urgente.
Schliemann suplica-lhe que esclareça a situação. “Por ocasião da partida de
Vossa Majestade de Nauplia, o senhor deu ao comandante de polícia Leonardos uma
quantia simbólica de quarenta francos, conforme ele próprio. O prefeito da
cidade, baseado nos dizeres de caluniadores, afirma haver ele recebido mil
francos de Vossa Majestade. Leonardos foi destituído do posto e só com muita
dificuldade eu consegui livrá-lo da prisão. Visto conhecê-lo há muitos anos e
tê-lo como o mais honesto dos homens, peço, em nome da sagrada verdade e da
humanidade, que o senhor se digne a telegrafar-me dizendo se Leonardos recebeu
quarenta francos ou mais.”
E
o Imperador do Brasil responde imediatamente a Schliemann esclarecendo
publicamente a verdade, tanto por telegrama como através de uma carta dirigida
diretamente ao Rei Grego.
O
policial, homem de confiança do sonhador Schliemann é salvo. Mas a fama de
sovina de Dom Pedro II torna-se proverbial em todas as cortes europeias.
Em
respeito e reconhecimento Heinrich Schliemann dedicou ao imperador brasileiro
sua pormenorizada e ilustrada narrativa de pesquisas e descobertas em Micenas e
Troia, publicada em 1878, e provavelmente destruída no incêndio do Museu
Nacional, antigo Palacete São Cristóvão.
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