O
estado de São de Paulo foi condenado a indenizar em R$ 15 mil, por abordagem
violenta da Polícia Militar, pai e filho negros. A decisão considerou que a PM
"possui um histórico negativo em relação à comunidade negra" e que
ficou demonstrado, no caso, o abuso da ação e o dano causado.
Ao
fixar o valor da condenação, a relatora, desembargadora Teresa Ramos Marques,
da 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, ressaltou
que a indenização deve servir como reparo e para controlar novas condutas do
tipo.
"Deve
o magistrado, de um lado, considerar as consequências causadas pelo dano à
personalidade da vítima, permitindo, quanto possível, a sua reparação (aspecto
reparatório), e, de outro, coibir a reiteração da conduta ilícita pelo ofensor
(aspecto pedagógico)", disse a relatora.
Na
ação, o advogado Sinvaldo José Firmo pediu que o estado fosse condenado a
indenizar seu filho pela abordagem sofrida em 2010, quando o garoto tinha 13
anos. Segundo o advogado, ele e seu filho estavam a caminho do Estádio do
Pacaembu para um jogo entre Corinthians quando foram abordados por três
policiais militares.
Sinvaldo
relata ter apresentado a carteira da OAB como forma de se defender dos policiais
que apontavam armas para eles. Mas isso teria irritado os agentes. Ele também
foi impedido de usar o celular para chamar por ajuda e ridicularizado por dizer
que trabalhava como assessor do então deputado estadual José Cândido (PT). Os
PMs ainda se recusaram a informar os nomes deles e, por fim, ordenaram que
deixassem o lugar.
Na
primeira instância, a sentença julgou improcedente a ação. Na decisão, o juiz
Sérgio Serrano Nunes Filho destacou o fato da Polícia Militar de SP ter
afirmado que os agentes agiram em conformidade com as normas da instituição.
Além disso, ele não considerou haver elementos sólidos que comprovassem o
relato.
"Não
há qualquer prova do constrangimento, abuso de autoridade, ou perseguição
racial, máxime tendo o alegado ato ocorrido em local público, com centenas de
pessoas, como afirmado pelo próprio autor, pessoas essas que poderiam ter sido
arroladas como testemunha, o que não ocorreu", argumentou na sentença.
No
TJ-SP, a desembargadora Teresa Ramos Marques concordou que a questão é delicada
por não haver provas. Para ela, no entanto, nenhuma das partes apresentou
"prova capaz de ensejar um julgamento completamente livre de
dúvidas". Segundo ela, tratava-se de jogo importante, que levou milhares
de pessoas ao estádio e, ainda assim, os autores não arrolaram testemunhas.
Por
outro lado, a posição da PM referida na decisão de 1° grau foi considerada, por
ela, prova produzida unilateralmente pela própria corporação. A PM não chegou a
ouvir pai e filho, mas apenas os três policiais envolvidos no caso.
"Ainda, um dos policiais que abordou o autor e seu pai foi expulso da
corporação. Embora não se saiba por qual razão, trata-se de fato desabonador
que, por isso, compromete a veracidade das suas alegações", enfatizou.
Além
disso, o adolescente, autor da ação, juntou inúmeras manifestações do seu pai,
perante a Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB, ao Conselho
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), à Ouvidoria
Nacional da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, à
Ouvidoria da PM, à Secretaria de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da
República, bem como representação ao Ministério Público, movida pelo então
deputado estadual José Cândido, de quem o pai do autor era assessor à época, e
denúncia publicada no Jornal da Tarde.
"Não
soa plausível que o autor e seu pai fizessem todo esse escarcéu se realmente
não tivessem sido vítimas de abordagem abusiva", enfatizou Teresa Ramos
Marques. Eles juntaram ainda laudo pericial que constatou estresse
pró-traumático do adolescente. Na época do fato, por exemplo, ele fazia escola
de futebol do Corinthians e depois da abordagem abandonou a atividade.
Mereceu
destaque ainda, para a relatora, o histórico da PM em relação à população negra.
"Não bastasse, é importante lembrar que o autor é negro e a Polícia
Militar possui um histórico negativo em relação à comunidade negra, como se
pode ver da Orientação da PM de 2013, recomendando a abordagem policial de
'indivíduos de cor parda e negra', levando, inclusive, a um processo movido
pela Defensoria do Estado; bem como a recente declaração do Comandante da ROTA,
para quem a abordagem nos Jardins tem de ser diferente da periferia."
À
Ponte Jornalismo, Sinvaldo classificou a decisão como uma conquista da
comunidade negra. “A decisão fará com que se mude a atitude de alguns
policiais. É notório que o Estado se preocupe. É uma decisão que não é minha
nem do meu filho, ela é da população e da juventude negra. Cria-se uma
jurisprudência para, quando alguém se sentir abusado em uma abordagem, possa
buscar seus direitos. Hoje, ela tem embasamento legal”, comemorou.
Apelação
0017964-90.2013.8.26.0053
Ana
Pompeu é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista
Consultor Jurídico
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